Moeda forte fez brasileiro aproveitar a "farra" das viagens internacionais

Paridade entre dólar e real aumentou o poder do viajante no cenário mundial
Renato Mota
Publicado em 01/07/2014 às 10:00
Paridade entre dólar e real aumentou o poder do viajante no cenário mundial Foto: Michele Souza


“Foi o nirvana”, conta a publicitária e empresária Cecília Freitas, quando lembra das viagens internacionais que fez nos primeiros anos do Plano Real, quando a economia brasileira se tornou estável e o dólar equivalia à moeda nacional. “Antes do Real, a gente fazia como faz hoje, se virava, planejava. A diferença foi que naquela época, podíamos ousar mais”, afirma.

A maior ousadia de Cecília então foi fazer um voo no famoso – e luxuoso – avião supersônico Concorde, que fazia o voo transatlântico entre Paris e Nova Iorque na metade do tempo de um aeroplano comum. Por ser caríssimo (uma passagem em 2003, antes da aposentadoria da aeronave, custava US$ 9 mil), um assento no Concorde não só era disputado como também um símbolo de status. “Cada passageiro ganhava um certificado no final da viagem”, lembra a empresária.

A possibilidade de gastar menos e sem uma inflação de 2.477% ao ano para devorar seus salários, muitos brasileiros puderam realizar viagens internacionais nos primeiros anos do real. “Facilitou para quem nunca tinha tido essa experiência. Tive muitos clientes que estavam saindo do País pela primeira vez naqueles anos”, conta a diretora da agência de turismo WM Tours, Fátima Bezerra, que confirma a mudança de cultura testemunhada por Cecília logo após a implementação do Plano Real. “As pessoas sempre viajaram, mesmo com superinflação. Mas utilizavam muito os traveller check (cheques de viagem), já que o cartão de crédito – principalmente internacional – não era algo popular”, afirma. Até comprar dólares para levar consigo não era algo simples antes da estabilização da moeda. “Você tinha que levar seu passaporte e as passagens para o banco. Só podia trocar dinheiro quem provasse que estava com viagem marcada. Até o visto para os Estados Unidos era mais difícil de conseguir, o que foi melhorando com o passar do tempo e acabou piorando depois dos atentados de 11 de setembro. Só voltou a ser facilitado agora, com o crescimento da nossa economia”, completa.

O artista plástico Eudes Mota fez suas primeiras exposições em Nova Iorque na segunda metade dos anos 1990, e lembra que com poucos dólares no bolso conseguia se virar numa das cidades mais caras do mundo. “Me senti um ‘primeiro humano no primeiro mundo’, igual pra igual diante de um americano. Era respeitado, não tive problemas de discriminação por ser do chamado terceiro mundo”, diz o artista, que foi pela primeira vez para os Estados Unidos em 1996. Com o pouco dinheiro que tinha, Eudes comprou o que precisava, a exemplo de uma gravata italiana que custava, no camelô, um dólar. “Paguei 73 centavos de real, que era o que valia o dólar no dia. Comi num McDonalds pagando menos que eles (americanos). Viajei durante sete anos à Nova Iorque, com a minha galeria custeando as passagens e hotéis. Tinha que me virar com pouco, ia e voltava três a quatro vezes ao ano, mas isso não era um problema”, lembra.

Para Fátima Bezerra, o legado deixado pelo Plano Real para o viajante brasileiro (mesmo depois do câmbio flutuante) é a capacidade do turista de se planejar. “As pessoas sempre viajaram e continuarão viajando. O importante é ela saber que quando voltar, não terá que passar sufoco para pagar as contas do tempo em que estava fora. Um dia o dólar está mais alto, no outro mais baixo, mas possui uma certa regularidade que permite que todos aproveitem”, acredita.

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