Lucia Nunes, 66 anos, e Carmela Bezerra, 65, sabiam muito bem o que iriam fazer com o tempo livre quando chegasse a hora de se aposentar. Iriam trabalhar. O casal Jayron, 61, e Tereza, 57, também trocou a ociosidade na terceira idade pelo desafio de montar uma pequena empresa. Essa pessoas fazem parte de um grupo que cresce a cada dia. O de aposentados que, por escolha própria, resolvem ser donos de um negócio e botar a mão na massa, mesmo depois de terem completado o tempo necessário para adquirirem a tão sonhada (para alguns) aposentadoria.
Uma Pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) junto ao público acima de 50 anos, feita em 2017, sobre o potencial do empreendedor aposentado mostrou que 1 a cada 10 entrevistados pretende empreender, seja para aumentar a renda da família, seja para ocupar o tempo. Os futuros empreendedores da terceira idade, em sua maioria, já sabem o que querem. Segundo a pesquisa, mais de 50% pretendem empreender no comércio e 30% no setor de serviços. Negócios em alimentação foram citados por um quarto (25,2%) dos entrevistados. O setor lojista foi o escolhido por 6,8% dos entrevistados; e uma parcela menor (4,6%) gostaria de abrir uma empresa de consultoria. O motivo alegado pela metade dos entrevistados para continuar trabalhando foi a necessidade de complementar a renda (49,7%). Cerca de 21% dos entrevistados pensam em abrir uma empresa para se manterem ocupados após a aposentadoria. Outra quinta parte dos entrevistados (21%) disse que a motivação para abrir uma empresa é a necessidade de sustentar a família.
As amigas Lucia e Carmela transformaram diversão em negócio. Após se aposentarem como funcionárias públicas, montaram, há sete anos, a Colombina Fantasias, no Bairro da Tamarineira, Zona Norte do Recife. As ex-funcionárias de instituições bancárias começaram criando e costurando em casa fantasias de Carnaval. A única experiência que tinham no setor era como foliãs. “Nós duas sempre gostamos de Carnaval, então porque não se dedicar a ele os 12 meses do ano?”, simplifica Lucia. Elas contam que não fizeram empréstimos nem utilizaram as economias para iniciar a empresa. Começaram aos poucos. Há seis anos, como não havia mais onde guardar as linhas, tecidos e outros materiais utilizados na confecção, investiram em uma sede própria, embora a pequena e charmosa casa que faz as vezes de loja e ateliê seja alugada. Carmela diz que pediu aposentadoria proporcional porque estava estressada demais com o emprego. Hoje, junto com a amiga, mantém o compromisso de cumprir a jornada de trabalho diariamente. “A diferença é que estamos fazendo algo de que gostamos muito. É prazeroso construir esse sonho todos os dias”, afirma.
As amigas se prepararam para entrar no mundo dos negócios. Ambas fizeram cursos de design de moda, além de outros voltados para o empreendedorismo. A empresa tem uma costureira como funcionária fixa. Todo o resto é feito pelas duas sócias, que compram materiais, criam, desenham, modelam e atendem os clientes. O que continua sendo um desafio é a parte administrativa. “Fazer contas, organizar estoques, lidar com a burocracia, esta é a parte chata”, diz Carmela que, admite, prefere ficar com a parte criativa do negócio. A Colombina Fantasia tem prontas para o Carnaval deste ano cerca de 800 peças, entre roupas, fantasias e adereços, que estão à venda por preços que vão de R$ 49 (par de brincos estilizado) até R$ 325 (fantasia de sereia). “Toda a nossa produção é vendida apenas no período do Carnaval. Não temos faturamento no restante do ano. Então tudo que apuramos serve para manter a empresa nos meses seguintes”, explica Lucia. As sócias preferem não revelar números de faturamento mas, se não há grande lucro, também não há prejuízo. “Não pensamos em crescer demais. A empresa deve ser do tamanho que nós possamos dar conta”, diz Lucia Nunes.
Já o agrônomo Jayron Fernandes, 61, e a ex-bancária Tereza Miranda, 57, sabem exatamente quanto custou entrar na aventura do empreendedorismo depois da maturidade. “Arriscamos todas as nossas economias e quase todo o nosso patrimônio”, diz a falante Tereza, que hoje cuida da parte comercial e de divulgação do Engenho Capibarim, pequena empresa de produção artesanal de produtos derivados da cana-de-açúcar. Há quase 20 anos, o casal adquiriu 140 hectares de terra no município de Aliança. Pagaram R$ 90 mil pelas terras sem qualquer benfeitoria. “Era só mato”, lembra Tereza. A ideia inicial era construir uma casinha para curtirem a aposentadoria. Confrontado com a realidade, o sonho mudou.
A queda na renda depois da aposentadoria fez Jayron apelar para os seus conhecimentos de agronomia. “Já que estávamos na Zona da Mata e minha família é de fornecedores de cana, pensamos em construir um engenho para produzir rapadura, açúcar mascavo e mel de engenho, e assim fizemos”, conta Jayme, que precisou pesquisar muito e viajar atrás de empreendimentos semelhantes para acumular conhecimento. Para colocar o engenho Capibarim de pé, foi necessário vender bens da família, como uma loja e a casa de praia. A construção da unidade produtiva e aquisição do maquinário, de segunda mão, consumiu mais R$ 50 mil. Hoje, o engenho Capibarim produz por mês cerca de 1 tonelada de mel de engenho e cerca de 200 a 300 quilos de açúcar e rapadura. O faturamento não é alto. Em torno de R$ 5 mil mensais. Tereza Miranda diz que todo o esforço valeu a pena. “Conhecemos muita gente que nos ajudou e hoje temos como meta, um dia, fabricar também cachaça. Estamos trabalhando para isso”, diz, com entusiasmo.
Empreender na terceira idade tem vantagens, mas exige cuidados. O alerta é da gerente da unidade de atendimento individual do Sebrae-PE, Roberta Andrade. “A grande vantagem de empreender na aposentadoria é usar a experiência de vida como diferencial competitivo. As pessoas que estão em vias de se aposentar, ou já se aposentaram, têm a seu favor o know-how, a rede de relacionamentos e o aprendizado dentro ds empresas públicas ou privadas e que vão possibilitar a elas entrar no mundo dos negócios com um passo a frente.” Roberta Andrade diz ainda que a rede de relacionamento é muito relevante porque, através dela, é possível contatar fornecedores, parceiros e clientes potenciais. O perigo, diz a executiva do Sebrae, é a pessoa achar que já sabe tudo. “Em qualquer idade é preciso buscar conhecimentos mais atualizados”, diz a analista.
Para capacitar esse público, o Sebrae promove a partir do próximo mês um programa de gestão empreendedora na aposentadoria, composto de oficinas, cursos, palestras e mentorias. Nada impede que o aposentado comece um negócio do zero. Mas, para quem está inseguro e pensa que não tem mais muito tempo para errar, existem as franquias, que apresentam um modelo de negócio já testado e validado. O diretor regional da Associação Brasileira de Franchising (ABF) e proprietário do Grupo Bonaparte, Leonardo Lamartine, diz, como franqueador, que pessoas de terceira idade têm um perfil adequado a um bom empreendedor. “As principais qualidades são a maturidade e o maior tempo livre para se dedicar ao negócio”, diz Lamartine. Ele, que tem seis franqueados com idades entre 55 e 74 anos de idade, diz que os aposentados se destacam nas reuniões por terem atitudes sempre positivas. “São mais objetivos e com espírito construtivo”, afirma.