Quase quatro meses após a paralisação total das atividades, o turismo em Pernambuco volta a ganhar fôlego, especialmente com a reabertura das praias em todo o litoral. Ao contrário das previsões mais pessimistas, que chegavam a apontar um ano perdido para o setor, hotéis, operadoras e agências de viagens já registram reservas para o segundo semestre em um ritmo crescente no segmento de lazer. Sabe-se que até recuperar patamares pré-pandemia, será preciso paciência. Mas a percepção geral, confirmada por diferentes pesquisas, é que o longo período de isolamento social despertou ainda mais a vontade de viajar. Um sonho alimentado por pessoas com distintos níveis de renda.
É o que revela a Vai Voando, agência do grupo Flytour voltada principalmente à classe C. Como ocorreu em todas as áreas, a empresa viu as vendas despencarem durante a pandemia, mas já alcançou em junho 66% do faturamento do mesmo mês do ano passado e a previsão é fechar julho com 72%. Entre os destinos mais populares, Recife aparece em segundo lugar, depois de Fortaleza.
A capital pernambucana é destaque também em levantamento da plataforma Hotéis.com, respondendo por 23% da preferência dos turistas brasileiros.
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O estudo ainda mostra que a maioria dos entrevistados (70%) passou a valorizar mais o turismo após a quarentena, enquanto metade afirma que pretende viajar com maior frequência após o fim das restrições.
Essa retomada, no entanto, se dá em novas bases, em que a segurança sanitária tornou-se prioridade. Seja para onde for, entre os itens indispensáveis na bagagem, despontam álcool em gel (81%), seguro viagem (66%) e máscara (60%). Os cuidados com higiene passaram a ser os mais observados pelos clientes na hora de escolher um lugar para passar as férias.
Vão se sobressair, portanto, destinos e equipamentos que adotarem protocolos rígidos e conseguirem transmitir uma imagem de prevenção efetiva à covid-19. Na outra ponta, é preciso que o visitante também seja consciente em cumprir as regras.
Nesse sentido, os números decrescentes de contaminação e mortes pelo novo coronavírus no Recife, aliados às campanhas de divulgação em redes sociais, ajudam a justificar o interesse pela cidade, ressalta a secretária de Turismo municipal, Ana Paula Vilaça.
Com o dólar acima dos R$ 5, a redução do poder de compra trazida pela crise e a proibição da entrada de turistas do Brasil na Europa e Estados Unidos, outra tendência que se consolida é a de viajar dentro do País. De preferência, de carro, para locais perto de casa e com preços mais em conta.
Foi o que fez a servidora pública Ana Flávia Dantas, 42 anos, quando as praias foram liberadas em Pernambuco. Na primeira saída depois da quarentena em home office, ela decidiu ir com a mãe, 68, e a filha, 8, para uma pousada em Tamandaré. “Fiquei tensa de início por causa da minha mãe idosa, mas logo relaxamos, quando vimos que tudo estava sendo feito da maneira correta. Passamos uma semana entre o bangalô e o mar. A limpeza era feita a cada três dias, quando estávamos fora, e praticamente não tivemos contato com ninguém”, destaca Ana, que logo pretende dar outras escapadas, se a curva de infecção continuar a cair. “Somos privilegiados de morar num Estado com opções de turismo maravilhosas”, ressalta.
Porto de Galinhas, no Litoral Sul, já sente os efeitos dessa mudança de comportamento. O principal destino turístico do Estado figura em duas pesquisas, da Booking.com e da Omnibees, como um dos cinco locais mais desejados para descanso nos próximos meses.
A intenção tem se concretizado em um volume “surpreendente” de diárias no Summerville Beach Resort, de acordo com a gestora executiva de Marketing e Vendas da rede Pontes Hotéis & Resorts, Carol Pontes.
Um dos primeiros a reabrir, em 9 de julho, o empreendimento já registra ocupação de 35%, mas com a perspectiva de alta até o fechamento do mês. “Muitas compras estão sendo realizadas de última hora”, pontua Carol, detalhando que 40% dos hóspedes são de Pernambuco, 25% do restante do Nordeste e 35% de outras regiões do Brasil. Os percentuais revelam uma inversão comparados ao do período pré-pandemia, quando 75% dos viajantes de Porto vinham do Sul, Sudeste e Centro-Oeste e até 7% de outros países.
O retorno ao perfil anterior só deve ocorrer a partir do fim do ano, acredita o vice-presidente da Associação de Hotéis de Porto de Galinhas, Otaviano Maroja. “Até setembro, nosso público será do Recife, interior e dos Estados próximos, como Alagoas e Rio Grande do Norte, com ocupação média de 40%”, prevê o empresário, que dirige o Vivá Resort e o Hotel Solar, primeiros nas categorias resort e hotel de praia a receber o selo Safe Travel do Conselho Mundial de Viagens e Turismo.
