Lenine e Lula Queiroga caem novamente no Baque Solto

Os dois festejam sábado o disco que completa 30 anos
JOSÉ TELES
Publicado em 12/09/2013 às 7:26



“Choveu muito, mesmo assim veio muita gente. Neguinho saindo direto da praia pro Parque Laje. Antes do show, um cara pegou uma cadeira e furou a lona que cobria o palco. A água inundou tudo, molhou o equipamento. Não deu mais para fazer o show”, conta Lula. Apesar da trapalhada, na semana seguinte eles começaram a ser assediados pelas grandes gravadoras, na época todas no Rio. Acabaram na Polygram, acolhidos por Roberto Menescal, produtor e homem forte da multinacional, que acabara de montar em sua sede, na Barra, o mais moderno estúdio do País. Lula recorda a perplexidade dele e de Lenine.

Outro dia eles ralavam para conseguir fazer shows no disputado mercado carioca e, de repente, estavam gravando no estúdio de Menescal. Enquanto eles faziam  Baque soltoo inglês Peter Gabriel também gravava ali uma faixa do seu próximo disco. “Ele botava as percussões de Djalma Correa, para o álbum  So e Caetano Veloso trabalhava no estúdio com eles. Fui até lá conhecer Peter Gabriel”.

LENINE -
Workaholic convicto, Lenine deu uma parada nos diversos projetos que empreende ao mesmo tempo, só para celebrar os 30 anos de Baque solto Ressalta que em 2013 também comemora outras datas redondas, como os 20 anos do disco Olho de peixe, dividido com Marcos Suzano, responsável por atrair holofotes do olhar nacional para Lenine. Olho de peixe já teve sua festa de aniversário. Ele e Suzano reuniram-se para um único show no Rio: “Só teve esta apresentação, com todos que participaram da história naquela época. Uma história de carinho e afeto. Vai ser uma ressaca emocional o reencontro do núcleo doBaque solto, com amigos como Ivan Santos, que está na Alemanha, e Márcio Brandão, hoje catedrático da cadeira de física da UERJ.

Lula Queiroga e Lenine se conheceram no Recife, no final dos anos 1970. Época de festivais estudantis, Lenine fez parte do Flor de Cactus, com Zeh Rocha na formação, e chegou a gravar um compacto, produzido por Zé da Flauta. Lula compunha. No período, ganhou festivais de frevo e começou a escrever textos para Chico Anísio, aos 18 anos: “No Recife, a gente apenas se conhecia, mas só aconteceu a aproximação no Rio, por intermédio de Bráulio Tavares”. Lula Queiroga lembra ainda que o que o levou a prestar atenção em Lenine foi descobrir que ambos comungavam da mesma admiração por Milton Nascimento e pelo álbum  Clube da esquina, em particular, comprado na Allegro Cantante, então a mais refinada loja de discos do Recife, onde ficaram na lista de espera para comprar o disco. A mesma loja onde, quem diria, poucos anos depois fariam uma concorrida sessão de autógrafos de Baque solto.

A partir da reaproximação no Rio, os dois passaram a andar juntos e a fazer música: “A gente se encontrava muito e fazia muita música, muita coisa se perdia. Um puxava uma melodia e dizia pro outro segurar. Ninguém andava com gravador. Naquele tempo havia aqueles grande, feito um tijolo, não dava pra andar com um o tempo todo”, conta Lula.

Foi Lenine que sugeriu a Lula o show do Trem fantasma. E com ele trouxe a Folha Seca, um grupo de amigos músicos: Alberto Rozenblit (guitarra), Cláudio Wilver (bateria), Fábio Girão (baixo), Marcelo Bernardes (sax), Marcio Brandão (teclados), Paulinho Muylaert (guitarra), Alex Madureira (guitarra), Durval (percussão). Quase todos eles estarão na festa de aniversário do Baque solto. Acrescente-se a estes Zeh Rocha e Bráulio Tavares.

Até Baque solto os dois foram se chegando aos poucos, os seus nomes aparecendo timidamente nos jornais. Em maio de 1981, no roteirão de shows do Jornal do Brasil, então o mais importante do Rio, anunciava-se o “E lá se vão dez pés a quadrão”: “show com a participação dos músicos e instrumentistas Cátia de França, Celso Mendes, Lenine, Lula Queiroga, Ronaldo Maia, Tadeu Matias e outros”. Seis meses mais tarde, no show Sem fim, cujo nome mais conhecido era o de Luiz Melodia, Lenine e Lula Queiroga já cantavam com a banda Folha Seca, batismo dado por Renato Aragão à banda do filho, o guitarrista Caxa Aragão. Prova de que os dois seguiam na direção certa foi a participação no Boca a boca a intenção de competir com o Cassino do Chacrinha”.

