Caixinhas de Natal: colaborar ou não?

Amada por uns, odiada por outros, coleta deve observar diversos aspectos, de leis trabalhistas à gestão de recursos humanos
Emídia Felipe
Publicado em 15/12/2013 às 12:00
Foto: Edmar Melo/JC Imagem


Papai Noel, ceia, confraternizações, presentes e... caixinhas de Natal. O item, geralmente apresentado no formato de um recipiente enfeitado e embalado em papel colorido junto ao caixa, já entrou no cenário natalino do comércio e de prestadores de serviços. Há casos em que a ferramenta garante quase um 14º salário para os funcionários, graças à cortesia de clientes que veem no recurso uma forma de compensar o bom atendimento durante o ano. No entanto, entidades empresariais e especialistas desaprovam ou, pelo menos, recomendam cuidado com o uso desse instrumento. 

"Sobrando uma moedinha, colabore com a nossa caixinha!”, avisa, entusiasmado, o vendedor Bruno do Monte, 21 anos, ao fim de cada atendimento na MJ Bandeira, tradicional loja de produtos naturais no centro do Recife. Se o cliente atende o pedido, o operador de caixa aumenta a voz para avisar aos demais funcionários “Caixiiiinhaaa!”, imediatamente respondido por um sonoro “Obrigadoooo!”. E é assim todos os dias, várias vezes por dia. 

Como a repetição desse procedimento indica mais dinheiro, nunca cansa. “A gente gosta né? Quem não gosta?”, responde Bruno à reportagem. A gerente da loja, Manoelina Ferreira, prefere não revelar quanto as doações à caixinha costumam render, mas arrisca que é “quase um 14º salário”. Segundo ela, a MJ Bandeira foi a fundadora desse costume nos arredores do Mercado José, quando os trabalhadores incluíram o pedido das contribuições nas rotinas de fim de ano, há mais de quatro décadas.

Infográfico

 

Além de lojas como a MJ Bandeira e a Docemel, padarias, salões de beleza, lanchonetes e outros estabelecimentos comerciais são adeptos à arrecadação via caixinha. Para a psicopedagoga Rossana Barreira, 46 anos, a prática é abusiva. “Todos os lugares que você vai, até em um condomínio onde você vai visitar alguém, tem uma. Aí o funcionário fica olhando você como quem pergunta ‘não vai colaborar?’. Isso constrange a pessoa”, reclama Rossana, “e todo mundo já recebe o 13º salário e alguns ainda têm outras bonificações”.

Condomínios, aliás, são outro ponto comum das caixinhas, deixadas nas portarias, ao alcance de quem passa. A síndica Mariana Costa, que está no primeiro Natal na função, permite que os funcionários mantenham o hábito. “Muita gente quer dar presente às pessoas que lhe prestam serviços mas não tem tempo de comprar ou não sabe o que dar. Esse dinheiro, que é voluntário, é uma forma de resolver isso”. No prédio da síndica Vera Lúcia Campelo, a opção foi por dar cestas de alimentos. É feita uma lista com itens, que os condôminos assinam se quiserem, e cada produto deve ter seis unidades, a quantidade de funcionários. “Nunca pediram para fazer caixinha, mas se pedissem eu deixava. Mas aí não teria a cesta. Uma coisa ou outra”.

 

Conflitos podem parar na Justiça e no Procon

A adesão ou a aversão às caixinhas pode passar do nível de opinião e parar na Justiça ou nos órgãos de defesa do consumidor. O coordenador do Procon Estadual, José Rangel, revela que recentemente chegou à entidade uma denúncia sobre um estabelecimento onde o dono só permitiu a coleta porque ele participaria dos ganhos. O caso está em apuração, mas se confirmado, pode haver multa e outras penalidades. Rangel pontua que isso é má-fé contra a generosidade do cliente: “A empresa não está lesando somente o funcionário, mas também o consumidor, que acha que aquilo está indo para os funcionários, que são mais humildes”.

O advogado trabalhista Marcos Alencar diz que nunca acompanhou casos em que a inclusão da renda da caixinha foi parte de um processo em que se questiona o salário. No entanto, ele explica que o funcionário pode usar esse “extra” como argumento para aumentar a remuneração devida. Por esse e outros motivos, como a possibilidade de gerar algum constrangimento entre os moradores, a consultora jurídica do Sindicato da Habitação de Pernambuco (Secovi-PE), Nívea de Paula Coelho, não aconselha que a prática seja adotada nos condomínios. “Para quem não tem, recomendo que não faça”, aconselha. Ela ressalta ainda que, em caixinhas ou outros recursos de bonificações fora das obrigações legais, como o 13º salário, o condômino não é obrigado a participar. Ambos os advogados destacam que o empresário ou o síndico, por lei, têm o direito de proibir a colaboração, se quiser. Por outro lado, assim como o empregador não pode participar dos ganhos, é vedado de obrigar os funcionários a fazerem o recolhimento das contribuições.

