A decisão do governo federal de estabelecer o Plano Nacional de Energia até 2050, que será lançado em dezembro, reacendeu no Estado o sonho da instalação, em Itacuruba, no Sertão de Itaparica, de uma usina nuclear com até seis geradores. Um sonho adormecido há quase uma década, mas que, se confirmado, poderia render um investimento de US$ 30 bilhões num período de 10 anos para uma região extremamente pobre de Pernambuco.
Apesar da cifra, o empreendimento, para ser concretizado, tem vários obstáculos pela frente, a começar pelo pouco interesse do governador Paulo Câmara (PSL) no assunto, a posição contrária da Igreja, o preconceito da população em relação à energia atômica e outros entraves.
O último deles foi elencado essa semana pelo presidente da Eletronuclear, Leonam Guimarães: a conclusão da obra da Transnordestina, que se arrasta há anos. A última previsão para seu término ficou para 2027. "O sítio de Itacuruba é um bom local por sua proximidade com o Rio São Francisco, com linhas de transmissão e com a Transnordestina. A gente tem que pensar na logística para levar os equipamentos, pois quanto mais longe da foz, fica mais difícil. Então, a alternativa é ferroviária", salientou Guimarães, ressaltando que a Eletrobras estudou a área em 2010, dentro do plano de energia para 2030, mas que o interesse perdeu força após o desastre de Fukushima no Japão.
Neste plano de 2030, a previsão era a de instalar usinas nucleares no Nordeste ou Sudeste. Além de Itacuruba, outros sítios foram analisados preliminarmente, a exemplo de um em Alagoas, perto da foz do Rio São Francisco, e onde o governador Renan Filho articula para levar o empreendimento, e outra área em Minas Gerais, também à beira do São Francisco e que é tão bem avaliada quanto Itacuruba.
Apesar dos percalços, o interesse do governo Bolsonaro em reativar a matriz energética brasileira a partir da geração nuclear anima alguns deputados estaduais, a exemplo de Alberto Feitosa (Solidariedade), que liderou uma comissão de seis deputados em visita às usinas de Angra 1 e Angra 2 esta semana, no Estado do Rio de Janeiro, para conhecer como funcionam usinas nucleares operadas por técnicos brasileiros.
"A gente está falando de seis reatores, cada um custando US$ 5 milhões, é investimento de R$ 120 bilhões, ou seja, é um investimento, em 10 anos, equivalente a 120 anos da capacidade atual do Estado de investir. Então, imagine o número de empregos que vai vir, recursos de impostos que vai ter, folha de pagamento de mão de obra. A gente tem estudos de que 80% dos vencimentos, as pessoas gastam nas cidades onde trabalham. Então, vai movimentar toda economia, não só da cidade de Itacuruba, como também de toda aquela região do Sertão de Itaparica. A gente está falando de uma verdadeira revolução", salientou.
Além de Feitosa, a missão da Assembleia contou com a presença dos deputados José Queiroz, Wanderson Florêncio, Romero Sales Filho, Antonio Fernando e Henrique Queiroz Filho. Alguns como José Queiroz reconheceram, durante a visita, a excelência das operações das usinas coordenada pela estatal Eletronuclear. Outros, no entanto, ainda mantêm o pé atrás em relação à geração nuclear, como Wanderson Florêncio, que é presidente da Comissão de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Assembleia Legislativa.
"Nós temos algumas posições. A primeira é com os rejeitos da usina nuclear. Hoje, pela tecnologia existente, fala-se que temos que guardar por 10 mil anos esse rejeito. Então, além de uma discussão sobre desenvolvimento, de inclusão social e de meio ambiente, também é um debate ético. Seria louvável deixar para as próximas gerações esse compromisso de manter um lixo nuclear para que nós tenhamos acesso a energia?", questiona o deputado. "Também tem a questão dos riscos, quais são eles que nossa população pode sofrer num eventual acidente. Há também o desmantelamento de algumas construções, como, por exemplo, Angra 3 que há mais de 30 anos iniciou-se todo o processo e ainda não foi finalizado", criticou.
