Com exceção de Pernambuco e do Rio de Janeiro, nacionalmente o BRT não ficou tão destruído no pós-pandemia de covid-19. O cenário nacional não é tão desanimador quanto o da Região Metropolitana do Recife e do Rio. Em algumas situações, foi ao contrário. É o caso de Curitiba (PR), onde o BRT é a base do sistema de transporte público da cidade e da área metropolitana - sendo o berço mundial do BRT há quase cinco décadas. E também do Move de Belo Horizonte, em Minas Gerais, que é tão novo quanto o de Pernambuco e segue firme, sem grandes destruições. Há, ainda, exemplos bons e até de renovação, mesmo em meio à crise sanitária e à perda anual de passageiros, como é o caso do BRT Sorocaba, no interior de São Paulo, a primeira Parceria Público-Privada (PPP) de BRT do País em que a concessionária responde pela construção e operação do corredor. Situações que mostram que o problema não está no Sistema BRT, mas no modelo e, principalmente, no compromisso e responsabilidade dedicados pelas gestões públicas.
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Move - O BRT de Belo Horizonte
Apesar das mudanças que têm sido promovidas no sistema de transporte público da Região Metropolitana de Belo Horizonte - inclusive com a extinção da BHTrans e a criação da Superintendência de Mobilidade de Belo Horizonte (Sumob) -, o Move, o BRT mineiro, chega ao sétimo ano de operação sem grandes traumas. Bem diferente, inclusive, da situação de Pernambuco e do Rio de Janeiro. Os dois corredores que fazem conexão com o Centro de BH (pelas Avenidas Antônio Carlos e Cristiano Machado) começaram com uma grande qualidade de operação, chegando a atrair o passageiro do carro - em pesquisa realizada em 2015, 15% dos passageiros do corredor da Cristiano Machado tinham migrado do transporte individual. O Move reduziu o tempo médio dos deslocamentos. A velocidade dos 20 corredores subiu para 26 km/h, ou 29,4% mais rápido do que o sistema anterior, de 15,24 km/h, em 2013. Mas os desafios seguem sendo muitos porque a expansão do sistema não aconteceu desde 2014 e há falhas na manutenção das estações e corredores, sobretudo dos equipamentos de segurança.
Com a pandemia, a demanda do sistema (incluindo o transporte coletivo de BH como um todo) caiu para 25% do que era transportado antes da crise sanitária e, em novembro de 2021, subiu para 75%. Segundo a BHTrans, houve vandalismos nas estações - mesmo antes da pandemia -, mas rapidamente reparados. Atualmente, o Move corresponde a 14,2% das viagens totais de ônibus de BH, um pouco mais do que representava em 2019, quando era 12,97%. Novas estações não foram abertas, nem corredores implantados. Há estudos para instalação de mais um corredor do Move, na Avenida Amazonas, mas só a partir de 2024. Segundo informações da gestão municipal, os investimentos no setor aumentaram: passaram de R$ 384 milhões em 2017 para R$ 446 milhões em 2020. Não há subsídios no sistema de ônibus de Belo Horizonte. Ou seja, todo o transporte público do município é financiado pelo pagamento das tarifas pagas pelo usuário.
Curitiba - O BRT sem abalos
Berço mundial do BRT, Curitiba, no Paraná, segue com seu sistema operando sem abalos. Enfrentou e enfrenta dificuldades, como todos os sistemas de transporte público coletivo nacionais e mundiais, mas a pandemia não promoveu uma destruição como a vista em algumas cidades. Não é para menos. São muitos e muitos anos de prática, iniciada ainda na década de 1970. Os curitibanos - apontam especialistas no setor - não começaram com esse conceito agora e seguem fazendo modernizações e requalificações nos corredores, inclusive, relacionadas à eletrificação do transporte público. Com a chegada da covid-19, houve uma queda expressiva no número de passageiros - redução de até 80%. E ainda segue, mesmo com a retomada de várias atividades, 30% abaixo de antes da pandemia. Eram 756 mil passageiros/dia, e atualmente, são 500 mil/dia. Mesmo assim, a frota está operando em 100%.
