Em clima tenso, STF julga prisão após 2ª instância

A autorização é considerada um dos pilares da Operação Lava Jato e pode acarretar a soltura do ex-presidente Lula
JC Online
Publicado em 17/10/2019 às 7:45
A autorização é considerada um dos pilares da Operação Lava Jato e pode acarretar a soltura do ex-presidente Lula Foto: Foto: Nelson Jr./SCO/STF


Em um debate que se estende por quase três décadas, o Supremo Tribunal Federal (STF) inicia nesta quinta-feira, 17, o julgamento de ações que contestam a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Essa autorização é considerada um dos pilares da Operação Lava Jato e pode abrir margem para a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na véspera da sessão, o clima na Corte foi marcado por embate entre os ministros, com o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, pedindo "respeito" a Luís Roberto Barroso.

>> Igor Maciel: STF, a cara de pau e a prisão em segunda instância

Além de Lula, cerca de 4,8 mil presos podem ser beneficiados com uma mudança de entendimento do Supremo sobre o tema, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça. De 2016 para cá, o STF já entendeu em quatro ocasiões que é possível a prisão após condenação em segunda instância - a última delas foi na análise de um habeas corpus do petista, que acabou negado pelo apertado placar de 6 a 5. Faltava, no entanto, o julgamento de mérito das três ações, formando o entendimento que deve ser aplicado para todas as instâncias judiciais do País.

A discussão sobre o artigo 5.º da Constituição, porém, começou muito antes, em 1991. Na época, o tribunal entendeu por unanimidade que o princípio da presunção de inocência não impedia a execução antecipada da pena, antes do esgotamento de todos os recursos (o "trânsito em julgado", em juridiquês).

Isso mudou em 2009, quando o STF passou a permitir a prisão apenas depois do esgotamento de todos os recursos. Em 2016, a Corte voltou a admitir a medida, considerada fundamental por procuradores e juízes na punição de criminosos do colarinho branco.

A sessão desta quinta será dominada por sustentações orais da Procuradoria-Geral da República (PGR), Advocacia-Geral da União (AGU), de entidades e dos autores das três ações que pretendem barrar a execução antecipada de pena - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Patriota e o PCdoB. O voto do relator, ministro Marco Aurélio Mello, só deve ser lido na próxima quarta-feira, em sessão extraordinária convocada para o período da manhã. Depois dele, se posicionarão os outros 10 integrantes da Corte, em uma discussão que deve se estender por ao menos três sessões plenárias.

Embate

Na véspera do julgamento, houve embate entre ministros em duas ocasiões distintas. Durante a análise de uma ação sobre prestação de contas de partidos, Barroso questionou o posicionamento do ministro Alexandre de Moraes, que foi contra uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que prevê a suspensão automática dos diretórios estaduais e municipais que não apresentem as informações. Para Moraes, a norma do TSE usurpou uma competência de legislar sobre o tema que seria do Congresso.

"Essa crença de que dinheiro público é dinheiro de ninguém é que atrasa o País", disse Barroso, ao interromper a leitura do voto do colega. Moraes rebateu: "Essa crença de que o Supremo Tribunal Federal pode fazer o que bem entende desrespeitando a legislação também atrasa o país".

Barroso observou então que a Constituição "diz expressamente que há o dever de prestar contas". "Eu acho que o dinheiro público tem que ter contas prestadas", afirmou Barroso. Foi nesse momento em que Toffoli fez uma intervenção mais contundente: "Mas isso é o que todos nós pensamos. Vossa Excelência respeite os colegas!".

"Eu sempre respeito os colegas. Eu estou emitindo minha opinião. Vossa Excelência está sendo deselegante com um colega que é respeitoso com todo mundo. Eu disse apenas que a Constituição impõe o dever de prestação de contas", retrucou Barroso.

Depois, em uma sessão administrativa (que não é transmitida ao vivo pela TV Justiça, mas pode ser acompanhada por jornalistas), houve novo atrito entre os ministros. Foi a vez de o ministro Marco Aurélio Mello questionar a escolha de Toffoli de contratar um escritório de arquitetura - sem licitação - para elaborar o projeto do novo museu do Supremo, conforme revelou o jornal O Estado de S. Paulo no mês passado. "Deveria ser feita mediante licitação. Em segundo lugar, o momento não é propício a esse gasto", criticou Marco Aurélio. A discussão não foi concluída.

Expectativa

Para Marco Aurélio, o julgamento sobre a prisão após segunda instância não deve ser interrompido por pedido de vista (mais tempo para analisar o caso). "Creio que a matéria está muito madura, todos nós temos concepção a respeito. Daqui a pouco apodrece. Tarda a palavra final do Supremo", disse o ministro, que chegou a derrubar em uma liminar a execução antecipada de pena, em dezembro do ano passado. A decisão foi cassada por Toffoli no mesmo dia.

A expectativa dentro da Corte é a de que a atual posição seja revista, cabendo a Toffoli definir o resultado. O presidente do Supremo já defendeu a posição de que a execução de pena deve aguardar uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que funciona como uma espécie de terceira instância.

Na quarta-feira, Barroso e o vice-presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, saíram em defesa da atual jurisprudência do tribunal, que admite a execução antecipada de pena. Os dois são considerados votos certos a favor da prisão após segunda instância. "De sorte que eu considero realmente um retrocesso se essa jurisprudência (do Supremo) for modificada (no novo julgamento)", disse Fux a jornalistas, ao chegar ao STF. Para Barroso, a atual jurisprudência "fez muito bem ao País" no combate à criminalidade. "O mundo nos vê como um paraíso de corruptos e acho que nós temos que superar essa imagem, e não há como superar essa imagem sem o enfrentamento determinado da corrupção, dentro da Constituição e dentro das leis", afirmou.

A decisão do Supremo em relação à autorização para prisão após segunda instância gera grande expectativa também porque pode afetar a execução penal do ex-presidente Lula. A deputada Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, disse nesta quarta-feira que o mote "Lula Livre" não acaba com a decisão do STF. De acordo com ela, o PT vai continuar mobilizado para que sentença do então juiz Sérgio Moro - atual ministro da Justiça, que condenou o petista em primeira instância - seja anulada e Lula tenha seus direitos políticos de volta, ou seja, posse voltar a se candidatar.

Aproximadamente 100 réus, entre eles Lula, já foram condenados pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região a partir de processos da na Lava Jato em Curitiba. O petista foi condenado também pelo STJ.

'Convulsão social'

O ex-comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, afirmou nesta quarta-feira pelo Twitter que houve "grande esforço para combater a corrupção e a impunidade" e que o País tem de seguir este caminho, sob risco de ocorrer uma "convulsão social". Ano passado, véspera do julgamento do ex-presidente Lula, o general repudiou a impunidade e disse que o Exército estaria ainda "atento às suas missões institucionais", sem detalhar o que pretendeu com a expressão.

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