Pernambuco e o Brasil precisam de mais punições como a da Tragédia da Tamarineira, colisão provocada por um motorista bêbado que deixou três mortos no Recife. Nela, o condutor foi condenado por um júri popular a 29 anos, 4 meses e 24 dias de prisão em regime fechado por homicídio com dolo eventual e tentativa de homicídio, ambos qualificados.
Impunidade ainda predomina nos casos de crimes de trânsito
E mais: João Victor Ribeiro de Oliveira também teve a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) cancelada definitivamente. Nunca mais poderá assumir um volante.
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Além de precisar, o País reúne casos semelhantes que esperam por punições semelhantes. E o julgamento na 1ª Vara do Tribunal do Júri do Recife fortaleceu a expectativa e a esperança de que isso aconteça mais vezes.
Que, como afirmou o advogado Miguel da Motta, pai de três das cinco vítimas - entre mortos e feridos -, que a jurisprudência criada com a decisão do Tribunal do Júri seja replicada pelos tribunais do País. E que ajude delegados da Polícia Civil, promotores e juízes brasileiros a enxergar crimes de trânsito da mesma forma.
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Espera-se, ao menos, que esses casos sejam vistos com mais rigor e menos benevolência pela sociedade. Que sejam vistos como homicídios pelo dolo eventual - quando quem mata não quer matar, mas assume o risco com suas atitudes.
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Essa, aliás, é a grande luta de todos que vivenciam a violência no trânsito brasileiro, ainda uma máquina de matar no País. Em 2020, segundo o DataSUS (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde), 31.088 pessoas morreram nas ruas, avenidas e estradas brasileiras.
Uma máquina que já matou quase 45 mil em 2012, 2013 e 2014, vale ressaltar -, mutila e sequela outras 500 mil. E que custa, por tudo isso, R$ 132 bilhões por ano à sociedade brasileira.
A família da socióloga Marina Kohler Harkot, de 28 anos, pesquisadora e cicloativista atuante, atropelada e morta em novembro de 2020, enquanto pedalava em Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo, é uma das muitas que têm esperança de ver uma punição parecida para o condutor que a matou e fugiu sem prestar socorro.
“O trânsito brasileiro é uma guerra que não damos atenção. Só a percebemos quando somos vítimas dela, de alguma forma. Quando perdemos alguém de forma brutal, como aconteceu com a Marina. Perdi minha filha de forma estúpida, desnecessária, por um motorista alcoolizado, que não prestou socorro”, desabafa o oceanógrafo Paulo Harkot, pai de Marina.
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E segue: “Um motorista que fugiu do local sem ao menos se dignar a ver o que tinha acontecido, o que poderia ter sido feito por uma pessoa ferida. Talvez um socorro salvasse a minha filha”, lamenta.
Para o pai, por todo esse relato, é impossível não alimentar esperanças após o julgamento do caso da Tamarineira. “O julgamento foi emblemático. O caso chama atenção pela violência”, diz.
Mas ele e a família, assim como muitas outras que perderam pessoas para motoristas alcoolizados ao volante e/ou condutores que desrespeitam a velocidade limite das vias, também sabem o quanto desafiador é e será fazer valer a jurisprudência criada com o caso da Tamarineira.
“O fato de o condutor ter fugido o beneficiou porque não foi feito o teste de alcoolemia. Hoje, a defesa dele alega que não há prova de que estava alcoolizado, mesmo com fotos e comprovantes de consumo de bebida alcoólica. Infelizmente, muitos dos casos de crimes de trânsito são vistos como homicídio culposo (sem intenção), o que é lamentável”, afirma.
Paulo Harkot lembra que, assim como o caso da Tamarineira, a repercussão dos casos, criando uma comoção nacional, é que ajuda nos processos. O motorista segue livre.
“Não estou dizendo que não seriam feitos com a mesma dedicação, mas as perícias técnicas do caso da minha filha foram muito bem feitas. E sabemos que a comoção que o caso gerou no País, pela Marina ser uma ativista da mobilidade sustentável muito atuante e conhecida, ajudou demais. Houve uma pressão popular que ajuda. Mas nem sempre é assim”, diz.
Mesmo assim, o inquérito policial do caso foi finalizado com o indiciamento do condutor por homicídio culposo e revertido para o doloso (por dolo eventual) pelo Ministério Público de São Paulo. “Agora estamos na fase das audiências e, acredito que em breve, teremos um posicionamento da juíza que está com o caso: se ele responderá perante um Tribunal do Júri ou não”, explica.
“É isso que a gente espera, que queremos, e que a sociedade precisa. O Brasil precisa. Não temos raiva nem queremos vingança. Queremos que ele pague pelo que fez. Precisa arcar com as consequências do que fez. Nada trará a Marina de volta. Mas vivemos em sociedade e precisamos de regras. Por isso, transformamos nosso luto em luta. Como disse o pai Miguel da Motta, para que outras pessoas não passem pelo que passamos e vamos enfrentar ainda”, finaliza Paulo Harkot.
Julgamento
"Não é a expectativa social da prisão que vai determinar ao juiz a decretação da prisão". Essa é a avaliação da juíza Fernanda Moura, responsável pelo Caso Tamarineira, sobre a pressão da sociedade em torno do recente julgamento.