1994 foi um ano emblemático no Brasil e no mundo

Os braisileiros comemoravam o tetra na Copa e elegiam FHC nas eleições de outubro
SAULO MOREIRA
Publicado em 01/07/2014 às 9:15


O ano de 1994 é um daqueles difíceis de esquecer. Repleto de fatos relevantes, nos fez sorrir e chorar. Trouxe ceticismo e esperança.

Foi em maio daquele ano que um acidente no Grande Prêmio de Ímola, na Itália, tirou a vida de Ayrton Senna, um ídolo nacional. Dois meses depois, nos Estados Unidos, a seleção brasileira de futebol ganhava a Copa do Mundo e se tornava tetra. Havia 24 anos não gritávamos “campeão!”.

Em 1994, morreu o maestro Antônio Carlos Jobim e o comediante Mussum. Na Billboard, liderava a dançante The Sign, da banda sueca Ace of Base. Entre os artistas brasileiros, destaque para a dupla Zezé de Camargo e Luciano, com a versão Eu só penso em você. E no cinema, Steven Spielberg recebia seu primeiro Oscar, com a Lista de Schindler. Em Pernambuco, o Sport levantava seu 28º título. Noventa e quatro também foi o último ano do governo Joaquim Francisco, que seria sucedido por Miguel Arraes.

Entre o corriqueiro e o histórico, um fato, porém, teve a força de mexer no nosso dia a dia, nas nossas aspirações, na nossa compreensão política e econômica. O Plano Real mudou nossas vidas. O Brasil se livrava ali de uma sina perversa: o descontrole inflacionário. Mesmo que você, leitor, não tenha conhecido o período da hiperinflação, tenha a certeza de que seus pais e avós sofreram com ele.

Era um ano eleitoral, o que por si só já ensejava uma profusão de acontecimentos. Críticas, denúncias, calúnias, investigações. O Plano Real foi o protagonista daquela época.

Naquele longínquo 1994, Luiz Inácio Lula da Silva tentava, pela segunda vez, ser presidente. Perdera em 1989 para Fernando Collor de Mello, que foi afastado do poder em meio a um escândalo de corrupção um ano e meio depois da posse. Ficou inelegível. E para surpresa de muitos foi inocentado de todas as acusações relativas ao impeachment no Supremo Tribunal Federal (STF). Quando? Em 1994.

Voltemos às eleições. Aquela campanha do PT ia bem até que o governo do então presidente Itamar Franco, que havia sido vice de Collor, lançou as bases para que o Brasil, enfim, entrasse no mapa da civilidade econômica global.

Elaborado por vários técnicos sob a coordenação política de Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda, o plano começou em fevereiro. No dia 28 daquele mês, o governo criou a Unidade Real de Valor. A URV custava Cr$ 2.750, o valor de US$ 1 à época. Sim, era uma espécie de dolarização da economia, mas diferente de outras experiências.

Durante cinco meses, o brasileiro, ainda com o pé atrás por causa de tantos planos econômicos fracassados, andou com a calculadora para converter os preços do cruzeiro real (Cr$) para a URV. Neste intervalo que precedeu a implantação do real (R$), em março, FHC deixou o ministério para concorrer à Presidência nas eleições de 1995. Antes, porém, chamou para si os riscos ou glórias daquele plano que seria lançado oficialmente em 1º de julho.
Foi então que naquela tarde do dia 1º, há 20 anos, com um ar sereno no rosto, falando aos brasileiros na cabeceira da grande mesa de reunião da Presidência, o presidente Itamar Franco saudou a todos que o ouviam em rede nacional e começou seu discurso com uma bela frase. “Os homens são construídos pela vontade. E essa mesma vontade, reunida pela esperança, levanta as nações e as projeta no tempo.”

Durante 8 minutos, Itamar falou sobre o plano de forma genérica e política já que cabia à sua equipe a tarefa de decodificar os aspectos mais áridos daquela empreitada. Enquanto o plano era didaticamente explicado, a Casa da Moeda queimava fardos e mais fardos de cruzeiro real, imagem que se tornou um ícone por representar um passado de incertezas que não mais poderíamos tolerar.
Na prática, sumia o cruzeiro real e a URV e surgia o real, moeda nova, forte e carregada de simbolismos. O brasileiro entendeu. Daquela vez não houve confiscos, corte de zeros, filas nos supermercados, desabastecimento. Parecia que ia dar certo. E deu.

Mas não foi fácil. Praticamente todos os candidatos a presidente naquela eleição atacaram o plano. Lula, Leonel Brizola, Orestes Quércia e tantos outros. Classificavam-no de estelionato eleitoral.

Enquanto isso, o homem forte de Itamar (por muitos chamados de primeiro-ministro) subia nas pesquisas até vencer a eleição em outubro, no primeiro turno. Durante os anos FHC (que foi reeleito em 1998), o Plano Real sofreu diversas ameaças. Para manter a inflação controlada, o governo elevou juros e o País encarou uma recessão sem precedentes. O desemprego explodiu e várias empresas nacionais, despreparadas para a concorrência externa, sucumbiram ao novo ambiente.

Crises externas atacaram nosso mercado, sofremos uma turbulência nunca vista. A moeda perdeu valor, mas resistiu. Deixou de ser uma novidade para se tornar parte da nossa identidade.

FHC concluiu seus dois mandatos e seu candidato, José Serra, perdeu as eleições para Lula. O ex-sindicalista, que tanto atacara a política econômica do seu antecessor, também fez um governo de altos e baixos. E seu grande mérito foi conseguir inserir milhões de brasileiros pobres no mercado de consumo. Mas só o fez porque lá trás o Plano Real havia golpeado a hiperinflação, o maior e mais perverso dos impostos porque fulmina exatamente o poder de compra dos mais fracos.

Nesta reportagem especial, a equipe de economia do JC explica os fundamentos do Plano Real, suas implicações econômicas, sociais e históricas, o contexto pernambucano e, claro, os desafios que vão além da estabilidade.

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