O  Boca a boca foi dirigido por Maurício Capovilla e reuniu a novíssima geração da MPB, uma seleção abrangente que incluía de Altay Veloso a Marcos Suzano, Tunai, Zé Renato e a Sangue da Cidade (esquecida banda pioneira do Brock). Veio então o Trem fantasma no final de 1982, e Baque solto cujo show mais concorrido aconteceu no Circo Voador, com o palco dividido com mais um pernambucano: Luiz Gonzaga: “Um show que até hoje é recorde de público do Circo Voador, mais de quatro mil pessoas”, conta Lenine. Uma plateia mais deles do que de Gonzagão: “Quando a gente terminou, ia todo mundo embora. Voltamos para o palco e ficamos acenando para o público voltar”, acrescenta Lula. Porém, apesar de plateias lotadas, Baque solto não aconteceu fora dos palcos.

“O disco havia uma coisa bacana que naquele momento não teve eco, um pouco de hibridismo que não ia com o que acontecia na época”, comenta Lenine , que já definiu o álbum e a turma dele de então como a “geração imprensada”, que nem era a MPB dos anos 60, nem fazia o rock contemporâneo dele e Lula Queiroga. Clube da esquina com Led Zeppelin, Black Sabbath, Lenine não bebeu na fonte do tropicalismo. Tampouco Lula Queiroga, que cita o fusion de Jean-Luc Ponty, o progressivo do Gentle Giant, e o funk do Earth, Wind and Fire como referências, a música que costumava escutar nos anos 70: “Baque solto não se encaixava em nenhuma prateleira. Era cultura popular, ciranda, maracatu, caboclinho, com influência de harmonia mineira, parecia rock mas não era. No palco era um pique incrível. Uma coisa marcou nos shows do Teatro Ipanema foi um momento em que Lenine cantava e eu esperava para voltar, quando olhei pro chão, e em redor dos pedestais dos microfones havia dois círculos no chão. Era o do suor da gente. A gente pulava e corria tanto, que até hoje não sei como nunca trombamos um no outro”, conta Lula Queiroga, lembrando que até o nome do disco era estranho para os cariocas: “Acho que nem os músicos tinha ideia do que significava o título”.

Lenine diz que há anos não escuta Baque solto: “Não ouço nada que fiz. Agora vou ter que escutar o disco para o show, para reencontrar os amigos, gente que não vejo há pelo menos 25 anos”. Lula Queiroga, por sua vez, não gosta de escutar o Baque solto em CD: “A gente parece dois patos cantando. botaram compressão demais na voz, que ficou ainda mais à frente. No LP é outra coisa. E nem o vinil saiu como deveria. Tudo que dava certo no show não dava no estúdio”. Além da competição com as bandas de rock como Paralamas do Sucesso, ou Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, Lenine e Lula Queiroga perderam o apoio da gravadora, com a saída de Roberto Menescal da Polygram. Mesmo assim ainda começaram a gravar a sequência de Baque solto. Desta vez seriam álbuns individuais. Chegaram a dois compactos, o de Lenine puxado por Baque da era, o de Lula Queiroga, por Presença”. Deles, Lula Queiroga lembra de um clipe feito por Billy Bond (roqueiro e produtor argentino, que participou do Joelho de Porco). Ele pegou um contrato com a Polygram para fazer dez clipes, e eu entrei neste. Horrível. Foi gravado, roteiro no Bairro Peixoto, em Copacabana. Um negócio sem pé nem cabeça”.

SHOW - Sábado, a noite começa com Fábio Cabral incorporando um DJ e tocando a trilha da era do Baque solto. Lula e Line repassam todo repertório do álbumo, com a mesma banda de 30 anos atrás, ainda terão canjas de Zeh Rocha (autor, com Erasto Vasconcelos, da música que abre o disco, Maracatu silêncio), e Bráulio Tavares, que não está no disco, mas era um dos destaques da turma da pá virada do baque solto.

TAGS
Lenine Lula Queiroga baque solto Baile Perfumado
Veja também
últimas
Mais Lidas
Webstory