Defensoria Pública no Rio debate descriminalização do consumo de drogas

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro reuniu hoje (22), em sua sede, no centro da cidade, intelectuais, juristas e representantes da sociedade civil para discutir a descriminalização do porte de drogas para uso próprio. Na ocasião, foi lançado o livro Porte de Drogas para Uso Próprio e o STF, de autoria do jurista e professor da Universidade de São Paulo (USP) Pierpaolo Bottini, que se manifesta favorável à descriminalização.

O argumento de Bottini é que o Artigo 28 da Lei Antidrogas viola a Constituição. Segundo o artigo, comete crime "quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal".

"Temos um modelo de Estado que parte do princípio de que as pessoas são livres para construir seu modo de vida da forma que bem entenderem, desde que não afetem a vida de outras pessoas. O Estado pode intervir no sentido de direcionar o indivíduo e fazer uma política voltada para os dependentes, mas usar o direito penal para obrigar a pessoa a fazer determinadas escolhas é algo incompatível com a nossa Constituição", afirmou o jurista.

Bottini disse acreditar em outras razões que mostram a necessidade de discutir a descriminalização. "A política de repressão que temos hoje é a pior forma de combate às drogas. E isso não deu certo no mundo inteiro. Por outro lado, em Portugal, por exemplo, com a anulação da proibição do consumo de drogas, o número de usuários de heroína caiu 50%. Menciono esses dados para mostrar que, além de inconstitucional, a proibição é contraproducente", ressaltou.

Para o defensor público André Castro, o tema deve ser enfrentado como questão de saúde pública, em vez de ter ênfase basicamente na questão penal. Castro destacou a existência de' uma "distorção" do sistema, desfavorecendo os dependentes químicos de pior condição social.

"Só quem decide se a pessoa de fato é usuária ou traficante de drogas é o juiz. Então, muitos jovens pobres, apreendidos com drogas nas comunidades, usuários, são imediatamente identificados como traficantes, até que sejam julgados. Vários deles não são reincidentes e foram encontrados sem porte de armas e sem crime associado. Ou seja, são somente viciados em drogas", ressaltou Castro.

Ele disse que o aumento nas taxas de encarceramento no país está relacionado às apreensões por tráfico de drogas. "Existe hoje um número muito maior de pessoas presas no país, com aumento de 43% de 2008 para cá. Percebo que boa parte desse crescimento expressivo tem relação com as apreensões por tráfico. Então, temos uma política nos últimos anos que tem sido mais dura quanto a isso, mas avaliando todo esse período vemos que o problema de Segurança Pública não melhorou."

A presidenta do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, Lusmarina Campos Garcia, disse que o conselho não tem uma declaração formal acerca da descriminalização, mas defende um amplo debate sobre o assunto em toda a sociedade. "As igrejas, de maneira geral, tendem a assumir uma posição mais conservadora quanto a essa temática, por sua vontade de proteção dos adictos [dependentes de, submissos a]." Ela ressaltou, porém, que a criminalização do porte de substâncias entorpecentes para consumo próprio acaba colocando o universo das drogas num âmbito de marginalidade, fomentando práticas muito mais violentas e mais cruéis para essas pessoas, em vez de ajudá-las a superar o vício.

Já Rubem César Fernandes, que preside o Movimento Viva Rio, organização voltada para a população carente e criação de atividades e projetos de inclusão social, disse que a população pode rechaçar o tema da descriminalização. "A opinião pública ainda é muito dividida nesse assunto. Por exemplo, se a pessoa que tem vício é próxima a mim, se é meu filho ou outro familiar querido, a ela deve-se oferecer todo o cuidado possível. Se é desconhecida e  'cara' estranha a meu grupo social, então eu quero mais que vá para a cadeia. Isso faz parte de uma mentalidade que ainda predomina no Brasil", enfatizou.

Fernandes destacou que, com a intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF), será possível criar um marco de mudanças na política de combate às drogas. "É necessário fazer uma revisão de toda essa sistemática, que é muito complexa. O Brasil ainda tem pouca capacidade de cuidar de quem é dependente de substâncias químicas. Precisamos que nosso sistema político e de saúde se abra para essas populações. Isso é difícil, uma vez que a droga é vista no âmbito do bandido", ressaltou.

No último dia 18, o STF liberou para julgamento o processo sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio, mas só vai julgá-lo no segundo semestre.