Além de lojas como a MJ Bandeira e a Docemel, padarias, salões de beleza, lanchonetes e outros estabelecimentos comerciais são adeptos à arrecadação via caixinha. Para a psicopedagoga Rossana Barreira, 46 anos, a prática é abusiva. “Todos os lugares que você vai, até em um condomínio onde você vai visitar alguém, tem uma. Aí o funcionário fica olhando você como quem pergunta ‘não vai colaborar?’. Isso constrange a pessoa”, reclama Rossana, “e todo mundo já recebe o 13º salário e alguns ainda têm outras bonificações”.
Condomínios, aliás, são outro ponto comum das caixinhas, deixadas nas portarias, ao alcance de quem passa. A síndica Mariana Costa, que está no primeiro Natal na função, permite que os funcionários mantenham o hábito. “Muita gente quer dar presente às pessoas que lhe prestam serviços mas não tem tempo de comprar ou não sabe o que dar. Esse dinheiro, que é voluntário, é uma forma de resolver isso”. No prédio da síndica Vera Lúcia Campelo, a opção foi por dar cestas de alimentos. É feita uma lista com itens, que os condôminos assinam se quiserem, e cada produto deve ter seis unidades, a quantidade de funcionários. “Nunca pediram para fazer caixinha, mas se pedissem eu deixava. Mas aí não teria a cesta. Uma coisa ou outra”.
Conflitos podem parar na Justiça e no Procon
A adesão ou a aversão às caixinhas pode passar do nível de opinião e parar na Justiça ou nos órgãos de defesa do consumidor. O coordenador do Procon Estadual, José Rangel, revela que recentemente chegou à entidade uma denúncia sobre um estabelecimento onde o dono só permitiu a coleta porque ele participaria dos ganhos. O caso está em apuração, mas se confirmado, pode haver multa e outras penalidades. Rangel pontua que isso é má-fé contra a generosidade do cliente: “A empresa não está lesando somente o funcionário, mas também o consumidor, que acha que aquilo está indo para os funcionários, que são mais humildes”.
O advogado trabalhista Marcos Alencar diz que nunca acompanhou casos em que a inclusão da renda da caixinha foi parte de um processo em que se questiona o salário. No entanto, ele explica que o funcionário pode usar esse “extra” como argumento para aumentar a remuneração devida. Por esse e outros motivos, como a possibilidade de gerar algum constrangimento entre os moradores, a consultora jurídica do Sindicato da Habitação de Pernambuco (Secovi-PE), Nívea de Paula Coelho, não aconselha que a prática seja adotada nos condomínios. “Para quem não tem, recomendo que não faça”, aconselha. Ela ressalta ainda que, em caixinhas ou outros recursos de bonificações fora das obrigações legais, como o 13º salário, o condômino não é obrigado a participar. Ambos os advogados destacam que o empresário ou o síndico, por lei, têm o direito de proibir a colaboração, se quiser. Por outro lado, assim como o empregador não pode participar dos ganhos, é vedado de obrigar os funcionários a fazerem o recolhimento das contribuições.
Gestor deve avaliar perfil do seu cliente
A Câmara de Dirigentes Lojistas do Recife (CDL Recife) não é a favor das caixinhas de Natal, como informa o superintendente da entidade, Hugo Phillipsen: “Somos contra qualquer tipo de benesse fora do que determina o contrato de trabalho. O empresário não deveria permitir”. Já a analista de orientação empresarial do Sebrae-PE, Conceição Moraes, diz que o uso vai de acordo com o tipo da empresa e, principalmente, do seu público-alvo. “Não há problemas se ela é vista como legítima para o cliente”, opina. Ela esclarece que, em franquias e lojas para pessoas de renda mais alta, esse tipo de colaboração pode não ser adequada, uma vez que a disponibilidade de renda e o hábitos de consumo próprios desses clientes já incluem gorjetas diferenciadas. O contrário ocorre nas camadas mais populares, em que essa “gorjeta coletiva” facilita para quem tem pouco dinheiro mas gostaria de contribuir. “O importante é que tudo seja feito de forma agradável, solidário e divertido”, ensina Conceição (veja mais dicas delas e dos demais especialistas consultados no infográico acima).
Conceição complementa que a renda extra não deve ser a base da qualidade do serviço, especialmente porque é pontual. Para ela, o atendimento é um reflexo do que a empresa passa para o trabalhador, do relacionamento ao reconhecimento. Do ponto de vista de gestão de pessoas, a diretora da JBV Soluções em RH, Vanci Magalhães, acrescenta que, para os empreendedores que têm a prática já consolidada mas acham melhor extingui-la, a sugestão é substituir o bônus por outro tão bom ou melhor: “Pode até ser uma cesta de Natal mais reforçada, mas o ideal é que seja algo novo e não algo corriqueiro, como um brinde especial ou um vale-presente”.
Caixinha da Quina do Futuro é permanente - Edmar Melo/JC Imagem Eduarda, operadora de caixa da Quina do Futuro, é uma das beneficiadas da caixinha - Edmar Melo/JC Imagem No Centro do Recife, as caixinhas ficam presas por adesivos e barbantes - Edmar Melo/JC Imagem Caixinhas esperam recolher gorjetas dos clientes, especialmente o troco das compras - Edmar Melo/JC Imagem Alguns capricham na caixinha para chamar a atenção do cliente - Edmar Melo/JC Imagem
Uma "senhora caixa" de 50 anos
Em 2014, a caixinha dos funcionários do restaurante japonês Quina do Futuro, nos Aflitos (Zona Norte do Recife), completará 50 anos de história. A coleta de gorjetas por parte dos clientes começou com os imigrantes japoneses da família Matsumoto, quando fundaram a pastelaria Tokyo’s, no bairro da Boa Vista, em 1964. A cada colaboração, os funcionários, em coro, exclamavam “Caixinha! Ooobrigado!”, o que divertia os clientes, especialmente os estudantes. Quando abriram o restaurante, em meados dos anos 80, apesar da mudança de local, de perfil e de público, o hábito não foi abolido e permanece até hoje.
Além de não ser limitada ao período natalino, a caixinha da Quina do Futuro tem outros diferenciais. Feita de acrílico e sem qualquer sinalização, ela fica guardada próximo ao caixa, atrás de uma divisória de madeira, invisível aos desavisados. Os garçons não fazem qualquer referência à existência dela, só revelada quando algum freguês novato pergunta “Por que vocês dizem ‘Caixinha obrigado’?”. Clientes antigos, como a empresária Carolina Maia, que há mais de 20 anos vai ao estabelecimento, já conhecem o caminho e fazem contribuições costumeiramente. “Contribuo por gostar da casa e pelo bom atendimento que recebo. E é tão discreto que não chama a atenção para nós”, diz Carolina.
“Recebemos pessoas que frequentavam a pastelaria com os pais quando crianças e se divertiam com a comemoração. Agora, elas trazem os filhos para fazer o mesmo aqui”, conta o empresário André Saburó, filho de uma dos fundadores da Tokyo’s. Toda a gestão da coleta é feita pelos funcionários, exceto gerentes e integrantes do Departamento Pessoal. São 50 pessoas que recebem entre R$ 10 e R$ 30 semanalmente. Entre elas, a caixa Eduarda Maria de Oliveira: “Quando vim trabalhar aqui fiquei muito feliz quando soube da caixa”.