Tem início hoje e segue até o próximo domingo (12) a sequência de quatro apresentações que a companhia brasileira de teatro, fundada em Curitiba (PR), fará no Recife. O grupo leva até o Teatro de Santa Isabel, no Centro, a montagem Por Que Não Vivemos?, adaptação de Platonov, obra do dramaturgo russo Anton Tchekhov.
Criado quando o autor tinha cerca de 20 anos, o texto foi descoberto somente após sua morte, e sequer possuía título oficial. O nome dado à versão brasileira, portanto, é referência a um questionamento levantado durante seu desenrolar: por que não vivemos como poderíamos ter vivido?.
Na trama, ambientada numa propriedade rural de uma jovem viúva, são abordados temas como conflitos entre gerações e as transformações sociais desenvolvidas através das mudanças internas do indivíduo.
A direção é de Márcio Abreu, com elenco formado por Cris Larin, Edson Rocha, Josi.Anne, Kauê Persona, Rodrigo Bolzan, Rodrigo Ferrarini, Rodrigo de Odé e Camila Pitanga, que conversou com o JC sobre a obra de Tchekhov, a similaridade desta com o momento contemporâneo e a sensação de retornar aos palcos de teatro quase dois anos após a suspensão das atividades por causa da pandemia.
Confira os principais trechos:
Entrevista: Camila Pitanga
Elaborado por um autor muito jovem, o texto de Platonov carrega pertinentes angústias e reflexões de caráter universal, atemporal. Camila conta que este aspecto foi fundamental para elenco e equipe da hora de adaptar para a linguagem do século 21 as reflexões de uma dramaturgia escrita por alguém inserido na realidade do século 19.
"Sempre há um desejo de fazer uma ponte sobre o que a gente supõe que seria o sentido desse texto, no momento em que estava sendo escrito, com o que estamos vivendo agora. Estamos falando de uma releitura, é uma ponte daquela época, daquelas ideias", comenta Camila. "Sem dúvida, faz sentido para mim perceber que há provocações no texto que funcionam como um espelho do momento que estamos vivendo agora, que se atualiza, e isso foi desejo da gente".
Ela comenta, ainda, que o intuito é também o de querer provocar a ação, como um desejo de incitar as pessoas a saírem de um lugar de meras espectadoras para de agentes. "O interessante é ver como as inquietações daquele momento ainda se espelham aqui, ainda que com aspectos específicos do país, do contexto político e da crise que vivemos", observa. "É uma crise onde você questiona a sua acomodação, uma certa afasia, uma perplexidade passiva, sabe? Da vida... é um mote questionado pela peça".
Perguntada sobre se, em um momento no qual muitas mortes evitáveis parecem assombrar a todos, e cada vez mais de perto, o título escolhido para a peça ganha mais força na hora de levá-la ao público, Camila Pitanga reforça que é preciso honrar os que se foram sem deixar de reivindicar mudanças para que outras mortes semelhantes não aconteçam.
"Há uma frase, que é muito importante e que é o fecho [do espetáculo], que diz: 'Enterrar os mortos é reparar os vivos'. Enterrar não é simplesmente decretar o fim, é honrar essas pessoas que se foram, mas numa dimensão de luta e de transformação que a gente pode fazer no mundo, não só olhando para o próprio umbigo, no individual, a gente tem que se pensar como coletivo".
"Pensando no ano que vem, na eleição, a gente precisa já agora ir pavimentando um diálogo que possa fazer com que a gente não caia na mesma armadilha de ter uma eleição dominada pelo ódio", defende.
POR QUE NÃO VIVEMOS?
"Essa pergunta é sempre aquela faca que fica encostada nas costas. Eu vivo o que desejo e acredito, e claro que existe, muitas vezes, algum tipo de hesitação, medo, cálculo, mas eu desejo abrir mão disso para poder caminhar com liberdade. Acho engraçado esse 'por que não?'. É um convite mesmo, uma provocação. Eu tenho vivido o que quero viver, não sei dizer se boa parte da população brasileira tem essa liberdade, essa mesma caminhada... não sei dizer, mas acho que a gente tem que lutar por isso".
VOLTA AOS PALCOS
"Eu considero um recomeço. A gente não pode dizer que o jogo está zerado, que é começar do zero, porque não é. No caso da peça, a gente tem uma experiência de ter circulado por várias cidades e isso já ter pavimentado uma cura de pensamentos, elaborações sobre o trabalho, o sentido da peça", reflete.
"Mas, depois desse hiato, tem uma cicatriz aí. Há uma ansiedade imensa, e isso me instiga muito. É uma ansiedade gostosa de estar junto, trabalhando, vivendo".
SERVIÇO:
Por Que Não Vivemos?, da companhia brasileira de teatro - No Teatro de Santa Isabel (Praça da República, 233, Santo Antônio). Sessões nos dias 9, 10, 11 e 12 de dezembro (quinta a sábado, 19h; domingo, 18h). Capacidade limitada a 496 pessoas. Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada), à venda exclusivamente através da plataforma online Sympla.