Nordeste manterá crescimento acima do Brasil, avalia economista-chefe do Santander

Maurício Molan conversou nesta segunda (13) com o Jornal do Commecio
Leonardo Spinelli
Publicado em 14/04/2015 às 8:22
Maurício Molan conversou nesta segunda (13) com o Jornal do Commecio Foto: Diego Nigro/JC Imagem


Economista-chefe do Santander, Maurício Molan acredita que teremos um segundo semestre com inflação em alta. Mas, por causa da retração na atividade econômica, inclusive com efeitos sobre o mercado de trabalho, haverá um afrouxamento na política de juros. Molan veio ao Recife a convite do Grupo de Líderes Empresariais (Lide-PE) e concedeu entrevista aos jornalistas Saulo Moreira e Leonardo Spinelli.

JORNAL DO COMMERCIO – O Brasil passa hoje por uma crise econômica e política. O pior já passou? 

MAURÍCIO MOLAN – No cenário político o pior ficou para trás mas, na economia, ainda vamos passar por fase uma fase de deterioração nos dados de atividade, com impacto social relevante, por causa do aumento do desemprego. A boa notícia é que, aparentemente, o Poder Executivo e Legislativo chegaram ao consenso sobre a importância das medidas de ajuste fiscal, austeridade e redução de gastos. Isso significa que Joaquim Levy (ministro da Fazenda) terá mais instrumentos para fazer o ajuste fiscal. Quanto mais cedo se fizer, mais rápido se retoma a confiança

JC – E a inflação, vamos ainda ter pressão? 

MOLAN – A gente ainda vai ter aumento anual superior a 8,5% até agosto e setembro, acima do limite superior da meta (6,5%). Teremos ainda a pressão dos preços administrados nos meses de junho e julho pelos repasses de tarifas na região Sudeste e também pelo câmbio. Chegaremos em 9% no terceiro trimestre deste ano e depois haverá uma melhora.

JC – Vivemos um período de estagflação? 

MOLAN – A estagflação é crescimento baixo com inflação elevada por período longo de tempo. Este ano vamos ter contração do PIB e inflação elevada. Nos últimos anos tivemos menos crescimento com mais inflação, quando a gente deveria esperar o contrário. O fato é que o governo se mostra disposto a adotar medidas pra reverter a situação, através da retomada da confiança para o investimento e produção. Na medida que a confiança for retomada, a gente pode ver o PIB voltar a crescer com a inflação em queda. Mas isso depende do sucesso das medidas.

JC – Como avaliar o nível de confiança dos empresários no que se refere ao investimento?

MOLAN – A confiança reflete a percepção de que houve descompasso me relação à política fiscal e de combate a inflação e outras variáveis que se mostram piores, com o desemprego subindo e produção e arrecadação caindo. A dificuldade de fazer os ajustes das contas públicas e a balança comercial fica no negativo. Então, tudo isso gera a percepção de que a economia está com o fundamento abalado. Por isso, cai a confiança do empresário em investir e também dos consumidores em comprar, pois este ficam com medo de ficar desempregado.

JC – Crescimento do PIB pelo lado do consumo ficou comprovado que não se sustenta. Como aumentar a taxa de investimento?

MOLAN –Essa questão tem dois temas. A taxa de poupança do brasileiro é baixa, por isso há desequilíbrio das contas. Poupamos pouco porque a renda é historicamente baixa e há consumo reprimido. Mas tem a parcela do setor público, que cobra 35% do PIB em forma de impostos e só entrega 2% em investimento. A grande parte vai para consumo do próprio governo, que deveria poupar mais e alocar mais recursos para investir. Outra parte é das empresas, que não investem e isso tem a ver com eficiência do investimento, dos fundamentos da economia, infraestrutura, educação, produtividade, tecnologia. Tudo isso tem a ver com políticas públicas no sentido de tornar a economia mais competitiva. Mas a gente teve crescimento do custo unitário do trabalho, fazendo com que as empresas não queiram investir.

JC – A inflação alta gera juros altos que terminam atrapalhando também a decisão de investimento...

MOLAN – Exatamente. Na medida em que se tolerou a inflação alta por muito tempo, agora a gente fica numa situação esdrúxula de ter que aumentar os juros com a economia em recessão. Dessa forma, a gente projeta no Santander uma redução nos juros. Como a economia está em retração, não faz sentido ter taxas de juros altas. O BC vai entrar num ciclo de afrouxamento da política monetária, mesmo com inflação acima da meta

JC – O que Santander prevê em termos de PIB, inflação e juros para 2015?

