Todos nós gostaríamos de receber e compartilhar a notícia de que a pandemia de covid-19 acabou ou está perto do fim. Mas ainda é muito cedo para afirmar que, a curto prazo, será decretado o fim da crise sanitária. Com esse detalhe concordam três especialistas ouvidos nesta reportagem, que repercutem a fala do epidemiologista Karl Lauterbach (futuro ministro da Saúde da Alemanha). Ele iniciou a semana comentando que a falta de indícios de casos graves de covid-19 e mortes associadas à variante ômicron pode torná-la um "presente de Natal antecipado".
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A declaração, em meio ao alerta e à tensão provocada pela ômicron no mundo, gerou polêmica entre cientistas, pesquisadores, profissionais e autoridades de saúde. "Afirmar que a nova variante é um presente de Natal é algo estapafúrdio. As doenças não podem ser comparadas a presente. Doença é doença, qualquer que seja o nível de gravidade dela. Por mais que as autoridades mundiais estejam preocupadas em dar por encerrada a pandemia, o vírus não dá sinais de estar acompanhando esse desejo", opina a médica epidemiologista Ana Brito, pesquisadora da Fiocruz Pernambuco.
Também ao traçar comentários sobre o momento atual da pandemia, com o avanço da ômicron, o cientista americano Anthony Fauci (principal assessor médico do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden) afirmou esta semana que os primeiros indícios sugerem que a variante não é pior do que as anteriores. E mais: ele disse que possivelmente a ômicron é mais branda.
Então, por que a Organização Mundial de Saúde (OMS) deu à ômicron o título de variante de preocupação? Teria sido precipitado? Não, foi prudente. Afinal, mais de 50 mutações foram detectadas na variante ômicron, o que pode ter impacto na forma como o vírus se propaga e na gravidade da doença. Além disso, 32 dessas mutações estão na superfície do vírus - ou seja, na proteína spike, que é a “chave” para entrar na célula humana. Outro detalhe a ser considerado é que algumas dessas mutações são inéditas; nunca ocorridas em outra variante. Adicionado a tudo isso, há o fato de que a ômicron possibilita uma chance de reinfecção três vezes maior, em comparação a cepas anteriores, segundo estudo conduzido na África do Sul.
Nesta terça-feira (7), contudo, o diretor regional da OMS para a Europa, Hans Kluge, foi enfático: "Ainda não se sabe como e se a última variante, ômicron, será mais transmissível ou mais ou menos grave". Na África do Sul, onde a cepa é responsável pela maioria das novas infecções pelo coronavírus, os médicos relataram que os casos causados pela ômicron têm sido leves, mas alertam que ainda são os primeiros dias (da ocorrência das infecções) e, por isso, as avaliações são limitadas.
Dessa maneira, os especialistas ressaltam que ainda são necessárias mais e mais semanas para que seja batido o martelo sobre a gravidade da cepa. "Estima-se que sejam necessários 30 dias para avaliar o impacto da nova variante", diz o médico sanitarista Tiago Feitosa, professor do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Se for considerado que ela foi identificada, pela primeira vez, em 24 de novembro, seria possível conhecer bem os seus efeitos no fim deste mês. "É um período necessário para ver como se comporta a primeira onda da ômicron. Outro dado que já se verifica é o aumento no número de internações na África do Sul, em função da nova variante. Então, esse argumento de se ter apenas casos leves não necessariamente é o que se tem sido visto onde ela foi notificada; pelo menos, por enquanto", acrescenta Tiago.
Vacinas protegem contra ômicron?
O diretor de emergências da OMS, Michael Ryan, declarou, nesta terça-feira (7), que "não há razão para duvidar" da eficácia das vacinas contra a ômicron. "Temos vacinas muito eficientes que provaram seu poder contra as variantes até agora, em termos de gravidade da doença e de hospitalização, e não há nenhuma razão para pensar que não será assim com a ômicron", disse. Ele destacou que, desde o dia em que foi detectada, a nova variante já foi identificada em 40 países.
Para o epidemiologista Rafael da Silveira Moreira, professor do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a cepa representa um cenário preocupante: de países com baixa taxa de cobertura vacinal. "Nada nos livra de que outras variantes possam surgir com poder maior de agressividade, de causar sintomas mais graves nos infectados. Ômicron nos ensina que países com baixas coberturas vacinais são laboratórios naturais para o surgimento de outras variantes, que até possam levar a um panorama de gravidade, com risco de a pandemia ressurgir nas suas facetas mais trágicas", frisa Rafael, que também é pesquisador da Fiocruz Pernambuco.
Não é um gripe; longe disso
A epidemiologista Ana Brito sublinha que, diferentemente do que muito tem se imaginado, "não dá para dizer que a ômicron, ainda que se mostrasse evoluir com formas menos graves, está virando uma gripezinha. Não dá para cometer os mesmos erros praticados no começo da pandemia, quando nada se sabia". A médica acrescenta que a ciência já avançou no conhecimento sobre o coronavírus, mesmo que se tenha que saber mais. "Cada variante desta instiga novas possibilidades de estudos e de nos mostrar que ainda precisamos saber mais sobre o coronavírus", conclui.