A doméstica Mirtes Renata de Souza agradeceu, através de um vídeo, as quase 3 milhões de assinaturas em um abaixo-assinado que cobra justiça pelo seu filho Miguel, que morreu em junho deste ano após cair de um edifício de luxo no Centro do Recife. Nesta quinta-feira (3), ocorre a primeira audiência de instrução e julgamento do caso, que tem como ré a empresária Sarí Corte Real, acusada pelo crime de abandono de incapaz com resultado morte.
A petição foi aberta na plataforma Change.org pela estudante Dani Brito, de 22 anos, residente no Recife, um dia depois da morte de Miguel, e tem Mirtes como coautora. A intenção é cobrar a responsabilização de Sarí, então patroa de Mirtes, intensificar a pressão nas autoridades para uma conclusão rápida e isenta do caso, com a adoção das medidas criminais, cíveis e trabalhistas cabíveis e protestar contra os “injustificáveis meses de lentidão”.
“Às quase 3 milhões de pessoas que assinaram a petição online da Change.org, eu sou eternamente grata, de coração, por estarem comigo nessa luta. Eu não me sinto só, eu sei que tem quase 3 milhões de pessoas junto comigo. Conto com vocês para que continuem assinando e divulgando para que o judiciário veja que não sou só eu que quero justiça por Miguel, mas vocês também querem”, afirma no depoimento.
Segundo o Change.org, o abaixo-assinado - disponível neste link - chegou à marca de 1 milhão de assinaturas em apenas um dia. Em 48 horas, já havia dobrado de tamanho. A petição é a maior já criada sobre um tema racial em toda a história da Change.org no Brasil, além de ser a segunda que mais engajou pessoas neste ano na plataforma, no país, atrás apenas de “Justiça Por Mari Ferrer”.
“A justiça do nosso país para os ricos é branda, para nós que somos negros, pobres, periféricos, ela é extremamente pesada. Se tem lei nesse país, tem que ser igual para todos. Eu estou nessa luta para que as leis desse país sirvam também para Sari Corte Real”, diz Mirtes. O desabafo consta de um vídeo inédito gravado pela trabalhadora doméstica para falar sobre o apelo dos milhões de brasileiros e brasileiras que se uniram a ela no abaixo-assinado.
A coluna Ronda JC, comandada por Raphael Guerra, informou que a empresária Sarí sentará no banco dos réus na próxima quinta-feira (03). Além dela, testemunhas de acusação e de defesa serão ouvidas na audiência de instrução e julgamento do caso que chocou o País. A audiência começará a partir das 9h, na 1ª Vara de Crimes contra a Criança e o Adolescente da Capital, no bairro da Boa Vista. Não será permitida a presença da imprensa nem de pessoas que não foram convocadas para prestar depoimento.
Apesar de ser um processo público, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) se negou a informar quantas pessoas serão ouvidas. A assessoria do órgão alegou que “a decisão do Juízo leva em consideração a preservação da identidade e a privacidade das pessoas que vão testemunhar na referida audiência, pessoas estas que, inclusive, não configuram partes no processo”.
A coluna apurou que mais de dez testemunhas serão ouvidas. A mãe, Mirtes Souza, e avó do menino, além de funcionários do Edifício Píer Maurício de Nassau, onde ele morreu, estão entre as pessoas convocadas para a audiência.
No mesmo dia, um ato de protesto por justiça a Miguel está previsto para ocorrer em frente ao Centro Integrado da Criança e do Adolescente (CICA), prédio onde está localizada a 1ª Vara. Mirtes espera que o poder judiciário seja pressionado a dar mais atenção ao caso de seu filho e que a condenação e prisão de sua ex-patroa aconteçam.
“É uma dor que eu vou levar para o resto da vida, mas só que a impunidade não vai ocorrer porque Miguel tem mãe, e o meu nome é Mirtes Souza”, declara a trabalhadora doméstica no vídeo divulgado pela plataforma Change.org. “Justiça por Miguel”, clama ao final.
O ato é organizado pela Articulação Negra de Pernambuco, pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP) e pelo Instituto Menino Miguel, que vêm apoiando a luta de Mirtes e sua família ao longo do processo. Segundo o Change.org, devido a pandemia da covid-19 participarão apenas familiares, amigos, artistas e representantes do movimento negro e de outros movimentos sociais e populares.
Miguel morreu na tarde de 02 de junho deste ano. Na ocasião, Sarí estava responsável pela vigilância do menino, enquanto a mãe dele passeava com o cachorro da patroa.
A perícia realizada pelo Instituto de Criminalística no edifício constatou, por meio de imagens, que Sarí apertou o botão da cobertura, antes de deixar a criança sozinha no elevador. Ao sair do equipamento, no nono andar, o menino passa por uma porta corta-fogo, que dá acesso a um corredor. No local, ele escala uma janela de 1,20 m de altura e chega a uma área onde ficam os condensadores de ar. É desse local que Miguel cai, de uma altura de 35 metros.
Sarí Corte Real, ex-patroa da mãe de Miguel, é esposa do prefeito de Tamandaré, Sérgio hacker (PSB). Na época do caso, Mirtes e a avó de Miguel trabalhavam na casa do prefeito, mas recebiam como funcionárias da prefeitura. A informação foi revelada pelo Jornal do Commercio.
Após a denúncia, MPPE instaurou uma investigação, descobriu que outra empregada doméstica da família também era funcionária fantasma da prefeitura, e a Justiça determinou o bloqueio parcial dos bens de Hacker. O MPPE descobriu ainda que a mãe e a avó de Miguel ganhavam até gratificação por produtividade, mesmo sem trabalharem na prefeitura, como revelou um documento obtido pela coluna Ronda JC.
A assessoria do MPPE disse que o caso segue sob investigação e que os promotores responsáveis por enquanto não vão comentar o processo.