AMAZÔNIA

Quem são os yanomamis? Conheça o povo que está sob a violência do garimpo ilegal

Povo indígena enfrenta a exploração desde os anos 1970, mas nos últimos anos vive uma escalada que vitimou, recentemente, uma adolescente de 12 anos e uma criança de 3 anos

Cadastrado por

Romero Rafael

Publicado em 05/05/2022 às 16:02 | Atualizado em 05/05/2022 às 20:13
REGISTRO Fotografia de indígenas do povo yanomami, feita por Claudia Andujar, em Catrimani (RR), em 1974 - CLAUDIA ANDUJAR/REPRODUÇÃO

Artistas e comunicadores têm reverberado nas redes sociais a campanha "Cadê os Yanomami?", articulada por lideranças indígenas diante do desaparecimento da comunidade Aracaçá, na região de Waikás, dentro da Terra Indígena Yanomami, localizada no Estado de Roraima. Agentes da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e da Fundação Nacional do Índio (Funai) foram até lá, na semana passada, apurar duas denúncias de crimes horrendos ligados ao garimpo ilegal. Encontraram a comunidade — onde viviam cerca de 30 pessoas — vazia, e parte dela queimada.

As denúncias foram feitas há mais de uma semana, pelo presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye'kwana (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami, com base em informações que recebeu, por rádio, de indígenas da região. Uma adolescente de 12 anos foi estuprada e morta e uma criança de 3 anos desapareceu após ser jogada no rio Uraricoera. Os dois casos estão interligados.

Até então, o paradeiro dos indígenas e a elucidação dos crimes continuam em aberto. Hekurari, que esteve na visita com os agentes, comentou à imprensa que indígenas encontrados perto de Aracaçá pareciam ter sido ameaçados ou poupados pelo silêncio. Também disse da possibilidade de o próprio povo ter queimado o local e se mudado, algo que se faz após a morte de um ente.

Nesta quinta-feira (5), a Câmara dos Deputados aprovou a criação de uma comissão externa para acompanhar as denúncias.

É assombrosa a violência a que tem sido expostos povos indígenas em todo o País — desde 1522 e agora, muitas vezes a pretexto de progresso e desenvolvimento econômico. Waikás, região onde os crimes ocorreram, é considerada a que mais tem sofrido com o avanço do garimpo ilegal.

Relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), publicado no fim do ano passado, sobre dados de 2020, apontou que os casos de "invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio" no Brasil aumentaram 137% em relação a 2018: foram 263 casos registrados, contra 111 dois anos antes, sob outro governo federal.

É particularmente triste (e deve nos revoltar) o que ocorre aos yanomamis, que conseguiram a demarcação de suas terras em 25 de maio de 1992 — a Terra Indígena Yanomami está, portanto, prestes a completar 30 anos.

Diante da escalada da exploração ilegal e da violência em territórios indígenas, é urgente — já há muito tempo e cada vez mais — conhecê-los e defendê-los.

Quem são os yanomamis?

Um dos maiores povos, estima-se que cerca de 28 mil indígenas vivem na Terra Indígena Yanomami, território demarcado em quase 10 milhões de hectares, que se espalham pelos estados de Roraima, a maior parte, e do Amazonas. São 371 comunidades, algumas permanecendo isoladas. Há também yanomamis vivendo no Sul da Venezuela.

Foi na delimitação da fronteira entre os dois países, na década de 1940, que ocorreram os primeiros contatos com o homem branco. A ação levou à região o então Serviço de Proteção aos Índios (SPI), encerrado em 1967, e também grupos religiosos missionários, causando epidemias de sarampo e gripe que vitimaram muitos indígenas.

Nos anos 1970, na construção da Transamazônica, pelo governo militar, duas aldeias inteiras desapareceram em decorrência das doenças. A rota segue sendo usada para invasão e desmatamento. Os yanomamis enfrentam, desde então, a exploração, sobretudo, por garimpeiros a fim de ouro, o que representa a destruição da floresta, a introdução da violência, de álcool e de doenças. As estimativas são de que 20 mil invasores estejam no território.

Fotografias de Claudia Andujar

Os yanomamis tiveram seu primeiro contato com não-indígenas na primeira metade do século passado. Décadas depois, ficaram conhecidos internacionalmente pela fotografia de Claudia Andujar, que iniciou uma relação de confiança com o povo em 1971, num trabalho para uma das principais publicações editoriais da época, a Revista Realidade. Fotografias tiradas ao longo de décadas projetaram esse povo e a luta pela demarcação do território, que ocorreu em 1992. Muito desse trabalho está em livros publicados por ela e em exposição permanente em Inhotim, Brumadinho (MG).

"Os Yanomami evitam a fotografia, que distancia a pessoa de sua própria imagem. Quando alguém morre, tudo que faz lembrar aquela pessoa deve ser destruído, incluindo fotos. Os retratos de Andujar foram poupados porque se transformaram em instrumento de divulgação e defesa dos próprios retratados", dizia o texto curatorial da exposição "Claudia Andujar: A Luta Yanomami", que ficou em cartaz no Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro e em São Paulo, em 2019.

"A Queda do Céu"

PARA LER A Queda do Céu traz sabedoria de xamã yanomami - DIVULGAÇÃO

Outra forma de se por em contato com os yanomamis, e de forma profunda, é através do livro "A Queda do Céu - Palavras de um Xamã Yanomami" (768 páginas, Companhia das Letras), escrito pelo etnólogo Bruce Albert a partir da convivência de três décadas com o xamã yanomami Davi Kopenawa, que também assina a obra. Kopenawa fala, inclusive, sobre o contato predador com o homem branco, que é ameaça constante para o seu povo desde os anos 1960.

Diz ele num trecho do livro:

"Somos habitantes da floresta. Nossos ancestrais habitavam as nascentes dos rios muito antes de os meu pais nascerem, e muito antes do nascimento dos antepassados dos brancos. Antigamente, éramos realmente muitos e nossas casas eram muito grandes. Depois, muitos dos nossos morreram quando chegaram esses forasteiros com suas fumaças de epidemia e suas espingardas. Às vezes, até tememos que os brancos queiram acabar conosco. Porém, a despeito de tudo isso, depois de chorar muito e de por as cinzas dos nossos mortos em esquecimento, podemos ainda viver felizes. Sabemos que os mortos vão se juntar aos fantasmas de nossos antepassados nas costas do céu, onde a caça é abundante e as festas não acabam."

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