O veto de metade dos artigos da MP nº 1003 - que agora virou a lei nº 14.121, de 1º de março de 2021 -, que mandava a Anvisa conceder autorização emergencial em até cinco dias, às vacinas já aprovadas em agências reguladoras de nove países, desmontou o esquema que foi construído no Congresso para permitir que o Brasil importe a vacina russa Sputnik V, no qual os governadores apostam para acelerar a vacinação em seus estados.
Bolsonaro vetou cinco dos onze artigos que formam escritos no Congresso e que foram adicionados à MP 1.003, que autoriza o poder Executivo federal a aderir ao "Instrumento de Acesso Global de Vacinas Covid-19 (Covax Facility)", depois de um forte lobby da empresa União Química que detém os direitos de comercialização do imunizante no Brasil.
A Sputnik V foi primeira vacina de coronavírus do mundo, mas foi recebida com desconfiança pelo mundo científico ocidental por não divulgar detalhes técnicos de seu desenvolvimento. Só este mês, depois do primeiro artigo científico publicado na revista internacional The Lancet, vieram mais informações sobre ela.
Com o veto, a União Química terá que concluir os protocolos de submissão da vacina à Anvisa. Hoje, segundo a agência brasileira, a empresa teve devolvida sua documentação por faltarem dados e estudos considerados essenciais para a concessão da autorização de uso emergencial pelo Brasil, Canadá, Reino Unido, Japão, países-membros da EMA e da OMS.
Os processos estão aguardando as informações e não há nenhum pedido pendente de validação pela Anvisa referente a essa vacina.
Ainda segundo a Anvisa, está marcada para a próxima semana, uma visita técnica às fabricas da União Química, em Guarulhos (SP), para "Certificação de Boas Práticas" para formulação do envase. Mas não há data para a certificação de fabricação do IFA no Brasil porque a empresa não solicitou.
A decisão de Bolsonaro desmontou todo um projeto de governadores que desejavam, com essa autorização contida a MP 1003, retomar as negociações para a compra de parte do estoque oferecido pela União Química, que pretende fabricar a Sputnik V no Brasil, nas suas instalações em Guarulhos.
Com o veto, a União Química terá de esperar a visita da Anvisa na próxima semana e apresentar as certificações das agências internacionais aprovadas pela agencia brasileira e que não inclui o Ministério da Saúde russo. E depois pedir para produzir o IFA.
Um caminho dos governadores seria defender a derrubada do veto pelo Congresso. Mas isso contraria politicamente todo o discurso que vem fazendo de respeito as normas da Anvisa.
O veto, na prática, devolveu a Bolsonaro o discurso de que está disposto a comprar qualquer vacina desde que seja autorizada pela Anvisa e deixou os governadores sem muito argumento.
O problema é que, desde janeiro, a União Química não apresentou a documentação exigida pela Anvisa. Foi isso que levou agência brasileira a emitir, no último dia 22 de fevereiro, um “Esclarecimento sobre a análise de vacinas contra Covid-19”, onde detalhou os processos de cada uma das vacinas e onde se observa que a empresa que pediu anuência para a realização de estudos clínicos Fase 3, no início de janeiro, não apresentou informações básicas do protocolo clínico e demais dados.
Naquela data, a União Química não podia apresentar mesmo. Somente no último dia 21 de fevereiro, o Chefe do Departamento de Biologia do Instituo Gamaleya de Moscou, Dr. Denis Logunov e seus colegas, publicaram seu artigo na The Lancet, o que fez com que, internacionalmente, as desconfianças fossem reduzidas.
Logunov relatou os resultados provisórios de um ensaio clínico de Fase 3 da vacina Sputnik V Covid-19, revelando eficácia de 91,4% e revelou que a rota de proteção do adenovírus recombinante estava sendo compartilhada com as vacinas Oxford - AstraZeneca, Johnson & Johnson e o CanSinoBIO-Beijing Institute.
Entretanto, a União Química não ficou parada e passou a atuar fortemente no Congresso para mudar a legislação. Foi quando o Senado incluiu o conjunto de artigos na MP 1003 de adesão ao Covax Facility que, ontem, foi vetado integralmente pelo presidente Bolsonaro ficando apenas o texto da MP original.
A importância do Brasil para a estratégia da Rússia para ter a Sputnik V, na América do Sul, pode ser avaliada pelo destaque que o CEO do Fundo Russo de Investimentos Diretos (FRID), Kirill Dmitriev, conferiu ao anunciar, em Moscou, parceria com a brasileira União Química para fornecer 150 milhões de doses de sua vacina ao Brasil neste ano.
Dmitriev acertou com o presidente da empresa, Fernando de Castro Marques, o envio de 10 milhões da vacina antes que o princípio ativo da vacina comece a ser produzido na unidade da União Quimica, em Brasília, e o fracionamento da vacina será feito numa unidade de Guarulhos, graças à transferência tecnológica, garantida pelo FRID e o Instituto Gamaleya.
Resta saber como os governadores e prefeitos vão atuar agora.