O governo de Pernambuco promoveu dois tenentes-coronéis acusados de darem ordens para a sequência de assassinatos ocorridos em Camaragibe, no Grande Recife, após as mortes de dois PMs em setembro do ano passado. Os nomes de Fábio Roberto Rufino da Silva e Marcos Túlio Gonçalves Martins Pacheco fazem parte de uma lista de 34 promoções publicadas na edição do Diário Oficial do Estado desta quinta-feira (25).
Na época do crime, que ficou conhecido nacionalmente como a Chacina de Camaragibe, Fábio era comandante do 20º Batalhão da PM, responsável pelo policiamento ostensivo na cidade. Já Marcos Túlio ocupava o segundo posto de comando da inteligência da PM.
Ambos são réus por triplo homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e sem chance de defesa das vítimas) e estão afastados das funções públicas por determinação da Justiça.
No Diário Oficial consta que as promoções ao posto de coronel foram "requeridas" pelos militares. E concedidas com efeito retroativo a 1º de julho.
A defesa de Fábio afirmou, em nota, que a promoção faz parte da rotina da Polícia Militar. "Não é um prêmio. Eles pediram passagem para a reserva, por haverem completado o tempo de serviço. E, nesse caso, têm direito à promoção para o posto seguinte", afirmou.
Em entrevista exclusiva à coluna Segurança, em março deste ano, Fábio Roberto negou qualquer participação na sequência de assassinatos. "A verdade irá chegar", declarou na ocasião.
A assessoria de comunicação da Secretaria de Defesa Social (SDS) declarou, em nota, que "a promoção em questão não foi por mérito ou bravura, mas sim um direito assegurado por lei, desde que o tempo estipulado seja cumprido".
"O ato cumpriu a estrita observância dos Princípios da Moralidade e da Legalidade, conforme art. 37, da Constituição Federal, já que foram publicados de acordo com o que preconiza a Lei Complementar nº 460/2021, a qual assegura o direito ao militar do Estado, que possuir, nos termos da legislação, tempo de serviço com contribuição e de natureza militar no Estado de Pernambuco", disse a nota.
"A referida lei apenas menciona como impedimento o fato do militar estar em cumprimento de pena aplicada por sentença criminal transitada em julgado. E, como os processos em curso, seja na esfera administrativa ou criminal, não foram concluídos ou transitados em julgado, não houve impeditivo legal para os servidores ascenderem em suas patentes militar", completou a pasta.
EXECUÇÕES
A sequência de assassinatos teve início após as mortes do soldado Eduardo Roque Barbosa de Santana, de 33 anos, e do cabo Rodolfo José da Silva, 38, que foram até o bairro de Tabatinga verificar a denúncia de que o vigilante Alex da Silva Barbosa estaria em cima de uma laje realizando disparos de arma de fogo, na noite de 14 de setembro de 2023.
Quando os policiais chegaram ao local, houve troca de tiros com o vigilante, que teria feito Ana Letícia Carias da Silva, de 19 anos, de escudo humano. Os dois PMs morreram, e Alex conseguiu fugir. Além de Ana (que morreu semanas depois no IMIP), o primo dela, de 14 anos, foi baleado, mas sobreviveu.
Horas depois, durante a caçada a Alex, familiares dele foram mortos. Para o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) a chacina se tratou de uma "operação vingança" dos policiais militares após os assassinatos dos colegas de farda.
"Os denunciados tenente-coronel Marcos Túlio e tenente-coronel Rufino convocaram os denunciados e outros policiais, de serviço e de folga, para reunião realizada nas proximidades da FOP (Faculdade de Odontologia de Pernambuco), tendo estes sido propositalmente orientados e autorizados a comparecerem ao local em veículos sem placas, viaturas descaracterizadas, com vestimentas à paisana, utilizando balaclavas, fortemente armados, com armas 'cabrito' (não-oficiais), para realizarem a missão de caçada a Alex e seus familiares, no intuito de matá-los, em vingança à morte dos dois policiais", descreveu o MPPE, em denúncia enviada à Justiça.
Diálogos obtidos por meio da quebra dos sigilos telefônico e telemático de parte dos investigados mostram que alguns deles comemoraram as mortes de parentes de Alex. "Tô feliz, tem que ser assim", disse uma das mensagens. Os diálogos, anexados ao processo, foram revelados com exclusividade pela coluna Segurança.
Foram executados a tiros três irmãos de Alex, identificados como Ágata Ayanne da Silva, 30, Amerson Juliano da Silva e Apuynã Lucas da Silva, ambos de 25. Ágata chegou a transmitir ao vivo, por meio do Instagram, o crime. Ela e Amerson morreram na hora. Apuynã faleceu após ser socorrido e encaminhado para o Hospital da Restauração, no Recife.
Por volta das 9h do dia 15, os corpos da mãe de Alex, Maria José Pereira da Silva, e da esposa dele, Maria Nathalia Campelo do Nascimento, foram achados num canavial na cidade de Paudalho, Mata Norte do Estado. Duas horas depois, Alex foi morto em Tabatinga.
DOZE POLICIAIS VIRARAM RÉUS
Em março deste ano, o MPPE denunciou 12 policiais militares - incluindo Fábio Roberto e Marcos Túlio -, após a conclusão das investigações referentes às mortes dos irmãos de Alex. A Justiça aceitou a denúncia e todos os acusados se tornaram réus. Cinco seguiram presos preventivamente e os outros sete foram afastados das funções.
Além de Fábio Roberto e Marcos Túlio, estão afastados o 1º tenente João Thiago Aureliano Pedrosa Soares, o soldado Diego Galdino Gomes, a cabo Janecleia Izabel Barbosa da Silva, o 2º sargento Eduardo de Araújo Silva e o 3º sargento Cesar Augusto da Silva Roseno.
Estão presos preventivamente o soldado Paulo Henrique Ferreira Dias, a soldado Leilane Barbosa Albuquerque, o soldado Emanuel de Souza Rocha Júnior, o cabo Dorival Alves Cabral Filho e o cabo Fábio Júnior de Oliveira Borba.
INVESTIGAÇÃO DE MORTE DE ALEX FOI ARQUIVADA
No começo deste mês, a pedido do MPPE, a Justiça arquivou o inquérito relacionado à morte de Alex.
Segundo o inquérito, depois do crime contra os dois PMs, Alex permaneceu foragido até a manhã do dia seguinte, quando foi encontrado por militares novamente no bairro de Tabatinga. Houve um confronto, com troca de tiros, e o vigilante acabou baleado e morto. Para os investigadores, houve a legítima defesa.
Na decisão pelo arquivamento, a juíza Marília Falcone Gomes pontuou que, antes de ser morto, Alex resistiu à prisão e chegou a atirar em três policiais - um baleado no ombro direito, outro na cabeça e outro nas costas.
DUAS INVESTIGAÇÕES EM ANDAMENTO
O GOE e o MPPE seguem colhendo provas para concluir dois inquéritos. Um deles diz respeito à dinâmica que resultou nas mortes dos dois PMs e da mulher grávida. Os investigações querem confirmar se Alex agiu sozinho ou se houve a ajuda de outra pessoa.
Uma reprodução simulada foi realizada no local do crime, mas o resultado ainda não foi apresentado.
O último inquérito tenta identificar os autores dos assassinatos da mãe e da esposa de Alex.