Mesmo com problemas de superlotação nos horários de pico, em plena pandemia de covid-19, com mais de 10 milhões de desempregados devido à crise sanitária que abalou e ainda abala a economia brasileira, o Metrô do Recife enfrentará, a partir do dia 20/3, o sétimo reajuste das tarifas num intervalo de um ano e oito meses. E são majorações que já ultrapassam os 80%. Em março de 2019, a passagem subiu de R$ 1,60 para R$ 2,60 e, de lá até agora, chegará a R$ 4,25. A situação é a mesma nos outros quatro sistemas geridos pelo governo federal através da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU): Belo Horizonte, Natal, João Pessoa e Maceió. O novo reajuste, inclusive, é visto por funcionários, ex-gestores e sindicalistas como um claro sinal de que a União segue firme no propósito de transferir a gestão dos sistemas - especialmente o do Recife e de Belo Horizonte - para a iniciativa privada.
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- Passos largos para a gestão privada do Metrô do Recife
Depois de sete anos sem aumento, o Metrô do Recife teve um reajuste escalonado por força de acordo judicial em seis fases, o que levou a tarifa de R$ 1,60 a R$ 4 em março de 2020. Um ano depois, aumenta novamente em 6,13%. Ao mesmo tempo, a qualidade do serviço oferecido só cai, com a superlotação das composições sendo diárias nos horários de pico e longos intervalos no fora-pico. E não deverá melhorar. Desde pelo menos 2018, segundo dados oficiais da CBTU, o Metrô do Recife recebe, em média, apenas 50% do orçamento de custeio que solicita. E em 2021 será do mesmo jeito. O orçamento geral da CBTU - para atender aos cinco sistemas que gere - terá uma redução de pelo menos 40% este ano. Cairá de R$ 1 milhão para R$ 638 mil.
“É um absurdo esse aumento num momento como esse que vivemos. É extremamente incoerente também, diante do péssimo serviço que vem sendo prestado à população. É resultado da ausência de investimentos, que não acontecem desde 2014, visando a Copa do Mundo. De lá para cá só houve contingenciamento. A degradação do sistema é total. As plataformas estão ficando lotadas de passageiros porque faltam trens operando. Esses trens estão parados na oficina por falta de peças para realizar a manutenção”, critica o presidente do Sindicato dos Metroviários de Pernambuco (SindMetro), Adalberto Ferreira.
CONCESSÃO À INICIATIVA PRIVADA
Não é necessário esforço para entender que o novo reajuste das passagens do Metrô do Recife - em vigor no dia 20/3 e tão próximo do aumento escalonado aplicado ainda em 2020 - é mais um passo para a futura transferência da gestão do sistema para a iniciativa privada. E dessa vez é um passo largo porque, como é confirmado na resposta oficial da direção da CBTU, no Rio de Janeiro, o sistema metropolitano - e todos os outros quatro que estão sob sua gestão - entrará de vez numa nova programação de reajustes anuais ou, no máximo, a cada dois anos. Isso, sem dúvida, é uma tentativa de qualificar e reduzir a diferença entre receita e custo do sistema pernambuco, que hoje chega a 80% e que, de fato, foi alimentada por anos sem reajuste.
Série de reportagens Metrôs - Uma conta que não fecha
“A CBTU deixa claro que pesou em sua decisão diversos fatores, não apenas econômicos, mas também o momento vivido pelo País em razão da pandemia e seu papel social. Dessa forma, fez e faz o possível para minorar o impacto para seus usuários, porém, como Empresa Pública Federal subvencionada pelo Tesouro Nacional, não seria possível deixar de reajustar suas tarifas após dois anos da aprovação de seu último aumento, de forma a não repetir políticas passadas de congelamento tarifário, que perduraram por mais de 17 anos, e que tanto oneraram os contribuintes com o crescimento das subvenções através dos impostos federais e prejudicaram a qualidade dos serviços oferecidos, por terem sufocado financeiramente a companhia e restringindo sua capacidade de investimentos”, afirma a nota - nenhum porta-voz da empresa foi disponibilizado para falar com a reportagem, no Rio de Janeiro e no Recife.
Além de seguir com os estudos e procedimentos necessários para a concessão operacional à iniciativa privada, o governo federal retomou, com esse novo aumento, o realinhamento periódico que sempre fizeram parte dos sistemas de transporte público. Os ônibus, por exemplo, têm reajustes anuais programados. E, mesmo quando eles não são aprovados - decisões comuns em anos eleitorais, vale destacar -, são ao menos discutidos. Com o Metrô do Recife, por exemplo, isso não acontecia desde 2012, ano do último aumento da passagem integrado com o sistema de ônibus da Região Metropolitana do Recife. Em 29 de janeiro de 2012 a tarifa do metrô foi reajustada de R$1,50 para R$1,60. Também foi a última data em que o sistema teve aumento antes do hiato de sete anos sem realinhamento.
DISCURSO DE CONSOLAÇÃO
A tarifa do metrô vai subir de R$ 4 para R$ 4,25, um aumento de 6,13%, no dia 20/3. De fato, como argumenta a própria direção da CBTU em nota, é um percentual inferior aos 9% de inflação acumulada desde a aprovação do último reajuste - em janeiro de 2019, implementado de forma parcelada, por força de acordo judicial, entre maio/2019 e março/2020. E ainda menor do que os 8,7% aprovados para os ônibus da RMR. Alega, ainda, tanto para o caso do Recife como o de Belo Horizonte - que terá a tarifa aumentada em 5,9% - que as passagens dos sistemas metroferroviários seguirão menor e equivalente às dos ônibus nas duas cidades, respectivamente.
Além do Recife, o sistema de Belo Horizonte também será reajustado no dia 20, para R$ 4,50, e os de Natal, Maceió e João Pessoa sofrerão recomposição tarifária para R$ 2,50 a partir do dia 3 de julho de 2021.
REAÇÃO
Mas nas ruas, em meio a uma pandemia de coronavírus, a população demonstrou revolta diante do novo aumento da passagem do Metrô do Recife. Principalmente entre os passageiros que utilizam o sistema nos horários de pico da manhã e da noite - quando o problema da superlotação é grande. Situação angustiante em tempos de crise sanitária, quando o distanciamento social é a principal recomendação para evitar contaminação e a propagação da doença.
“Falta espaço para a gente até entrar no metrô. E em tempos de pandemia é ainda pior. Está lotadíssimo nas primeiras horas da manhã. E muita gente sem usar máscara. É angustiante. Eles tinham que ter feito alguma coisa para mudar essa situação”, lamenta Neide dos Santos, passageira do sistema.