A liberdade estética, a valorização da cultura popular e os diálogos entre as linguagens artísticas estão entre os legados dos modernismos na formação da cultura brasileira. Esses aspectos estão presentes no repente, prática que atravessou gerações e vem criando novas cenas entre mulheres pernambucanas do Sertão do Pajeú, histórico celeiro cultural de Pernambuco. Um grupo delas se apresentará na FLUP - Festa Literária das Periferias, realizado no Museu de Arte do Rio, Centro do Rio de Janeiro, com programação que homenageia a Semana de Arte Moderna de 1922.
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O espetáculo "Mesa de Glosas: Mulheres de Repente" será realizado nesta segunda-feira (14), a partir das 16h, com mediação da multiartista pernambucana Luna Vitrolira, finalista do Prêmio Jabuti em 2019 na categoria poesia com o livro "Aquenda - O amor às vezes é isso" - esse projeto também deu origem a um disco produzido com Amaro Freitas, lançado em 2021. A programação da FLUP acontece entre os dias 11 e 18 de fevereiro.
As glosadoras, como são chamadas as artistas dessa modalidade que estarão no evento, trarão uma parte do Sertão do Pajeú para a capital fluminense, destacando o protagonismo da nova geração de mulheres improvisadoras. São elas: Elenilda Amaral (Afogados da Ingazeira), Dayane Rocha (brejinho de Tabira), Milene Augusto (Solidão) e Thaynnara Queiróz (Afogados da Ingazeira). Todas estão sob coordenação de Luna Vitrolira e produção executiva de Taciana Enes.
A Mesa de Glosas é uma modalidade de poesia de improviso criada no Sertão do Pajeú e apresenta esquema rígido de funcionamento, a partir de métrica. "Os poemas são improvisados em décimas, a partir de motes elaborados por mim, enquanto mediadora, e revelados apenas na hora da glosa para as poetas. Essa estrutura de dois versos determina os assuntos, a forma métrica e as rimas a serem usadas no improviso, além de obrigatoriamente encerrar as estrofes”, explica Luna Vitrolira.
'Não existiam mulheres improvisadoras'
A ideia é promover, no centro do Rio, uma vivência literária com diferentes poetas pernambucanas, valorizando a cadeia criativa local do Sertão do Pajeú, incentivando o intercâmbio de artistas da região para o Estado do Rio de Janeiro. "Os debates atuais acerca das questões de gênero na literatura brasileira questionam o número de autoras, considerado menor do que de autores que atuam no cenário contemporâneo”, continua.
"Quando pensamos no universo da literatura popular e mais especificamente o repente, durante muito tempo, foi reproduzido o discurso de que não existiam mulheres improvisadoras, cantadoras, glosadoras; na verdade, as poucas eram consideradas exceções, visto que essas eram atividades julgadas como masculinas, por serem realizadas majoritariamente por homens em ambientes noturnos de boemia."
Ainda de acordo com a artista, o caminho em busca de maior espaço no campo literário pelas mulheres é parte do esforço da luta por voz e pelo direito de ocupação de territórios também artísticos. "Mulheres de Repente é um projeto que pretende, portanto, ir de encontro, na prática, aos discursos que tiraram das mulheres, durante muito tempo no Sertão, o direito de exercerem sua sensibilidade e criatividade poética no improviso. Nesta edição participarão quatro poetas glosadoras da nova geração que se destacam nessa modalidade, como uma forma de apoiar e incentivar o surgimento de novas vozes no improviso, poetas que darão continuidade a essa tradição", destacou.
Atualmente, Vitrolira que desenvolve pesquisa acadêmica com ênfase em poética das vozes e poesia de improviso. Ela também idealizadora dos projetos "Estados em Poesia" e "De repente uma Glosa". Atualmente, está representando o Estado de Pernambuco na Exposição FALARES do Museu da Língua Portuguesa, ao lado de Lia de Itamaracá e Miró da Muribeca. O "Mesa de Glosas: Mulheres de Repente" tem o patrocínio do Governo do Estado de Pernambuco através do Funcultura.