 

Gestor deve avaliar perfil do seu cliente

A Câmara de Dirigentes Lojistas do Recife (CDL Recife) não é a favor das caixinhas de Natal, como informa o superintendente da entidade, Hugo Phillipsen: “Somos contra qualquer tipo de benesse fora do que determina o contrato de trabalho. O empresário não deveria permitir”. Já a analista de orientação empresarial do Sebrae-PE, Conceição Moraes, diz que o uso vai de acordo com o tipo da empresa e, principalmente, do seu público-alvo. “Não há problemas se ela é vista como legítima para o cliente”, opina. Ela esclarece que, em franquias e lojas para pessoas de renda mais alta, esse tipo de colaboração pode não ser adequada, uma vez que a disponibilidade de renda e o hábitos de consumo próprios desses clientes já incluem gorjetas diferenciadas. O contrário ocorre nas camadas mais populares, em que essa “gorjeta coletiva” facilita para quem tem pouco dinheiro mas gostaria de contribuir. “O importante é que tudo seja feito de forma agradável, solidário e divertido”, ensina Conceição (veja mais dicas delas e dos demais especialistas consultados no infográico acima).

Conceição complementa que a renda extra não deve ser a base da qualidade do serviço, especialmente porque é pontual. Para ela, o atendimento é um reflexo do que a empresa passa para o trabalhador, do relacionamento ao reconhecimento. Do ponto de vista de gestão de pessoas, a diretora da JBV Soluções em RH, Vanci Magalhães, acrescenta que, para os empreendedores que têm a prática já consolidada mas acham melhor extingui-la, a sugestão é substituir o bônus por outro tão bom ou melhor: “Pode até ser uma cesta de Natal mais reforçada, mas o ideal é que seja algo novo e não algo corriqueiro, como um brinde especial ou um vale-presente”. 

 

Edmar Melo/JC Imagem
Caixinha da Quina do Futuro é permanente - Edmar Melo/JC Imagem
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Eduarda, operadora de caixa da Quina do Futuro, é uma das beneficiadas da caixinha - Edmar Melo/JC Imagem
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No Centro do Recife, as caixinhas ficam presas por adesivos e barbantes - Edmar Melo/JC Imagem
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Caixinhas esperam recolher gorjetas dos clientes, especialmente o troco das compras - Edmar Melo/JC Imagem
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Alguns capricham na caixinha para chamar a atenção do cliente - Edmar Melo/JC Imagem

 

Uma "senhora caixa" de 50 anos

Em 2014, a caixinha dos funcionários do restaurante japonês Quina do Futuro, nos Aflitos (Zona Norte do Recife), completará 50 anos de história. A coleta de gorjetas por parte dos clientes começou com os imigrantes japoneses da família Matsumoto, quando fundaram a pastelaria Tokyo’s, no bairro da Boa Vista, em 1964. A cada colaboração, os funcionários, em coro, exclamavam “Caixinha! Ooobrigado!”, o que divertia os clientes, especialmente os estudantes. Quando abriram o restaurante, em meados dos anos 80, apesar da mudança de local, de perfil e de público, o hábito não foi abolido e permanece até hoje.

Além de não ser limitada ao período natalino, a caixinha da Quina do Futuro tem outros diferenciais. Feita de acrílico e sem qualquer sinalização, ela fica guardada próximo ao caixa, atrás de uma divisória de madeira, invisível aos desavisados. Os garçons não fazem qualquer referência à existência dela, só revelada quando algum freguês novato pergunta “Por que vocês dizem ‘Caixinha obrigado’?”. Clientes antigos, como a empresária Carolina Maia, que há mais de 20 anos vai ao estabelecimento, já conhecem o caminho e fazem contribuições costumeiramente. “Contribuo por gostar da casa e pelo bom atendimento que recebo. E é tão discreto que não chama a atenção para nós”, diz Carolina. 

“Recebemos pessoas que frequentavam a pastelaria com os pais quando crianças e se divertiam com a comemoração. Agora, elas trazem os filhos para fazer o mesmo aqui”, conta o empresário André Saburó, filho de uma dos fundadores da Tokyo’s. Toda a gestão da coleta é feita pelos funcionários, exceto gerentes e integrantes do Departamento Pessoal. São 50 pessoas que recebem entre R$ 10 e R$ 30 semanalmente. Entre elas, a caixa Eduarda Maria de Oliveira: “Quando vim trabalhar aqui fiquei muito feliz quando soube da caixa”.

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