O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu decisão liminar nesta quinta-feira (9) para autorizar a Netflix a exibir o especial de Natal do grupo Porta dos Fundos. A Justiça do Rio de Janeiro tinha suspendido nessa quarta-feira (8) a veiculação do vídeo, chamado "A Primeira Tentação de Cristo", atendendo ao pedido de uma associação católica.
Em sua decisão, Toffoli destacou que o Supremo já firmou entendimento sobre a "a plenitude do exercício da liberdade de expressão como decorrência imanente da dignidade da pessoa humana" e como "meio de reafirmação/potencialização de outras liberdades constitucionais".
"Não se descuida da relevância do respeito à fé cristã (assim como de todas as demais crenças religiosas ou a ausência dela). Não é de se supor, contudo, que uma sátira humorística tenha o condão de abalar valores da fé cristã, cuja existência retrocede há mais de 2 (dois) mil anos, estando insculpida na crença da maioria dos cidadãos brasileiros", concluiu Toffoli em sua decisão.
O vídeo retrata Jesus Cristo como um homossexual que se envolve com Lúcifer; na versão, Maria trai José com Deus.
Ao acionar o Supremo, a Netflix alegou que a decisão do TJ do Rio "tem efeito equivalente ao da bomba utilizada no atentado terrorista à sede do Porta dos Fundos: silencia por meio do medo e da intimidação".
A reclamação é um tipo de processo em que se alega que uma decisão da Suprema Corte está sendo desrespeitada por instâncias inferiores. No caso, a Netflix sustenta que o Supremo já deixou claro em julgamentos que são inconstitucionais quaisquer tipos de censura prévia e restrições à liberdade de expressão.
"Por ser assim, as referidas ordens judiciais devem ser prontamente suspensas e, ao final, cassadas, de forma a resguardar a liberdade de expressão da reclamante, em sua dimensão de liberdade de criação artística e de programação", alegou a Netflix ao Supremo.
A plataforma informou o STF que não seleciona o conteúdo a ser assistido por seus assinantes, mas "se limita a disponibilizar os mais diversos temas, assuntos e gêneros para que os usuários livremente optem pelo que desejem assistir, concedendo-lhes total liberdade de escolha".
A empresa ressaltou que o vídeo do grupo humorístico já possui classificação indicativa para maiores de 18 anos e é "indexado como sátira, comédia e humor ácido".
O processo foi sorteado no STF para ficar com o ministro Gilmar Mendes, mas foi decidido por Toffoli, responsável pela análise dos casos considerados urgentes durante o plantão do tribunal. O Supremo só retoma regularmente suas atividades no mês que vem.
A decisão de tirar o especial do ar foi tomada pelo desembargador Benedicto Abicair, da 6ª Câmara Cível, em agravo de instrumento proposto pela Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, um grupo religioso carioca.
Inicialmente a entidade propôs uma ação civil pública pedindo que o vídeo fosse retirado do ar, mas em primeira instância o pedido foi negado. "Não constatei a ocorrência de qualquer ilícito (...). Também não verifiquei violação aos direitos humanos, incitação ao ódio, à discriminação e ao racismo, sendo que o filme também não viola o direito de liberdade de crença, de forma a justificar a censura pretendida", escreveu, em 19 de dezembro, a juíza Adriana Jara Moura, da 16ª Vara Cível. O grupo recorreu e agora o desembargador atendeu ao pedido.
A polêmica em torno da obra ganhou novos contornos após um atentado semanas atrás contra a sede da produtora do Porta dos Fundos, no bairro de Humaitá, na zona sul do Rio. Dois coquetéis molotov foram lançados contra as instalações.
Um acusado pelo atentado - Eduardo Fauzi Richard Cerquise, de 41 anos - está foragido desde 31 de dezembro. Ele viajou para a Rússia antes de sua prisão ser decretada.