Câmara de Camaragibe aprova impeachment de Demóstenes Meira por quebra de decoro

Meira foi cassado por quebra de decoro ao rasgar ofício e impedir acesso de auditores do Tribunal de Contas do Estado
JC Online
Publicado em 18/11/2019 às 13:22
Foto: Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem


A Câmara de Vereadores de Camaragibe decidiu, nesta segunda-feira (18), em uma sessão marcada por forte comoção popular, cassar o mandato do prefeito do município, Demóstenes Meira (PTB), que está preso no Cotel desde junho de 2019. Durante cerca de quatro horas, os 13 vereadores da cidade discutiram e votaram dez tópicos de uma denúncia apresentada em agosto contra o petebista, julgando oito dessas acusações como procedentes, entre elas as que dizem que o prefeito afastado teria cometido quebra de decoro (11 votos a favor e duas abstenções) e desvio de bens e verbas públicas (dez votos a favor, um contra e duas abstenções). A defesa do petebista afirmou que vai recorrer da decisão na Justiça.

Toda a sessão legislativa que levou ao impedimento do prefeito contou com a presença maciça da população de Camaragibe. Às 9h, horário marcado para o início do debate, várias pessoas já ocupavam o plenário da Câmara. Por volta das 10h30, o espaço já estava lotado e muitos dos que acompanharam a discussão portavam cartazes e gritavam palavras de ordem contra o prefeito e vereadores que se mostravam contra o processo em votação. Focos de confusão foram registrados e um dos presentes precisou ser retirado do local pela Polícia Militar.

“Camaragibe entra para a história por afastar um prefeito diante de todos esses desmandos. Esse Parlamento exerceu o seu papel, o que era o desejo da população. (...) Espero que agora a prefeita interina também passe a exercer seu papel, e nós teremos que continuar exercendo a função de fiscalizadores”, declarou o vereador Délio Júnior (PSD), relator do processo de impeachment, sobre a prefeita em exercício Nadegi Queiroz (DC). A Secretaria de Imprensa de Camaragibe foi procurada para comentar o afastamento de Meira, mas informou que a administradora não se pronunciaria sobre o caso.

Nadegi foi eleita vice-prefeita na chapa que elegeu Demóstenes Meira prefeito, nas eleições de 2016. Poucos dias após a posse, em janeiro de 2017, os dois romperam politicamente. Ela assumiu a Prefeitura de Camaragibe após a prisão de Meira, em junho deste ano.

Apesar do clima geral de satisfação, não foi a totalidade dos presentes que sentiu-se feliz com o resultado da votação. Membro do Fórum de Mulheres de Camaragibe, Ysolda Coutinho, de 45 anos, disse acreditar que a decisão dos vereadores não passou de encenação. “Depois que ouvi a defesa do advogado de Meira, fiquei com a sensação de que isso tudo não passou de um circo. Os próprios vereadores armaram para que isso não servisse de nada. Eles queriam que o povo achasse que tirou o prefeito, que eles fizeram a nossa vontade, mas, na realidade, judicialmente isso não vale de nada”, pontuou.

Ysolda refere-se aos argumentos dos defensores de Demóstenes Meira, que afirmaram que o processo aberto contra o petebista possui vícios que podem acabar por anulá-lo na Justiça. “O decreto que rege o impeachment municipal dá um prazo de 90 dias para que ele transcorra. Se esse prazo for ultrapassado e o processo não for concluído, ele obrigatoriamente tem que ser arquivado. Hoje (ontem) faz 91 dias desde a intimação do denunciado, que foi por edital”, comentou a advogada Adriana Albuquerque Lins.

“O regimento interno diz também que o presidente (da Câmara) não pode fazer parte da comissão especial e ele foi relator desde o início, isso é uma nulidade. Se ele fez parte dessa comissão, todos os atos deles são nulos. Você não pode dar andamento a um processo em que os atos da comissão são nulos. Embora esta seja uma casa legislativa, eles não estão cumprindo a lei”, concluiu Adriana. Toninho Oliveira (PP), presidente da Câmara de Vereadores de Camaragibe, foi relator do processo de impeachment de Meira por um período, mas renunciou ao posto, que foi repassado, através de sorteio, para o vereador Délio Júnior.

Outra irregularidade apontada pelos advogados do prefeito trata dos crimes supostamente cometidos pelo gestor preso. De acordo com a legislação em vigor, membros do Executivo só podem sofrer impeachment se cometerem infrações político-administrativas, os chamados crimes de responsabilidade. O problema é que, da lista votada pela Câmara ontem, apenas a quebra de decoro se enquadraria como crime político, os demais seriam delitos comuns, que não poderiam ser julgados pelo Parlamento. Entre os exemplos, as investigações sobre assédio sexual e moral envolvendo servidoras da prefeitura contra o gestor afastado.

Após o término da votação, um Decreto Legislativo com o resultado da deliberação dos parlamentares foi editado na Câmara. O documento deve ser encaminhado à Justiça Eleitoral, a quem cabe a homologação da cassação. A defesa do petebista disse aguardar a ata da sessão que decidiu pelo afastamento do prefeito para entrar com um mandado de segurança e tentar reverter o quadro.

Preso desde junho

Em 13 de agosto deste ano, a Câmara aprovou a abertura do processo de impeachment contra Meira que é votado nesta segunda. O processo se baseia em uma denúncia protocolada na Câmara de Vereadores no dia 25 de junho pelo advogado Gladstone Freitas Cordeiro. A denúncia cita as investigações da Operação Harpalo, que apura suspeitas de fraudes na licitação para a reforma do prédio da prefeitura, além de corrupção e lavagem de dinheiro. O denunciante também aponta suposta quebra de decoro de Meira e investigações sobre assédio sexual e moral envolvendo servidoras da prefeitura contra o gestor afastado, preso desde o dia 20 de junho. 

