"O ajuste fiscal é um nonsense"

A economista Leda Paulani, da USP, critica o terrorismo econômico e acredita que o maior erro dos 12 anos de PT foi não ter politizado as questões
Raissa Ebrahim
Publicado em 19/07/2015 às 2:21
A economista Leda Paulani, da USP, critica o terrorismo econômico e acredita que o maior erro dos 12 anos de PT foi não ter politizado as questões Foto: Foto: Cesar Ogata-Secom-PMSP/Fotos Públicas


Leda Paulani vai na contramão do que tem repetido a maioria dos economistas. Professora titular do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade e da pós-graduação do Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (USP), ela defende que a economia brasileira precisa hoje é de um ajuste econômico, não de um ajuste fiscal, e que o maior erro desses 12 anos de gestão do Partido dos Trabalhadores (PT) foi não ter nunca politizado as questões. Ex-secretária de Planejamento, Orçamento e Gestão de São Paulo (gestão Fernando Haddad - PT), Leda critica o terrorismo econômico. 

Confira a íntegra da entrevista à repórter Raíssa Ebrahim

JORNAL DO COMMERCIO - Qual a origem da crise pela qual passa o Brasil? Ela é tão grave quanto reproduzem a oposição e a mídia?

LEDA - Há vários fatores que se combinam: a continuidade da crise internacional (que não terminou como julgaram alguns) e junto com ela a queda dos preços internacionais das commodities que exportamos, o esgotamento de uma estratégia macroeconômica de alimentar a demanda agregada por meio principalmente do consumo e este, por sua vez, por meio da expansão do crédito, alguns problemas com safras e intempéries em conjunto com a desvalorização do Real, que pressionaram os preços, para citar os mais importantes. Contudo há um fator político que é mais substantivo: não é a primeira vez que se tenta mostrar as coisas com uma gravidade maior do que a que de fato existe. Essa estratégia que une o pensamento conservador, a oposição político-partidária e a grande mídia falada e escrita consiste em praticar uma espécie de terrorismo econômico para, em geral, justificar as políticas de austeridade e a elevação dos juros (nas eleições presidenciais foi utilizada para justificar o voto no candidato tucano). Isso mostra que a crise é, em realidade, muito mais política do que propriamente econômica.

JC - Qual é hoje o papel da esquerda no País? Ela também é culpada pela crise? Para aonde ela caminha? 

LEDA - Depende do que se entende por esquerda. Se a entendermos num escopo largo, que inclui necessariamente o PT, a esquerda é evidentemente também culpada pela crise. Mas além de possíveis equívocos que tenham sido cometidos na gestão strictu senso econômica do país, o maior erro desses 12 anos de gestão do Partido dos Trabalhadores foi não ter nunca politizado as questões. O estilo conciliador do ex-presidente Lula, que deu o tom da gestão desde seu início, acabou por prevalecer. Na época de bonança isso pode não causar muito problema, mas quando as coisas se complicam econômica e politicamente, a ausência de politização (que é da cultura brasileira, de resto, mas o PT no poder poderia ter mudado isso) cobra seu preço. Outro erro crucial foi não ter feito absolutamente nada pela democratização dos meios de comunicação. Também isso cobra seu preço hoje, e ele é bem alto. 

JC - Qual a avaliação que a senhora faz sobre o ajuste fiscal? 

LEDA - O ajuste fiscal é um nonsense. Ele não vai resolver nada e só agravará as coisas. O grande problema, para quem defende esse tipo de ajuste, é o crescimento da relação dívida/PIB, que teria passado de 52 para 62% nos últimos 5 anos, e o resultado primário das contas do governo que, pela primeira vez desde 2002, deu um resultado negativo (de 0,6% do PIB) em 2014. O ajuste fiscal, a par de seu enorme custo social em termos de desemprego, de redução da massa salarial, de redução do salário médio real, de redução de benefícios sociais, de corte de recursos em políticas públicas essenciais, não vai adiantar nada para a melhora dessas duas variáveis. Como aos cortes profundos nos gastos públicos se combina também uma elevação injustificável da taxa básica de juros, temos um resultado explosivo e que se autoalimenta: ajuste fiscal, queda dos investimentos (público e privado), queda do consumo e dos gastos do governo, queda do produto, queda da arrecadação, piora nas contas públicas, piora na relação dívida/PIB, necessidade de mais ajuste. Em outras palavras, a elevação dos juros joga a dívida para cima e essa elevação, combinada aos cortes de gastos, joga o PIB para baixo. De que maneira pode cair a relação Dívida/PIB? Ou ainda, a piora na performance da economia faz cair arrecadação, piorando o resultado primário das contas públicas, por mais que se cortem os gastos. 