Para evitar o colapso do sistema, explica a Prefeitura de Curitiba, foi implantado o regime emergencial de operação e custeio do transporte coletivo, vigorou entre março de 2020 e junho de 2021, sendo renovado em setembro. Durante o regime, a remuneração do sistema passou a ser feita com base no custo do quilômetro rodado e não mais em passageiros pagantes.
“Foram pagos exclusivamente os custos administrativos (como combustíveis e lubrificantes, conforme a quilometragem rodada), tributos (ISS, taxa de gerenciamento e outros) e despesas com a folha de pagamento dos trabalhadores do sistema, incluídos plano de saúde, seguro de vida e cesta básica. São suprimidas dessa conta a amortização e a rentabilidade das empresas”, explicou a prefeitura por nota. Com a renovação, em setembro, passaram a ser pagos, ainda, os valores de financiamentos para renovação da frota. Ao reduzir os repasses às empresas, o regime garantiu continuidade do serviço em Curitiba durante a pandemia, diferentemente do que aconteceu em muitas cidades brasileiras, que enfrentaram greves, quebra de contratos e intervenção municipal no sistema. O subsídio em 2020 foi de 190 milhões e em 2021 já chega a 160 milhões. E a tarifa social, de R$ 4,50, permaneceu a mesma de 2019.
Sorocaba - A primeira PPP do BRT
O BRT Sorocaba, no interior de São Paulo, é a prova real de que o sistema BRT deve ser visto como uma solução eficiente de transporte público e que a degradação de modelos semelhantes pelo País acontece por equívocos de gestão e operação. O BRT Sorocaba foi inaugurado em setembro de 2020 e opera dois dos três corredores previstos - o Itavuvu e o Ipanema, na Zona Norte de Sorocaba. O terceiro, o Corredor Oeste, tem previsão de entrar em obras em janeiro de 2022. É a primeira Parceria Público Privada (PPP) do Brasil voltada para o Sistema BRT, com um modelo de contrato único, no qual a concessionária é responsável pelas obras de construção dos corredores e pela operação do sistema. No caso da cidade paulista, a missão é do Consórcio BRT Sorocaba, o ente privado da PPP, formado pela Mobibrasil (empresa pernambucana e que opera o Corredor de BRT Leste-Oeste, no Grande Recife) e pela CS Brasil (Grupo JSL – Júlio Simões), que desde 2011 opera o lote 01 de linhas comuns de ônibus por meio do Consor (Consórcio Sorocaba).
A concessão é de 20 anos e prevê a construção de 68 quilômetros de vias, três terminais de ônibus integrados, quatro estações de integração, 28 estações de BRT, 96 abrigos, uma garagem, um CCO (Centro de Controle Operacional) e uma frota composta de 125 ônibus de modelos articulados e padron com ar-condicionado. Os recursos totalizam R$ 384 milhões para implantação de todo o sistema. Desse total, R$ 251 milhões são investimentos da iniciativa privada e R$ 133 milhões são subsídios públicos da Prefeitura de Sorocaba e - a maior parte - do governo federal (R$ 127 milhões).
Rio de Janeiro (Rio de Janeiro)
O BRT do Rio de Janeiro, como já mostrado na segunda reportagem da série A morte do BRT, chegou ao fundo do poço. Teve 46 das 126 estações fechadas, está sob intervenção pública e tenta se reerguer. A nova modelagem dos contratos de operação é a grande aposta para os três corredores da cidade - que totalizam 130 km e quase 500 mil passageiros diários. Além das mudanças administrativas e jurídicas, o BRT carioca teve as obras do Corredor TransBrasil - o de maior demanda porque é estruturado na Avenida Brasil, que liga a zona portuária à Zona Oeste do Rio - retomadas este ano (2021). É o quarto corredor de BRT da cidade, projetado ainda na época das preparações para a Copa do Mundo de 2014. Começou a ser construído em 2015 e deveria ser finalizado em 2017.
O projeto conta com 18 estações e quatro terminais, devendo ser entregue em dezembro de 2023 — seis anos depois do previsto. A previsão é que transporte de 150 mil a 250 mil pessoas por dia quando estiver pronto. O orçamento previsto é de R$ 361 milhões. A prefeitura já liberou R$ 9 milhões e o restante virá do governo federal. Mas, considerando o período desde sua concepção, o BRT TransBrasil vai custar R$ 1,89 bilhão.