Alvo de investigações de corrupção e da Lava Jato, as obras da usina de Angra 3 foram paralisadas em 2015 e geraram prejuízos da ordem de R$ 300 milhões,de acordo com os balanços da Eletronuclear que registraram baixas contábeis neste montante. Prevista para iniciar a operação em 2016,, agora o plano é lançar uma nova licitação em 2020, para reiniciar os trabalhos em 2021. "Ainda falta investir R$ 15 bilhões e deve ser uma composição de parte capital privado e capital público. Nós temos hoje 62% do empreendimento realizado", afirmou o diretor técnico da Eletronuclear, Ricardo Santos.
Mesmo sob a desconfiança em relação ao tipo de geração e da capacidade da gestão pública brasileira de entregar uma obra tão cara no sertão pernambucano, técnicos que acompanharam a comissão de.deputados acreditam que o investimento em energia nuclear é um meio confiável de se estabelecer o equilíbrio do fornecimento de energia na Região e um melhor desenvolvimento econômico. "O Brasil é um país muito rico em fontes energéticas, a matriz energética brasileira é muito ampla e contempla todas as energias: biomassa, hidráulica, térmica e nuclear que sofre preconceito por falta de conhecimento", argumenta o engenheiro Maurício Carneiro Leão, diretor da VamCruz que toca parques eólicos no Rio Grande do Norte. "Vim a convite do deputado Feitosa e saio daqui do complexo nuclear de Angra dos Reis muito seguro de que a energia nuclear é uma ótima opção para o Brasil", disse.
"As críticas contra a capacidade do brasileiro de produzir uma usina nuclear são infundadas, acho que a engenharia brasileira já provou no mundo todo que tem ampla capacidade", argumenta o advogado Antônio Mário de Abreu Pinto, especializado em temas de energia. "Nós precisamos diversificar a nossa matriz energética. Temos 3% de geração nuclear e 14% de eólica. Nós dominamos o enriquecimento de urânio e temos o minério. Então, temos as condições de fazer a energia nuclear", disse completando que para o Nordeste é fundamental aumentar a geração de energia, já que o custo é maior para a indústria local que tem que pagar pela transmissão. Em outras palavras, o custo da energia deixa a região menos competitiva para atrair investimentos produtivos.
Carlos Mariz salienta que os chamados rejeitos nucleares são administráveis e cada vez mais reaproveitáveis com o desenvolvimento de novas tecnologias. Atualmente há 450 usinas nucleares no mundo e outras 50 sendo construídas, inclusive França, país que tem mais de 70% de sua energia gerada por usinas nucleares e que compra rejeitos nucleares para reaproveitá-los. O país não possui jazidas desse minério.
"As hidrelétricas estão se esgotando porque para elas são necessários grandes reservatórios e está cada dia mais difícil de se encontrar tamanhos espaços. Então, o Brasil terá cada vez menos espaço para essa geração. Então, olhando o planejamento de médio e longo prazo, você começa a estudar novas fontes de atendimento energético com segurança energética. Entre elas está a energia nuclear, sobretudo porque não produz gases de efeito estufa. A outra alternativa seriam térmicas a carvão ou a gás que são poluentes", explica Mariz.
Ele comenta que o sítio de Itacuruba é considerado um dos melhores do País para o desenvolvimento de uma usina central de reatores. "Poderemos gerar num espaço de 500 hectares a energia que a Chesf já produz", compara Mariz.
O desafio agora é convencer a população de que a geração nuclear é segura. Feitosa e os deputados Sales Filho e Antonio Fernando aceitaram o desafio. Tanto que fizeram questão de ir visitar o frei Fernando Bezerra da paróquia de Nossa Senhora da Conceição, no centro de Angra dos Reis. Os parlamentares descobriram que o religioso é um apoiador dos benefícios gerados pela Eletronuclear naquela região. "Eu moro aqui e ouço da população que foi uma coisa boa, receber o benefício que as usinas puderam trazer à população. Estão gratos e satisfeitos. É preciso falar para as lideranças religiosas de Pernambuco sobre os benefícios da usina, precisam conhecer para poder dialogar", disse o pároco aos três deputados.