As recentes nomeações de Fernanda Montenegro e Gilberto Gil como imortais da Academia Brasileira de Letras têm levantado discussões sobre possíveis mudanças na instituição, conhecida pelo viés conservador. O motivo não seria apenas o fato deles não serem do meio literário, o que já é comum na casa, mas sim por serem nomes bastantes associados à cultura de massa e que extrapolam o circuito da intelectualidade - vale lembrar que Paulo Coelho, autor brasileiro mais vendido no mundo, e o cineasta Cacá Diegues, já despontaram como nomes populares.
A cadeira 20, ocupada pelo cantor e compositor após votação nesta quinta-feira (11), foi deixada pelo jornalista Murilo Melo Filho, tendo como patrono o médico e jornalista Joaquim Manuel de Macedo. Já a atriz assumiu o assento do escritor e diplomata Arinos de Mello Franco, cujo patrono também é o diplomata Hipólito da Costa. Analisando as recentes trocas, é possível afirmar que a ABL está ficando mais "pop"?
"Quando pensamos na ABL, imaginamos que quem está lá são os grandes autores brasileiros e pessoas que trabalham com a literatura do Brasil, mas as coisas não são assim. A ABL é um clube fechado, que tem regras próprias", diz Schneider Carpeggiani, jornalista e editor do Suplemento Pernambuco, publicado pela Companhia Editora de Pernambuco.
"Histórias de bastidores mostram que lá existe um discurso de 'que não temos que aceitar algo só porque a sociedade brasileira quer'. A academia não quer ser inclusiva, ela é uma instituição datada que tem suas questões", continua, ressaltando o caso da escritora Conceição Evaristo. Ela seria a primeira mulher negra na ABL, mas teve apenas um voto, o que causou revolta nas redes sociais.
"Acredito que exista, como existe agora, um jogo político. Quando pensamos em nomes como de Fernanda Montenegro e Gilberto Gil, podemos seguir por uma outra perspectiva", continua Carpeggiani. Ele ressalta que Montenegro contribuiu muito com a literatura ao divulgar obras literárias na dramaturgia, das tragédias gregas aos clássicos de Nelson Rodrigues, enquanto Gilberto Gil é um grande poeta em suas composições - em 2017, vale lembrar, Bob Dylan recebeu o Nobel de Literatura.
"Acho que a expressão 'pop' muitas vezes é usada de forma pejorativa. Esses são nomes que podem não ser da forma mais tradicional da literatura, mas que fazem sentido de estarem numa academia de letras. É uma pena que nomes como Conceição Evaristo, Lima Barreto ou Sérgio Sant'Anna nunca puderam estar", conclui Schneider.
A escritora Lourdes Sarmento, membro da Academia Pernambucana de Letras, afirma que as atuais eleições da ABL têm sido tumultuadas porque a instituição perdeu quatro vagas de uma só vez o ano passado - Affonso Arinos de Melo Franco, Murilo Melo Filho, Alfredo Bosi e Marco Maciel. "A Academia é muito complexa. Sobre os dois novos imortais, acho interessante pensar que Fernanda representa as mulheres, que são poucas. As próprias mulheres lá de dentro costumam não votar em outras", diz.
"Eu acredito sim que é uma mudança e acho que as mudanças devem ocorrer", continua. "Mesmo quando se é tradicional, em certas coisas podemos admitir que as mudanças incrementam novos passos. Acho que valeu a pena. Só acho uma pena que Fernanda já tenha entrado com tanta idade e que não possa colaborar mais. Porém é uma referência feminina muito boa."
Sarmento ressaltou que vem torcendo para que o jurista recifense José Paulo Cavalcanti assuma a cadeira deixada pelo pelo político Marco Maciel. "Nós temos uma literatura de peso e realmente Pernambuco, com as perdas que ocorreram, hoje só tem Marcos Vilaça, que é uma referência. Então, torço por um pernambucano para que tenhamos representação brasileira."
Mais possíveis mudanças
Na próxima semana, haverá uma votação para assumir a vaga do crítico literário Alfredo Bosi na ABL. Concorrem o educador indígena Daniel Munduruku, Paulo Niemeyer e Joaquim Branco. Caso vença, Munduruku será o primeiro indígena da história da Academia.