Os governadores, especialmente os do Nordeste, já sabem que a aposta em buscar e comprar uma vacina que pudesse ajudar na ampliação da oferta de imunizantes, diante da inércia do Governo Federal, se revelou um enorme equívoco da escolha do parceiro.
Isso não quer dizer que sua atitude como gestores foi errada. Não! Diante do quadro desenhado pelo Ministério da Saúde para com o assunto, eles deveriam tomar uma atitude.
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O erro foi apostar suas fichas na Sputnik V, que ainda não tinha autorização de nenhum agência internacional com referência e, num segundo momento, aceitar a politização, que, desde o início, o fabricante, através de seu representante no Brasil, protagonizou.
Foi um erro. Especialmente de governadores do Nordeste, como Wellington Dias (PI), Rui Costa (BA), Flávio Dino (MA) e Paulo Câmara (PE) que, ao empenharem seu prestígio, viraram linha auxiliar da fabricante russa.
A decisão da Anvisa e as explicações sobre os problemas prestadas ontem revelam que a vacina tem problemas, e o mais grave: os fabricantes não parecem dispostos a resolvê-los no âmbito científico, preferindo o embate político e midiático.
Não é bom caminho. Sem que forneça os documentos e informações sobre o imunizante, a agência brasileira não vai aprová-lo. E certamente não será a justiça quem vai autorizar as importações, assumindo um risco que não faz parte de suas atribuições.
O que ficou claro até agora é que a Anvisa fez o que deveria fazer: conferir as informações e cobrar dados específicos. Agência de vigilância existe para fazer isso. E é isso que as mais respeitadas fazem.
Não há motivos para que os governadores coloquem dúvida nas decisões da agência brasileira. Exatamente eles que estão num embate em defesa da ciência contra o presidente Bolsonaro.
É importante não esquecer. Governantes existem para buscar soluções para a população, e os governadores fizeram certo em comprar as vacinas.
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O equívoco está na atitude de defesa do fornecedor - que ainda não se provou adequadamente preciso – e entrar a reboque do discurso do fabricante. Um caso inusitado onde o cliente que pode ser prejudicado fica ao lado do fornecedor quando a fiscalização faz a sua parte.
O que para os governadores é uma justa solução para redução dos danos de uma realidade dramática, para o Fundo de Investimento Direto Russo é um negócio de classe mundial com enormes possibilidades de escalar suas vendas globalmente a partir da autorização de uma agência com a credibilidade conquistada pela Anvisa internacionalmente.
É importante para os governadores não empenharem sua credibilidade conquistada junto à população após um ano de gestão de uma pandemia contra um governo nacional errático que viabilizou uma CPI no Congresso Nacional.
O que parece desejável é que eles exijam do fornecedor um produto de qualidade. Até porque a agência exigiu os mesmos documentos dos demais imunizantes.
Eles precisam se fazer algumas perguntas básicas: Por que a vacina Sputnik V não pediu, até agora, a aprovação de nenhuma das agências com maior credibilidade? Por que a Rússia não integra a Pharmaceutical Inspection Co-operation Scheme, o pool de agências regulatórias do qual o Brasil faz parte e que dos 62 países que a fabricante vendeu, apenas México e Argentina o integram? E por que não entregou desde janeiro os documentos necessários ao exame?
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São questões perturbadoras que, mesmo sem respostas, levaram cientistas com passagem pelo Governo, no passado, se apressarem em identificar uma posição política da agência quando eles, no passado, ajudaram a fortalecer sua credibilidade.
Uma questão chama a atenção desde o início dessa questão. A forte atuação no Congresso dos representantes da Sputnik V que, inclusive, ajudou a mudar a legislação em seu favor. Que fez o líder do Governo na Câmara Federal (adversário dos governadores) afirmar que “enquadraria” a agência se ela não aprovasse a vacina russa. E até mesmo assegurar uma compra pelo ministério da Saúde de um pacote de 10 milhões de doses no valor de R$ 682 milhões em detrimento de outras vacinas. E isso aconteceu sem que, até agora, os representantes tenham entregado a documentação exigida na Anvisa.
Finalmente, é importante observar que o pacote de vacinas que o Brasil ainda pode comprar representa uma venda de R$ 4,16 bilhões, onde os estados se comprometeram a pagar R$ 2,53 bilhões. Não se trata apenas de uma questão de saúde numa tragédia que já fez 400 mil vítimas fatais.