Problema do Uber é bem maior que preço do combustível (e você paga a conta); entenda outros fatores

Preço da gasolina não é o problema dos usuários e motoristas da Uber e 99. Truques de contabilidade e falsas promessas estão na raiz do problema.
Guilherme Ravache
Publicado em 15/09/2021 às 12:00
A empresa Uber atualizou as políticas e regras relativas ao uso da proteção facial pelos passageiros e motoristas Foto: FELIPE RIBEIRO/ JC IMAGEM


Diante da crescente insatisfação de usuários e motoristas de aplicativos de transporte como Uber e 99, semana passada uma série de reportagens apontou a alta do preço dos combustíveis como causa do problema. De um lado, motoristas cancelam as corridas para não perderem dinheiro; de outro, passageiros têm de esperar cada vez mais para serem atendidos.

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Mas não é de hoje que o preço dos combustíveis varia no Brasil. Aliás, já vivemos até hiperinflação. E mais, não é somente por aqui que as reclamações contra o Uber e 99 se tornam recorrentes. O fenômeno é global. Então, o que mudou? E o que aconteceu com a promessa de que os preços do Uber seriam cada vez menores à medida que a empresa crescesse e robôs assumissem o comando dos carros?

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Nos Estados Unidos, onde os problemas do Uber se repetem, o jornalista Cory Doctorow explica assim a situação:

“O Uber nunca seria lucrativo. Nunca. Ele atraiu motoristas e passageiros para os carros, subsidiando viagens com bilhões e bilhões de dólares da família real saudita (que investiu no Uber), mantendo o tagarelar sempre mutante do vigarista sobre como tudo isso um dia se sustentaria sozinho.

Como a pretensão de que carros autônomos eliminariam todos os custos de mão-de-obra. Eles sabiam que isso nunca aconteceria. Eles gastaram bilhões em um esforço condenado, então tiveram que subornar outra empresa com um “investimento” de US$ 400 milhões para manter a fachada.

O Uber não precisava de carros autônomos - precisava que pensássemos que teria carros autônomos. Dessa forma, os proprietários sauditas da empresa poderiam levantar capital de investimento de "investidores" subsequentes (também conhecidos como "otários") até o IPO, sacar dinheiro e ir embora, assobiando inocentemente.

Essa é a bomba em ação - uma operação deslumbrante que mantém o novo dinheiro fluindo, convencendo as pessoas de que uma pilha de porcaria deste tamanho deve ter um pônei embaixo dela. Mas com o passar dos anos, as histórias que o Uber nos contava sobre seu caminho para a lucratividade foram ficando cada vez mais fantasiosas”.

Ou seja, o Uber não é sustentável. Apesar dos aumentos de preços e mesmo 12 anos após sua fundação, o Uber ainda perde dinheiro. Como observa o analista Hubert Horan, a margem de lucro da empresa foi de -38% no primeiro semestre deste ano. O Uber também apresenta fluxo de caixa negativo. Isso porque a empresa usa um "EBITDA ajustado" que deixa a conta “menos pior” ao excluir muitas despesas que não deveriam ser excluídas (como a compensação baseada em ações de funcionários). Para muitos, o Uber basicamente usa truques fiscais para melhorar sua contabilidade.

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Negócios da China

Já a dona da 99, a Didi, detém 90% do mercado de aplicativos de transporte na China.
Mas estava em posição financeira complicada mesmo antes da pandemia. A empresa estava tão afoita para abrir seu capital e receber o dinheiro dos novos acionistas que seguiu com sua oferta na bolsa de Nova York mesmo contrariando as orientações do governo chinês. Como punição, o governo de Pequim tirou o app da Didi das lojas de aplicativos e proibiu a empresa de aceitar novos clientes. Outras punições e medidas seguem sendo avaliadas.

Para quem imagina que a entrada dos apps de transporte no segmento de entregas seja uma saída, os números não são animadores, como apontei meses atrás já prevendo uma alta de preços.

O problema é enorme. Os bilhões gastos ao longo dos anos para dominar o mercado trouxeram novos problemas. Os táxis eram caros, mas existiam como alternativa viável. Hoje, sumiram de vista. O Uber ainda aumentou o trânsito nas grandes cidades e criou um "desincentivo" para governos investirem em transporte público de massa, já que o futuro era o "transporte individual de massa". Agora, quem tinha carro já começa a reavaliar a decisão.

A lógica dos investidores era que quando o Uber e Didi ficassem suficientemente grandes (monopólios), teriam escala para cobrar mais e retornar o dinheiro dos investidores em valores ainda maiores. A questão é que fica cada vez mais claro que esse mercado de apps de transporte é um ralo de dinheiro e qualquer competidor em 5 ou 10 anos pode substituir o Uber ou Didi. O app não faz diferença. São os mesmos carros e motoristas, não há diferença de uma plataforma para outra. E à medida que cresce a descrença dos investidores, cresce a pressão por lucro nessas empresas.

O mercado irá se adaptar. Mas os preços das corridas vão seguir subindo até começarem a atrair novos competidores, quando o mercado novamente deverá encontrar o equilíbrio.

Robôs se perdem no caminho

Outra alternativa é uma empresa lançar táxis robôs, mas o Uber e a 99 não vão liderar esse mercado. Isso de fato permitiria uma grande redução de custos, já que o motorista ainda é a maior “despesa”. Mas fica cada vez mais claro que veículos totalmente autônomos ainda estão há muitos anos de distância. No Brasil, (pense em nossas estradas) possivelmente décadas.

O Uber afirmou que o preço do combustível “foge do controle” da empresa, mas tem atuado para amenizar o impacto no bolso dos motoristas. Já a concorrente 99 irá zerar a taxa de intermediação cobrada dos motoristas em determinadas viagens. Mas não se iluda, sem subsídios o Uber, 99 e qualquer app de transporte precisará subir os preços, diminuir os salários dos colaboradores ou ambos. Chegou a hora do Uber e da 99 pagarem a conta, e eles querem o seu dinheiro para isso.

 

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