JC - Como sair da armadilha da alta dos juros (tida como a grande arma no controle da inflação) e do baixo crescimento? 

LEDA - O argumento de que a elevação de taxa de juros é a única ou a principal arma no controle da inflação só faz sentido se a inflação for resultado de um excesso de demanda agregada na economia. Nesse caso, mas só nesse caso, a taxa de juros mais elevada esfria a economia, porque desestimula os investimentos (só aqueles com taxa esperada de retorno muito elevadas acabam acontecendo) e desestimula o consumo (dado o rendimento maior das aplicações financeiras) e uma economia menos aquecida pressiona menos os preços. Não sendo esse o caso, e esse não é o caso da economia brasileira agora, a elevação dos juros não faz o menor sentido, ainda mais considerando-se o nível já muito elevado em que eles se encontravam ao final de 2014. A economia brasileira hoje está muito longe de uma situação de excesso de demanda agregada. Ela vem apresentando um crescimento muito baixo desde pelo menos 2013 e os indicadores de elevação de capacidade ociosa sucedem-se em vários e vários setores. A inflação que temos hoje decorre de choques de preços derivados de eventos exógenos como quebras de safras e secas e de acerto de preços administrados como energia elétrica e combustíveis. Em suma trata-se do que se chamava antigamente de uma "inflação de custos", não de uma inflação de demanda. Temos também a questão da desvalorização cambial que, dado o maior grau de abertura que a economia brasileira hoje apresenta, acaba tendo um impacto geral no nível de preços. Mas, também nesse caso, trata-se de uma mudança na estrutura de preços relativos. Mesmo que ainda tenhamos algum grau de indexação na economia brasileira, essa mudança, uma vez assimilada, deve estancar seu impacto sobre os preços. O que a economia brasileira precisa hoje é de um ajuste econômico, não de um ajuste fiscal, e esse ajuste econômico deve começar por uma reforma tributária, que eleve o peso dos impostos diretos, reduzindo a importância dos indiretos, extremamente regressivos, e dentro dos impostos diretos, eleve as faixas de incidência do imposto de renda, eleve substantivamente os impostos sobre patrimônio e crie um imposto sobre grandes fortunas. Isso combinado a uma redução da taxas de juros que a coloque em linha com o que se pratica hoje no mundo, combinado também a uma política de controle dos fluxos de capital, melhorará as contas públicas, abrindo espaço para investimentos públicos substantivos, os quais estimularão os investimentos privados, o que via efeito multiplicador e a melhora na distribuição provocada pela reforma tributária estimulará o consumo, fazendo com que a demanda interna realize o potencial que naturalmente tem numa economia do tamanho da brasileira, qual seja, a de funcionar como a alavanca permanente do crescimento. 

JC - O que dizer das pedaladas fiscais? São uma ameaça ao governo Dilma Rousseff? 

LEDA - Não tenho suficiente conhecimento do que de fato ocorreu na gestão das contas públicas em 2014 para opinar sobre isso. Mas claramente não é essa a ameaça que existe sobre a segunda gestão da presidenta Dilma Roussef. A ameaça verdadeira é política. A ausência de politização a que me referi anteriormente, combinada ao extremo conservadorismo da elite brasileira, abriu um espaço para o surgimento da direita mais abjeta (vide o que se passa hoje no congresso nacional, a quantidade de pautas conservadoras que saiu da gaveta), que está pouco se importando com as instituições e com a democracia e fará de tudo para reverter a decisão da população tomada em outubro de 2014. 

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