Projetos aproximam a arte do trabalho em instituições psiquiátricas

No espaço cultural Peligro, em Casa Forte, será lançado o livro de Luiz Santos e Mestre Julio. No mesmo local, o médico e ator Vitor Pordeus ministra uma oficina
Eugênia Bezerra
Publicado em 23/01/2014 às 6:00
No espaço cultural Peligro, em Casa Forte, será lançado o livro de Luiz Santos e Mestre Julio. No mesmo local, o médico e ator Vitor Pordeus ministra uma oficina Foto: Dani Neves/JC Imagem


O livro Fotopintura contemporânea, lançado nesta quinta-feira (23/1), às 19h, no Espaço Peligro, é um dos frutos do projeto realizado pelos artistas Luiz Santos e Julio Santos (o fotopintor conhecido como Mestre Julio). Ele é um catálogo da ação realizada no Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira (Rio de Janeiro).

Formada em medicina, com especialização em psiquiatria, Nise da Silveira (1905-1999) buscou novos métodos para o trabalho com a saúde mental, que consideravam a inclusão e a arte. Um retrato dela inicia a sequência de fotopinturas do livro.

No projeto Fotopintura contemporânea, Luiz Santos faz os retratos exclusivamente para serem pintados pelo Mestre Julio. "Este trabalho encerra um pouco meu mergulho na fotopintura, algo que gerou grandes frutos para mim e para o Mestre Julio. É a conclusão de uma parceria maravilhosa que mudou a minha vida e a dele", continua o fotógrafo.

Junto com a publicação, será lançado o filme Clientes e amigos (vimeo.com/55049700), de Luiz e Douro Moura. Também nesta quinta-feira (23/1), das 14h às 18h, o médico e ator Vitor Pordeus ministra uma oficina. "Ele se tornou um parceiro nosso. Cheguei ao Rio de Janeiro com a previsão de trabalhar no Museu de Imagens do Inconsciente, era o que estava previsto no projeto aprovado no Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais. Não sabia ainda da existência do Hotel da Loucura. Eles fizeram uma ocupação em um dos andares do prédio (do Instituto Nise da Silveira, no Engenho de Dentro), para receber artistas e cientistas com projetos relacionados a esta área. É um trabalho muito alinhado com a luta antimanicomial. Houve uma grande empatia como tenho em minha trajetória um direcionamento com projetos nesses espaços", explica Luiz Santos.

"Houve uma grande empatia como tenho em minha trajetória um direcionamento com projetos para estes espaços", completa Luiz.

Quem se interessar por este assunto pode participar de um encontro com artistas e cientistas neste sábado e domingo, no Sítio São Judas Tadeu, em Cruz de Rebouças (a inscrição custa R$ 120 e inclui hospedagem e alimentação). "Jinpura é uma falsa sigla que criamos para Jornada Internacional de Arteciência, Cultura, Psiquiatria Transcultural, Poéticas, Biologia do Conhecimento, Educação, Ciência da Aproximação. Estamos buscando maneiras de pensar e agir na cidade a partir da promoção de encontros. Já fizemos duas oficinas e uma jornada nesta primeira quinzena de janeiro", explica Luiz.

"No encontro deste fim de semana, os artistas e cientistas vão trocar vivências. Contamos com a participação de Marcelo Coutinho, Carol Cosentino, Bernardo Cabral, Maria Salguero (Colômbia), Manuel Castomo, Dominque Berthé e Vitor Pordeus. A ideia de estreitar essa relação é pensar que as coisas podem conviver, arte e ciência. Troca experiências artistas e cientistas. Vai ser um trabalho livre, com diálogos cenopoéticos, sem formato acadêmico", adianta.

O LIVRO


O formato da obra é inspirada nos carte-de-visite, uma maneira de apresentar fotografias bastante popular na década de 1860. Consistia em uma foto, com cerca de 6x9 cm, colocada sobre um cartão (o tamanho do livro é um pouco maior, 9x12 cm). "Este formato 9x2 é uma homenagem a Disdéri – André Adolphe-Eugène Disdéri (1819-1889) – que ajudou a popularizar a fotografia com os carte-de-visite. E também porque tenho a ideia de trabalhar neste viés de como as coisas podem ser feitas de maneira criativa, com mais criatividade e menos dinheiro", afirma Luiz Santos.

"Não é fácil transformar o chumbo em ouro. Ainda mais em tempos que temos muito dinheirista fingindo que é alquimista. O ouro da alquimia não é o vulgar, pois lida com a matéria viva e humana, trabalha com os processos de cura, desenvolvimento e aprendizado sob as leis do inconsciente coletivo, seus símbolos, narrativas, mitos. Os retratos alquímicos de Luiz Santos e Mestre Júlio produzem esse efeito de cura, com reflexos caríssimos em pessoas consideradas pela sociedade como inferiores, aberrações isoladas, dentro das tristes instituições psiquiátricas da ciência de terceiro mundo", ressalta Vitor Pordeus em seu depoimento para o livro.

Além das fotopinturas, no livro há algumas gravuras feitas pelo artista plástico pernambucano Rinaldo, algumas fotos dos bastidores do processo e uma sequência que mostra o encontro de Luiz Santos com José Alberto. O pernambucano pediu que ele o fotografasse em um espaço chamado roda de cura, feito pelos clientes e médicos com troncos de árvores. Ao final da sessão, José Alberto afirmou: "O diagnóstico que me deram estava errado. Não sou esquizofrênico, sou um retratista".

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