Acolhimento de Francisco traz alento aos homossexuais

Papa conclamou católicos a estarem abertos às "surpresas de Deus"
Mariana Mesquita
Publicado em 22/12/2014 às 16:32
Papa conclamou católicos a estarem abertos às "surpresas de Deus" Foto: Jay Directo / AFP


Imediatamente após sua visita ao Brasil, em julho de 2013, o papa Francisco declarou “não ter autoridade para julgar os gays” e que estes “não devem ser discriminados”, e sim integrados à sociedade. E no fim do último mês de outubro, com a divulgação do documento preliminar preparatório para o Sínodo da Família (previsto para 2015), o papa dividiu opiniões no mundo católico, chamando todos a “estarem abertos às surpresas de Deus” e reconhecendo que os homossexuais “têm dons a oferecer à Igreja” e precisam ser acolhidos “com respeito e delicadeza”.

Após a divulgação dos resultados preparatórios do Sínodo, a Organização Mundial de Associações Gay Católicas (WOHCA) enviou uma carta ao Vaticano, pedindo uma “acolhida autêntica” das comunidades cristãs aos gays e não se faça “discriminação entre as pessoas, dando a cada um o que se pode dar, imitando a Deus-Pai”, destacando ainda ser importante entender que os homossexuais “possuem experiências espirituais e religiosas tão dignas como as outras pessoas”.

O fato é que o posicionamento de Francisco é um alento para os milhares de gays de fé católica, mas um avanço ainda muito pequeno no tocante às dificuldades enfrentadas pelo grupo em questão. A relação entre a Igreja e os homossexuais é conturbada há séculos, sendo que o auge da intolerância ocorreu após a criação do Tribunal do Santo Ofício, em 1231. Durante a Inquisição, o papa Gregório ordenou o combate às diversas “heresias” verificadas na Europa, dentre as quais a sodomia aparecia com destaque. Centenas de homossexuais foram perseguidos, e vários condenados à fogueira. Somente no Brasil colonial, no século XVII, foram registradas 4.419 denúncias de sodomia. Entre os acusados, 30 foram enviados a Lisboa e lá, queimados vivos.

A morte também foi o fim de centenas de homossexuais perseguidos pelos nazistas junto com outras categorias, como os ciganos e os judeus, durante a Segunda Guerra Mundial. Além de não se posicionar de forma explícita, diversos clérigos colaboraram com Hitler, que pregava a “pureza racial”. Apenas em 2005, através do papa João Paulo II, a Igreja pediu desculpas por não ter agido de forma mais ativa contra o nazismo. 

Em 1986, o cardeal Joseph Ratzinger (que futuramente seria o papa Bento XVI) escreveu a Carta Homosexualitatis, orientando os bispos católicos sobre o “atendimento pastoral das pessoas homossexuais”. Diferenciando a “condição ou tendência” dos “atos” homossexuais, o documento descreve a homossexualidade “não como um pecado em si”, mas um “comportamento intrinsecamente mau do ponto de vista moral”. Instando a Igreja a acolher os pecadores, mas não tolerar os pecados, a posição dos religiosos passou a ser pregar a castidade e a não-expressão da condição homossexual.

João Paulo II, em 2003, declarou através de uma nova carta que “o respeito para com as pessoas homossexuais não pode levar, de modo nenhum, à aprovação do comportamento homossexual ou ao reconhecimento legal das uniões homossexuais”. Já no pontificado de Bento XVI, o acesso ao sacerdócio passou a ser negado aos novos padres que demonstrassem tendências homossexuais profundas ou apoiassem a cultura gay, mesmo “sem praticar a homossexualidade”.

Para o papa, os homossexuais possuem experiências espirituais tão dignas como as outras pessoas, e precisam ser acolhidos com respeito pela Igreja

O presidente do Movimento Gay Leões do Norte, Weligton Medeiros, confirma que a relação com a Igreja Católica não é fácil. “Embora o Estado brasileiro seja laico e ela não possa diretamente nos prejudicar, tem um poder enorme de influência sobre os parlamentares e de fazer com que a população siga sua orientação”, diz Medeiros, ressalvando que os católicos seriam “mais maleáveis” que determinados segmentos evangélicos, “se dando um pouco de liberdade de pensar sobre o que é certo ou não”. “Atualmente, há homossexuais e transsexuais em quase todas as famílias, e os católicos não aceitam mais cumprir determinadas orientações como lei, como ordem”, descreve.

“Francisco está abrindo as portas para que os homossexuais possam frequentar os rituais da Igreja, porque quem é católico, acredita em Deus e gosta daquele simbolismo, se sente muito desconfortável em ir à missa. Não é proibido participar, mas você não fica à vontade quando não é aceito, quando cobram que para fazer parte da Igreja você renegue aquilo que é”, critica. 

Presidindo a organização pernambucana há mais de uma década, entre outras ações de protesto ele já chegou a liderar um grande “beijaço” em frente à Igreja Matriz do Carmo, em 2003, após a carta divulgada por João Paulo II, chocando beatas e chamando a atenção para a causa. Medeiros se diz otimista em relação a Francisco, embora não enxergue mudanças diretas em sua própria vida, já que é ateu. “Se bem que Francisco disse que os ateus podem ir para o céu”, sorri.


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