Neste ano de 2020, três efemérides de importantes autores brasileiros vêm sendo amplamente celebradas. Todos eles, inclusive, tiveram uma relação pessoal muito especial e indissociável de sua obra com Pernambuco: os centenários João Cabral de Melo Neto e Clarice Lispector e o sociólogo Gilberto Freyre que, no último mês de março, teria completado 120 anos.
Este último é, sem dúvida, também o mais polêmico. Como continuar lendo Freyre, autor de análises das relações sociais brasileiras que são até hoje reverenciadas por muitos e rejeitadas por tantos outros, em pleno século 21? Seus escritos ainda são válidos para contribuir com o debate das questões raciais que se encontram hoje no epicentro dos debates da vida social e digital?
Para quem se interessar por essa temática e ainda não tem conhecimento do pensamento freyriano, uma boa introdução à sua vida e obra é O Brasil de Gilberto Freyre, do jornalista e escritor Mário Hélio, à frente também da Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca) da Fundaj, instituição fundada pelo próprio Freyre na década de 1940.
O livro, originalmente lançado em 2000 pela Comunigraf e esgotado há anos, acaba de ganhar uma nova edição pela Cepe Editora. O lançamento acontece nesta quinta-feira (10), integrando a programação do Circuito Cultural de Pernambuco, em um bate-papo virtual entre o autor e o professor e escritor Anco Márcio Tenório Vieira, às 19h30, no site oficial do evento.
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As ilustrações do artista plástico José Cláudio foram mantidas, assim como o texto principal. Um novo prefácio, escrito pela professora da UFRGS, Kathrin Rosenfield, e algumas alterações que estavam atreladas diretamente ao centenário do sociólogo à época da primeira edição são as principais novidades da obra. Escrito com uma linguagem jornalística e clara, O Brasil de Gilberto Freyre se propõe a apresentar - principalmente a jovens leitores - o universo do pernambucano.
Sua infância e adolescência no Recife, a ida aos Estados Unidos para estudar artes, ciências políticas e sociais na Universidade de Columbia em 1918, a vida pública e os temas pelos quais transitou em seus principais livros e artigos de jornais são apresentados em 21 capítulos curtos.
Ao se debruçar sobre o vanguardismo de Freyre em relação à sociologia da vida cotidiana, mas também apontando suas falhas (como a de ter romantizado as relações entre senhores e escravos no Brasil Colônia), Mário Hélio revela que é justamente entre pontos e contrapontos, defesas e refutações, que se concebe a ideia de um autor clássico, cuja obra ser, sim, contextualizada, mas também criticada.
"Estamos diante de um autor cujas principais obras são Casa Grande e Senzala (1933), Sobrados e Mucambos (1936) e Ordem e Progresso (1957). Ou seja, pontos extremos revelados já nos títulos, mas que possuem sempre uma convergência. Gilberto Freyre coloca sempre a questão do diálogo, pois debatendo a partir dos extremos não se chega em solução alguma. Acredito, então, que ele ainda tem o que contribuir para as discussões atuais", avalia o autor.
"O que há de extraordinário nele - e isso mesmo os que não simpatizam com sua obra costumam concordar - é que ele viu o Brasil de maneira vanguardista. Em 1933 acontecia a ascensão do nazismo na Europa e havia um sujeito, no Recife, que exaltava a mestiçagem e trazia para o centro do debate a criação de um pensamento original brasileiro. Freyre queria valorizar a originalidade dos trópicos."
Em suas observações sobre a vida cotidiana dos pernambucanos, Gilberto Freyre se dedicou a pensar a gastronomia, a moda, as relações familiares e a ecologia, entre outros temas. À época, foi uma inovação, assim como sua escrita que se afastava dos padrões acadêmicos e seguia um caminho muito mais ensaístico e literário, mesclando questões pessoais com sociais.
Este segundo dia do evento tem início às 8h, com a transmissão do Podcast Cultural e segue ao longo do dia com uma programação que vai desde contações de histórias, oficinas para crianças e debates. Além do lançamento do livro de Mário Hélio, outro destaque desta quinta é a live de a Marina Colasanti. Com mediação de Gianni Paula de Melo, a poeta, ensaísta, artista plástica e autora de livros infantis italo-brasileira irá falar a partir do tema A Vida Pede Licença...Poética, às 17h.
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“A vida não é feita apenas de leitura de livros. Sempre houve no mundo um contingente enorme de pessoas que, sem saber ler, tinham grande sabedoria, porque sabiam ler a vida. Hoje estamos cientes de que a leitura de livros nos dá mais elementos para ler a vida. E queremos que este benefício esteja ao alcance de todos”, explica Marina.
Em abril deste ano, ela lançou o livro Mais Longa Vida (Editora Record), composto por 100 poemas que versam sobre a passagem do tempo e fatos autobiográficos. Marina Colasanti nasceu em 1937, na Eritreia, às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Aos nove anos, ela chega ao Brasil com a família e, antes de se dedicar à literatura, atua como jornalista e cronista. Toda essa vivência se faz presente em sua obra. O Circuito Cultural de Pernambuco segue até o próximo dia 13, com realização da Cepe e curadoria da Fundação Gilberto Freyre.