MOLAN – A economia deve fechar com contração de 1,5 ponto percentual, inflação de 8,5% e câmbio estabilizando nos R$ 3,20. A Selic deve retornar para um patamar perto de 11,75%, dentro dessa visão que, ao longo do segundo semestre, a fragilidade será tamanha que não fará sentido manter a taxa de juros tão elevada.

JC – No ano passado enquanto o Brasil apresentou uma estagnação, houve descolamento da economia do Nordeste, acima de 3%, segundo dados do BC. Esse movimento se manterá este ano? 

MOLAN – O Nordeste deverá ter desempenho acima do PIB nacional. Durante algum tempo o Nordeste foi beneficiado pela política de transferência de renda do governo e para os próximos anos terá a produção agrícola aumentada. Há expectativa de crescimento forte na produção de soja e milho, além de 30% de crescimento no setor industrial relacionado ao ramo alimentício, que na crise sofre menos e é uma base importante da indústria da região. O segmento que mais sofre é o de produção de bens de capital, automóveis. A região terá uma atividade mais fraca em relação a anos anteriores, mas ainda melhor do que o desempenho nacional.

JC – Como avaliar a recuperação da economia dos EUA e a piora da China?

MOLAN – O ambiente internacional tem duas forças. A desaceleração do crescimento global, principalmente dos países emergentes resulta em commodities mais baixas e isso enfraquece o real. Há ainda a valorização do dólar no mercado internacional, por conta da volta da economia dos EUA. Com EUA mais forte e China mais fraca, 2/3 da depreciação do real no último ano tem a ver com esse processo. Houve redução de demanda pelas commodities que nós produzimos. 

JC – Estamos mais pobres? 

MOLAN – Sim. A venda de commodities tem efeito riqueza, efeito renda. É como se a gente ficasse mais pobre, como que o salário fosse diminuído mantendo a mesma produção.

JC – O cenário internacional, portanto, não contribui mais conosco...

MOLAN – Há essa questão de câmbio, mas temos fluxo de capital muito abundante. Temos no mundo hoje US$ 1 trilhão de fluxos de capitais. É uma liquidez muito grande na economia global. O movimento do câmbio não tem a ver com liquidez, tem a ver com o valor do dólar lá fora. Mas há recursos disponíveis no mundo para financiar os investimentos, basta o País ter fundamentos adequados para atrair esse investimento.

JC – É neste sentido que é importante manter o grau de investimento...

MOLAN – Isso. Se perdemos essa avaliação, perdemos acesso aos capitais mais abundantes

JC – O senhor está otimista em relação à nota do Brasil?

MOLAN –Joaquim Levy sabe o que deve ser feito e tem vontade e capacidade de fazer. A única questão é saber se o ajuste será de melhor qualidade, com o Congresso aprovando as leis que são necessárias. Se ficarmos apenas na questão de gastos discricionários, que representam apenas 1/3 do gasto total, fica mais difícil. É necessário mudar algumas políticas e distorções em algumas políticas sociais. Não é diminuir, mas rever distorções, como as fraudes na concessão do seguro-desemprego. Todo incentivo gerado para deixar de trabalhar depois de seis meses, em vez de estimular a pessoa a ficar no emprego por mais tempo. Há excesso de pedido de seguro-defeso para o pescadores, por exemplo, em áreas que não tem pesca atividade relevante. O governo tentou endereçar isso pelas MPs e leis que serão discutidas em maio.

JC – O governo também já deu indicativos de mudança nas operações do BNDES...

MOLAN – Esse é um tema parafiscal tema, pois não é gasto direto. É gasto que vai na conta de juros, pois não faz melhorar o superávit, mas reduz no final da conta o subsídio dado a empresas que não necessariamente precisam. (O BNDES) concedeu empréstimos a custo abaixo de mercado para empresas que podem se financiar no mercado de capitais. Houve também incentivo aos consumidores de energia elétrica e gasolina, que foram subsidiados pelos acionistas. No caso da Petrobras o principal acionista é a União, que subsidiou os consumidores de combustíveis.

JC – E 2016, será um ano melhor?

MOLAN – Quanto mais profundo for o ajuste e a austeridade (fiscal), mais cedo a gente se recupera e melhor fica 2016. Pelo caminho que o governo vem tomando, a gente espera uma retomada em 2016, com crescimento de 0,5 no PIB. A economia terá dificuldade no início e cresce ao longo do ano, devendo fechar com 6,5% de inflação e dólar a R$ 3,40, com a estabilização do real.


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