O Dia Mundial em Memória das Vítimas do Trânsito, eleito pela ONU no terceiro domingo do mês de novembro desde 2005, deveria ser uma daquelas datas que não precisam sequer ser lembradas. Mas a matança e a imprudência ao volante persistem no Brasil, destruindo famílias e sonhos. São mais de 33 mil mortos anualmente, 240 mil inválidos permanentes, além de outros 300 mil feridos leves - jovens em sua maioria. E muito pouco ainda é feito para mudar esse cenário. Seja na ausência de medidas que inibam a violência no trânsito, como a redução da velocidade limite das vias urbanas de 60 km/h para 50 km/h, e a ampliação das áreas calmas (com velocidades de 30 km/h) e da fiscalização eletrônica de velocidade, ou na punição mais severa daqueles que matam e ferem ao volante.
Dia Mundial das Vítimas do Trânsito: precisamos é reduzir a velocidade das nossas ruas e avenidas
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Não é mais acidente de trânsito. Agora, a definição é outra nas ruas, avenidas e estradas do Brasil
Trânsito brasileiro mata demais, mutila e custa muito caro
Por que reduzir a velocidade limite das ruas e avenidas é fundamental? Entenda
Por isso, por mais um ano a Coluna Mobilidade lembra, lamenta e homenageia as vítimas do trânsito. Do País, ainda mais as de Pernambuco. E, este ano, chegamos à data com mais razões para lamentar. O Recife acompanhou nos últimos dias dois casos de muita violência e imprudência ao volante que mataram duas pessoas e destruíram duas famílias distintas. O primeiro foi o caso do promotor de vendas Flávio Antônio, 42 anos, ciclista violentamente atropelado por um motorista que, pela destruição do carro e violência do impacto contra a vítima, estava em alta velocidade, no dia 3/11, na Avenida Caxangá, bairro da Várzea, na Zona Oeste do Recife. E o segundo foi o atropelamento coletivo de cinco pessoas da mesma família que resultou na morte do sargento reformado da PM João Batista Ferreira da Silva, 56 anos, no dia 12/11. O condutor que provocou a colisão é o PM Rodrigo Luiz da Silva, 36, que estaria dirigindo alcoolizado e ensinando uma mulher a dirigir (Rayana de Lima Alves, de idade não informada). No momento do sinistro de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se diz. Entenda a razão), inclusive, a passageira estaria no colo dele.
“Ainda estou sem acreditar em tudo que aconteceu. Realmente estamos em choque. Só posso dizer que meu marido perdeu a vida por causa de um irresponsável no trânsito. Era um homem honesto, trabalhador, fazia aquele percurso há 18 anos, a idade dos meus filhos gêmeos. Estava voltando pra casa, mas infelizmente não conseguiu chegar. Foi pego de surpresa, sem chance de escapar e com muita, muita violência. Deixou sonhos e projetos para trás”, lamenta a viúva do ciclista Flávio Antônio, Adriana da Silva Santos. Ela, assim como a maioria das famílias das vítimas do trânsito, duvida da punição efetiva para o condutor, que não foi sequer submetido a um teste de alcoolemia. “Já esperamos por isso porque no mundo só vale quem tem. E quem é honesto, trabalhador, perde a vida dessa forma, sem que haja punição. É possível até que esse condutor saia como vítima na história. Mas eu acredito na justiça de Deus. A da terra pode ser falha, mas a de Deus não. Nucna”, desabafou.
UMA PANDEMIA ANUAL
No mundo, estamos falando de milhões de óbitos evitáveis. Os números oficiais indicam que, por ano, o trânsito provoca a morte de 1,3 milhão de pessoas. É o equivalente a 140 mil vítimas por dia. Além das mortes, fere 50 milhões de pessoas por ano no mundo. Como está dito no site www.diamundial.com.br, criado pela ONG Trânsito Amigo e o portal SOS Estradas, é uma pandemia que se repete há décadas e que a única vacina que pode combatê-la é o respeito à legislação e o cuidado ao volante.
Na verdade, não é de hoje que o trânsito brasileiro virou um fardo. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), numa parceria com a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) da ONU, e divulgado em 2020, apontou que o Brasil perdeu quase 500 mil vidas em onze anos - de 2007 a 2011. São, em média, 45 mil mortes por ano. E, como se não bastasse, ainda gastou, no mesmo período, R$ 1,5 trilhão com essas colisões e atropelamentos. Um trânsito que mata muito, mutila demais e ainda custa R$ 132 bilhões por ano. Em Pernambuco, a mesma violência - as colisões com motos foram ainda maiores do que na região Nordeste, por exemplo: aumentaram 33 vezes, e o Estado gasta, anualmente, R$ 6,1 bilhões com suas vítimas da mobilidade.
Essas conclusões constam no estudo Impactos Socioeconômicos dos Acidentes de Transporte no Brasil, que busca quantificar o gasto que o País vem tendo ao longo dos anos devido à incapacidade do Estado e da sociedade em fazer um trânsito seguro. A análise, que considerou os números de óbitos do DataSus, do Ministério da Saúde - que inclui internações e reembolso de gastos -, e aplicou o Valor Estatístico da Vida (VEV), estimado em R$ 2,26 milhões a valores de dezembro de 2018, não só contabiliza o prejuízo como indica algumas das causas dessa conta alta. Uma delas é o fato de o País ter negligenciado a segurança viária sob diversos aspectos, mas principalmente aqueles que protegem os pedestres - que ao lado do motociclistas, são as grandes vítimas do trânsito. O trânsito brasileiro matou, de 1996 a 2018, 205 mil pedestres e 165 mil motociclistas, por exemplo.
O MOVIMENTO
O Dia Mundial em Memória das Vítimas do Trânsito foi criado em 1993, pela RoadPeace, instituição de apoio às vítimas do Reino Unido. A proposta foi lembrar as vidas perdidas. Em 1995, a Federação Europeia de Vítimas de Trânsito criou o dia mundial, adotado definitivamente pela Assembleia Geral Das Nações Unidas em 26 de outubro de 2005. E foi instituído que seria lembrado no terceiro domingo do mês de novembro.
A data chegou ao Brasil dois anos depois, em 2007, por iniciativa da ONG Trânsito Amigo, associação de parentes, amigos e vítimas do trânsito, criada por Fernando Diniz, que perdeu o filho para a violência do trânsito. E, a cada ano, ganha mais força no País.