 

Relembre as polêmicas

Crises na saúde (Abril/2018): 

Desde abril de 2018, a Prefeitura de Camaragibe recebe denúncias sobre a situação da saúde na cidade. Uma das primeiras denúncias foi a do Sindicato dos Médicos de Pernambuco (Simepe), que denunciou a prefeitura por cortar salários de médicos, demitir um pediatra e desfalcou o plantão no Hospital Aristeu Chaves (Cemec Centro) para abrir a unidade de Vera Cruz.

Na época, a prefeitura enviou uma nota, por meio da Secretaria de Saúde, informando que o órgão recebeu de R$ 2,6 milhões através de emendas parlamentares para o setor. Esta quantia ainda estaria sendo movimentado em melhorias para as unidades especializadas, na aquisição de viaturas e equipamentos hospitalares.

Em relação aos salários dos profissionais da saúde, o município alegou que houve uma equiparação salarial para todos os médicos que desempenham funções semelhantes, "que médicos efetivos ganhavam salários menores do que os contratados e juridicamente essa situação não podia permanecer".

'Briga' com fiscais do meio ambiente (Outubro/2018):

Em outubro de 2018 , uma obra de construção de uma estrada no Parque de Aldeia dos Camarás, em Camaragibe, foi considerada ilegal e a Prefeitura foi multada pela Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH). O prefeito Demóstenes Meira compareceu ao local e foi filmado tentando impedir a fiscalização.

Bastante alterado, o gestor deu ordens aos funcionários do município para continuarem a obra e xingou um fiscal da CPRH. O prefeito também foi multado em R$ 10 mil foi ter criado “obstáculos à fiscalização”. Na ocasião, o serviço estava sendo executado sem licença do órgão ambiental. Os tratores só pararam de trabalhar quando os Policiais Militares chegaram ao local.

Convocação para o show de Taty Dantas (Fevereiro-Março/2019):

Ocorrida dias antes do Carnaval deste ano, a convocação de servidores municipais para o show da cantora e noiva de Meira, Taty Dantas, foi uma das polêmicas que mais causaram 'alvoraço' na cidade. Em dois áudios que circularam por aplicativos de mensagens, o chefe do executivo municipal emitiu recomendações aos funcionários com cargos comissionados, para que participassem de uma prévia carnavalesca, que teria como atração a noiva do prefeito. Por conta disso, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) abriu investigação contra o prefeito.

“Eu quero todos os cargos comissionados de frente ao trio, onde vai cantar minha noiva Taty Dantas porque, inclusive, eu vou usar da palavra e falar com o povão. Eu sei que vai ter muita gente de fora. Esse Troinha vai trazer muita gente. Eu quero todos os cargos comissionados. Eu vou fazer um cordão de isolamento ao redor do trio só pra ficar os cargos comissionados… eu vou filmar… eu vou contar todos os cargos comissionados… Depois que ela cantar as músicas dela tá todo mundo liberado. Mas eu quero todo mundo a partir do meio-dia ao redor do trio”, dizia o prefeito em um dos áudios. 

Por meio de nota, a prefeitura de Camaragibe disse que Meira não "forçou nenhum funcionário da prefeitura a comparecer ao bloco Canário Elétrico. Na verdade, foi feita uma convocação apenas daqueles que ocupam cargos comissionados para apoiar o bloco, que é tradicional nas prévias carnavalescas do município".

Na época, o MPPE também requisitou que o prefeito informe o quantitativo de guardas municipais designados para realizar a segurança do bloco carnavalesco, uma vez que em um dos áudios há menção à designação de 30 guardas para garantir a segurança dos comissionados que compareceram, caracterizando, em tese, a utilização indevida de serviços públicos para atender a interesses privados.

Ainda na semana anterior ao episódio dos áudios, Meira chegou a nomear Taty Dantas para ocupar o cargo de secretária municipal de Ação Social. A prática não é vedada por lei, mas a cantora não possui experiência em gestão social, o que causou ainda mais 'inquietação' dos cidadãos. 

Impeachment (Abril-Maio/2019):

As denúncias citadas acima foram incorporadas ao pedido de impeachment, liderado pelo presidente da Câmara Municipal de Camaragibe, vereador Antônio Oliveira (PTB), conhecido como Toninho. O pedido foi protocolado e aprovado após votação da Comissão Especial no dia 30 de abril. 

Entre as denúncias, estão as mensagens de voz que Demóstenes compartilhou no WhatsApp, determinando que os ocupantes de cargos comissionados comparecessem ao show de sua noiva, a cantora Taty Dantas. O vereador também anexou ao pedido os “constantes atrasos” nos repasses do município ao Fundo de Previdência dos Servidores Municipais que, segundo ele, geraram multa de R$ 380 mil à prefeitura, além de supostas irregularidades no asfaltamento de 13 ruas e falta de licitação em obras.

Entretanto, no dia em que a votação do pedido iria para o plenário da Casa, a Justiça suspendeu o processo. A decisão foi da juíza Anna Regina L.R de Barros da 2ª Vara Cível da Comarca de Camaragibe. A suspensão do processo ocorreu após a magistrada atender ao pedido da defesa do prefeito. "Ante o exposto, defiro a liminar requerida, para fins de suspender os efeitos do recebimento da denúncia em desfavor do impetrante, ocorrida na sessão da Câmara Municipal de Camaragibe, de 26/02/2019, bem como os atos posteriores, decorrentes do recebimento da denúncia em debate, até ulterior deliberação", mostra um trecho da decisão.

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