Relator de três ações que discutem a prisão após condenação em segunda instância, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse nesta segunda-feira (14) ao Estadão/Broadcast que nem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nem o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol devem influenciar um novo julgamento sobre tal possibilidade. Contrário à execução antecipada de pena, o ministro afirmou ainda que os integrantes da Corte não são "justiceiros" e sim "defensores da Constituição" e estimou que serão necessárias pelo menos três sessões plenárias para concluir a discussão do tema, que traz impactos diretos nos rumos da Operação Lava Jato e pode beneficiar o ex-presidente Lula, preso e condenado no caso do triplex do Guarujá.
A expectativa de integrantes da Corte, tanto da ala "alinhada" à Lava Jato, quanto a mais crítica à atuação de procuradores, é a de que a atual posição da Corte - que permite a execução antecipada de pena - seja revista. A dúvida é se o Supremo vai permitir a prisão apenas após se esgotarem todos os recursos, o chamado "trânsito em julgado", ou depois de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que funciona como uma espécie de terceira instância.
O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, marcou para esta quinta-feira (17) o julgamento definitivo do mérito de três ações que tratam do tema. As ações foram ajuizadas pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), PCdoB e pelo Patriota (antigo Partido Ecológico Nacional) - todas são de relatoria de Marco Aurélio.
"Já tardava a designação da data. Esses temas que a sociedade reclama definição não podem ficar para as calendas gregas. Já passou da hora de liquidar isso. Eu devolvi os processos (para julgamento) em dezembro de 2017. Se tivéssemos resolvido naquela época, não haveria tanta celeuma", disse à reportagem Marco Aurélio Mello.
O ministro liberou as ações para julgamento em dezembro de 2017, mas cabe ao presidente do STF definir a data dos casos analisados pelos 11 integrantes da Corte nas sessões plenárias. Durante a sua conturbada presidência, Cármen Lúcia foi pressionada por colegas para colocar o tema em análise pelo plenário, mas não o fez. Nos últimos meses, Toffoli (que sucedeu à ministra Cármen Lúcia no comando do tribunal) também passou a ser cobrado por colegas.
"Ninguém tem o direito de manobrar a pauta, nem o presidente (do STF). O presidente é um coordenador dos trabalhos, igual àqueles que estão na bancada", criticou Marco Aurélio.
Na avaliação do ministro, nem a situação do ex-presidente Lula, nem o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, devem influenciar o resultado do novo julgamento. "Aquela cadeira do Supremo dá liberdade para o ministro atuar com desassombro, sem pressão da opinião pública "
"Tudo que se fizer para tornar prevalecente um direito positivo, a Constituição Federal, não é de caráter negativo. Não somos justiceiros, somos defensores da Constituição da República", afirmou.
Em quatro ocasiões recentes, o Supremo já entendeu que é possível a prisão após a condenação em segunda instância, mas ainda estava pendente de análise o julgamento do mérito dessas três ações. Para o relator, a nova discussão sobre o tema vai garantir segurança jurídica.
"A sociedade não pode viver aos sobressaltos. O colegiado é um órgão democrático, vence a maioria", disse.
"Processo pra mim não tem capa, tem exclusivamente conteúdo. É um tema para decidir se a Constituição vale ou não. Paga-se um preço para se viver em um Estado de direito - é módico e está ao alcance de todos: o respeito à lei das leis, ao arcabouço normativo."
Diante da demora para que o caso fosse apreciado pelo plenário, Marco Aurélio deu uma liminar em 19 dezembro de 2018, que derrubava a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância - e abria caminho para a soltura de Lula. A decisão foi cassada por Toffoli no mesmo dia, cerca de cinco horas depois.
"O presidente, numa visão totalitária, suspendeu (a minha liminar), adentrando a autofagia as liminares. Perdeu o Supremo, o desgaste foi para o Supremo", comentou Marco Aurélio, que teve outras duas decisões liminares derrubadas por Toffoli durante o recesso do Judiciário.
Uma delas determinava que a votação para a eleição da presidência do Senado fosse aberta, e não secreta, sob a alegação de que o princípio da publicidade - com os votos de cada senador sendo públicos - "é a regra".
Em janeiro deste ano, Toffoli derrubou uma decisão de Marco Aurélio Mello que, na prática, comprometia a venda de ativos pela petroleira. Com a decisão de Toffoli, voltou a entrar em vigor o decreto 9.355 de 2018, que permite que a estatal venda, por exemplo, blocos de petróleo para outras empresas sem necessidade de fazer licitação.