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Indianos mostram ao Brasil que fazem negócios no seu tempo

Indianos não só mandaram que avião brasileiro ficasse em terra como decidiram quando e como enviariam o carregamento das vacinas para o Brasil

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Fernando Castilho

Publicado em 22/01/2021 às 6:00 | Atualizado em 22/01/2021 às 7:32
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Sidarta Gautama, um príncipe do sul do atual Nepal que renunciou ao trono e se dedicou à busca da erradicação das causas do sofrimento humano, certa vez saiu com a missão de comprar a safra de um grande produtor de arroz e chegou atrasado. Em respeito a sua visita, o dono da propriedade o convidou para a festa da produção que duraria uma semana. Sidarta aceitou.

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De volta à casa de seu patrão, foi recebido com grande irritação por não ter fechado a compra e por ter passado duas semanas fora do trabalho numa festa. Sidarta ouviu a reclamação, mas justificou o afastamento. Terminada a festa, o produtor agradeceu sua gentiliza de ter ficado para a festa da colheita com o compromisso de lhe vender as próximas cinco safras.

A história de Sidarta mostra um pouco do que é fazer negócios com os indianos e como eles têm o seu tempo. E, acima de qualquer coisa, é necessário continuidade e perspectiva de negócios no futuro.

E serve de lição ao Brasil que, açodadamente, tentou comprar dois milhões de vacinas da AstraZeneca num prazo que atenderia aos interesses de Bolsonaro, que queria vacinar um brasileiro antes de Dória.

Os indianos não só mandaram que o avião brasileiro ficasse em terra como decidiram quando e como enviariam o carregamento das vacinas para o Brasil.

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É claro que os indianos poderiam mandar as 2 milhões de vacinas imediatamente. Mas eles decidiram qual o melhor momento de mandá-las. E também decidiram que elas viriam num avião que eles contrataram. Porque é assim que eles fazem negócio. Sempre mirando o futuro.

Depois de ter ajudado a fundar o bloco dos BRICs, o Brasil parece não ter aprendido nada com os indianos e as vantagens de ter com eles alianças globais.

Os indianos, que têm 10 vezes mais tempo como nação que o Brasil, como Sidarta, miram nas próximas safras. Eles até atenderam esse pedido emergencial, até porque têm muito mais vacinas que as 2 milhões vendidas ao Brasil. Mas só o fizeram no seu tempo.

Infelizmente, são poucas as chances de o Brasil ter aprendido a lição. Um pouco mais de visão geopolítica do chanceler Ernesto Araújo teria feito o Brasil, primeiro, conversar com a Rússia, a China e com a Índia. Até porque se sabia que assim como a China, a Índia estava pesquisando sua vacina.

Uma consulta ao embaixador em Moscou permitiria ao Brasil saber que o Instituto Gamalea, na pandemia da covid-19, recebeu mais de US$ 500 milhões de um fundo criado por Putin para preparar sua vacina. E que o Gamalea, que já pesquisava há anos a SRAG do Mediterrâneo, estava trabalhando no encurtamento do caminho que levou à Sputnik V.

Uma outra consulta, ao embaixador da Índia, poderia ajudar ao Brasil fechar uma negociação mais ampla com o Instituto Serum, que é a maior fábrica de vacinas do mundo e já foi visitado por centenas de infectologistas brasileiros. Até porque a Índia, há anos, virou um player na produção de fármacos e insumos. E o Brasil é um cliente de porte desses insumos.

Mas o Brasil preferiu ir contra a Índia quando ela liderou um movimento global de redução dos custos de patentes que permitia a oferta de vacinas a preços simbólicos, ao menos nesse primeiro momento. Os indianos ficaram chocados com a posição de um parceiro no BRICs e anotaram a posição.

Para completar, o Brasil entendeu de brigar com a China. Quem conhece dois ienes da China sabe que eles são dezenas de vezes mais cuidadosos com suas relações comerciais que o indianos. São diferentes porque são mais agressivos, mas não aceitam desaforos.

Mas Ernesto Araújo entendeu de bater de frente com a China. O que o chanceler brasileiro não entendeu é que, pela importância que o Brasil tem para a China como fornecedor, o embaixador chinês em Brasília não é um diplomata qualquer.

Uma consulta às associações comerciais Brasil-China seria possível, já que o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, faz parte do primeiro time do presidente Xi Jinping. Os dois são amigos e fazem parte do grupo que ascendeu ao poder.

Wanming não é um embaixador qualquer. Tem poder de fazer o bem e fazer o mal se quiser. E ele ficou muito irritado com Araújo quando ele o criticou em relação às estultices de Eduardo Bolsonaro.

Ele tem voz suficientemente forte para travar o que quiser e de ajudar como ajudou a que duas empresas chinesas salvassem o leilão de outorga do pré-sal juntando-se à Petrobras. Foi a ele que Bolsonaro apelou para fazer a China participar do leilão ano passado.

Isso não quer dizer que ele vai vetar a exportação dos IFA (ingrediente para produção das vacinas), mas vai mostrar que as coisas na China, como na Índia, têm o seu tempo. O ruim disso tudo é saber que os dois episódios não vão ajudar a Bolsonaro e a Araújo mudar de opinião. Eles não aprenderam nada.

Mas, aqui para nós, esperar que Jair Bolsonaro e Ernesto Araújo entendam alguma coisa da história de mais de 5 mil anos de dois dos mais longevos países do mundo é esperar demais.

 

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