Em meio às perdas estimadas em pelo menos R$ 1 bilhão e demissão de 40% dos trabalhadores durante a pandemia em toda a cadeia turística do destino, Maroja estima que somente em 2021 será possível falar em recuperação. Isso a depender do ritmo de desenvolvimento de uma vacina. No Estado, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) calcula um prejuízo de R$ 3,54 bilhão até junho. Por outro lado, o setor em Pernambuco já apresentou crescimento de 7,9% em maio, acima dos 6,6% do País. “Há muito trabalho a fazer, mas estamos otimistas”, afirma Maroja.
O hoteleiro lembra que a adaptação ao “novo normal” exigiu investimentos em produtos de padrão hospitalar, que elevaram os custos em 20% e não puderam ser repassados para o valor das diárias. Pelo contrário, os preços estão ligeiramente mais baixos e com possibilidade de reembolso total até 20 de dezembro, em caso de desistência.
As buscas intensas para o réveillon, em contrapartida, podem antecipar pelo menos a esperada ocupação de 100%.
Esse é o horizonte vislumbrado também pela proprietária do Pontal dos Carneiros Beach Bungalows, Christiana Rocha. “Em dezembro, já devemos ter um faturamento parecido com o de antes da crise. Começamos com um hóspede no primeiro fim de semana de funcionamento (em 1º/7) e agora caminhamos para 70%”, comenta, destacando que a área ao ar livre, treinamento constante da equipe e preocupação em seguir à risca os protocolos têm sido os diferenciais. “Todos os clientes, sem exceção, perguntam pelas medidas sanitárias antes de vir. Explicamos tudo e somos o mais transparente possível”, pontua Christiana, consciente de que é da sensação de segurança do hóspede e da avaliação dele que depende a retomada sustentável do setor.
Do mesmo princípio parte a Pousada Luar, em Igarassu, no Litoral Norte. “Temos chalés individuais e muito espaço verde, que permite ficar à vontade. A procura tem sido grande, chegando a 70% nos sábados e domingos e até 30% durante a semana”, conta a proprietária, Joelma Alves da Costa. Assim como no Litoral Sul, a empresária ressalta que o perfil do hóspede ainda é preponderantemente regional.
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No caso dos pacotes de turismo, a procura maior é para o fim do ano. “Por enquanto, as pessoas só têm ido até onde se sentem seguras de voltar rápido, caso haja qualquer imprevisto. A maior parte fica em hotéis, perto da praia, sem aglomeração. Passeios em ônibus e vans não devem ocorrer tão cedo, apesar de já termos os protocolos”, avalia o proprietário da Martur Viagens, Marcos Teixeira, contabilizando este mês um movimento médio de 10% do registrado em julho de 2019. Para ele, o número já representa uma reação, mas só com o aumento da oferta de voos será possível “vender como antes”.
Também é o que espera o proprietário da operadora Agaxtur, Jameson Nascimento. “Creio que até dezembro teremos 60% a 70% da malha restabelecida, o que nos dará condições de levar o passageiro à Serra Gaúcha e receber os que estão buscando Porto de Galinhas”, projeta, elencando os destinos que lideram as vendas.
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À ampliação das frequências está condicionado, ainda, o impulso do turismo de negócios, acrescenta o franqueado da Flytour e presidente em Pernambuco da Associação Brasileira das Agências de Viagens (Abav-PE), Marcelo Waked.
De acordo com dados da Aena, que administra o Aeroporto do Recife, a movimentação na primeira quinzena de julho foi em torno de 80% inferior a do mesmo período do ano passado. Em todo o Brasil, são 180 rotas ativas, o que corresponde a 30% dos trechos existentes antes da crise. Atualmente, o Estado conta com conexão para 19 destinos nacionais, 14 a menos que antes da crise, segundo a Empetur.
Em relação às rotas internacionais, das 12 que havia no início de março, nenhuma ainda foi restabelecida. O aumento das rotas dentro do País, no entanto, tem ocorrido de forma progressiva. Entre junho e julho, o número de voos no Aeroporto do Recife quase dobrou, de 30 para 58. Para agosto, a Azul, que opera um hub no terminal, anunciou um aumento de 22 para 26 voos nos dias de pico, cobrindo 18 destinos. Latam e Gol ainda não detalharam a malha do próximo mês.
As companhias justificam que a maior oferta depende da demanda trazida pela recuperação da confiança do passageiro em voar. O nutricionista Luciano Bruno, 40, é um dos que venceram o medo. Na semana passada, ele e o marido vieram de São Paulo para umas “miniférias” no Pontal dos Carneiros. “Usamos máscara o tempo inteiro, há adesivos no chão que marcam o distanciamento e dentro do avião o ar é constantemente renovado. Foi uma experiência parecida como ir ao supermercado”, compara.
Já na pousada, Luciano conta que se sentiu tranquilo com as medidas de segurança, apesar do estranhamento inicial. “É um novo a que não estamos acostumados. Por exemplo, não ver o rosto e o sorriso das pessoas porque estão de máscara. O open drink agora é no quarto e não há mais aquela mesona posta cheia de comida nordestina. As porções são individualizadas”, descreve o nutricionista, que pretende voltar em breve ao Estado. Por via das dúvidas, Luciano diz que fez o exame para detectar uma possível infecção pelo coronavírus um dia antes de embarcar e um dia após o retorno. Ambos apresentaram resultado negativo.