Depois de Bolsonaro 'enterrar' Renda Brasil, Congresso reage e articula criação de programa de renda mínima

Programa de renda mínima que vem sendo debatido deve ser mais abrangente que o Bolsa Família
Estadão Conteúdo
Thalis Araújo
Publicado em 15/09/2020 às 22:41
O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) Foto: DIVULGAÇÃO


Depois que o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), decretou, em vídeo, o 'enterro' do programa Renda Brasil, cotado para substituir o Bolsa Família, nesta terça-feira (15), o Congresso começou a reagir ao chefe do Executivo e decidiu acelerar a discussão sobre projetos que possam criar um programa de renda mínima mais abrangente que o Bolsa Família.

No Congresso Nacional, o fim dos estudos para a criação do Renda Brasil alavancou a retomada de debates que estavam paralisados, na espera do texto do programa social quehoje está 'enterrado'. Agora, os deputados planejam a votação de projetos para criar uma renda mínima que, mesmo que não seja universal, permita a inclusão de mais brasileiros de baixa renda que o programa Bolsa Família, que atende hoje a 14,3 milhões de famílias, segundo dados de agosto.

O deputado Alessandro Molon (RJ), que é líder do PSB na Câmara, explicou à Folha de S.Paulo que o partido deve apresentar um novo projeto para criar o programa de renda mínima. "Ou seja, nem todo mundo receberá, apenas uma parte da população que necessite. Que parte é essa, a gente vai decidir", disse.

O deputado Felipe Rigoni (ES), que também é do PSB e faz parte da frente parlamentar mista em defesa da renda básica, disse que o grupo ainda não se reuniu para definir um plano em reação à desistência do presidente Bolsonaro em lançar o Renda Brasil. "Mas é um pouco incoerente o presidente falar que não tem mais conversa sobre Renda Brasil e que vai continuar o Bolsa Família. Então não vai melhorar nada".

"A conversa do Renda Brasil que desagradou foram as reformas que têm que ser feitas ao mesmo tempo para conseguir fazer o Renda. Só que sem as reformas, nem o Bolsa Família você consegue aumentar", completou.

Rigoni defende a ideia de que, para viabilizar a ampliação do Bolsa Família ou a criação de um programa de renda mínima ainda mais abrangente, se faz necessária a conversa sobre a desindexação, que retira a obrigatoriedade de aplicar a correção baseada na inflação.

"O que dá mesmo espaço é desindexar, converter o abono [salarial], e são temas difíceis de serem feitos. Eu acho que a resistência do presidente é justamente nesses pontos, que é o que daria a robustez necessária de fazer uma renda mínima de R$ 80 bilhões ou mais", disse.

Caso as discussões em torno de uma renda mínima universal não alcancem o apoio do governo, Rigoni se mostrou favorável à retomada da agenda de desenvolvimento social, que é uma série de propostas lançadas em 2019 e que tem o apoio do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Entre elas,há uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que prevê a inclusão do Bolsa Família na Constituição e um projeto que reformula o programa e propõe aumento aos valores do benefício.

"Para fazer a renda mínima, precisa de coordenação política, e o governo não pode estar de fora disso. Os debates, para serem enfrentados, precisam do governo também", destacou Rigoni.

Confira o vídeo que Bolsonaro noticia fim do Renda Brasil

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Bolsonaro cancela Renda Brasil

O programa Renda Brasil seria a reformulação do Bolsa Família. Com ele, o governo de Jair Bolsonaro buscava deixar sua marca no âmbito social. O Renda Brasil também acabaria com um dos nomes mais fortes dos governos petistas. Contudo, o presidente decidiu desistir desse novo programa, quando se deparou com assuntos que envolviam possíveis congelamentos de dois anos de aposentadorias e pensões, como havia dito o secretário Especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, em entrevista ao G1, no domingo (13).

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Bolsa Família na Constituição é estratégia do PT

A inserção do programa Bolsa Família na Constituição Federal e ampliação do benefício também é a estratégia do PT. "Já que o governo disse que agora não tem mais Renda Brasil, nós vamos trabalhar para constitucionalizar o Bolsa Família. Para evitar isso, que foi uma malandragem política, de o governo ter dito que ia criar o Renda Brasil e, de uma hora para a outra, dizer que não tem mais condição", destacou o líder da minoria na Câmara, o deputado José Guimarães (CE).

O senador Randolfe Rodrigues (AP) defende que o Congresso paute propostas que criam uma renda mínima. “Virar de costas para qualquer programa de renda básica é um ato de crueldade no momento que mais o brasileiro precisa, que o alimento está mais caro. O que ocorre é o reflexo da incapacidade do governo, e o Congresso precisa agir”, disse.

O vice-líder do governo no Senado, Izalci Lucas (PSDB-DF), acredita que o governo deve enviar uma nova proposta de renda mínima para não deixar essa decisão nas mãos do Congresso. Segundo ele, a melhor alternativa seria deixar o tema para depois do período eleitoral. Até lá, Izalci espera que os ânimos já estejam mais calmos. “O que fica ruim é falar disso em véspera de eleição, que ninguém sabe de onde vem e fica todo mundo perdido. Cada um fala uma coisa, as ideias saem soltas e geram confusão. Isso pode gerar prejuízo”, acredita.

O atrito entre a equipe econômica e o Planalto foi alvo de crítica dos parlamentares. O deputado Arnaldo Jardim, que é o líder do Cidadania na Câmara, disse que o governo Bolsonaro "está se especializando em criar cenários de instabilidade no Brasil".

“Uma equipe que deveria ter estabilidade e equilíbrio, produz o contrário. Antes, o ministro dizia que o Renda Brasil precisava da CPMF. Depois, afirmou que o programa seria irrealizável. E agora falar em sacar das aposentadorias o recurso para este fim. Soltar balões de ensaios cria instabilidade”, criticou. “É uma equipe que não entrega resultados. O ministério da Economia alega que está cuidando de tudo, mas não entrega nada”, continuou.

Presidente se contradiz, acredita deputado

Para Ênio Verri (PR), líder do PT na Câmara, Bolsonaro se contradiz ao desistir do Renda Brasil. “Bolsonaro, ao contrário do que ele diz, não está preocupado com o equilíbrio fiscal, ele está preocupado com a sua reeleição. E, à medida que o Renda Brasil distribuía miséria, já que tirava alguns outros benefícios sociais de trabalhadores e trabalhadoras para dar um nome diferente e construir um outro benefício que nem seria melhor do que o que existe, ele optou por não mexer com isso nesse momento”, afirmou.

Desistência de Bolsonaro geraria crise no Ministério da Economia

Segundo o líder petista, o "cartão vermelho" presidencial ao Renda Brasil deve causar uma crise no Ministério da Economia. “Claro que isso gera uma crise interna no grupo ligado ao ministro Paulo Guedes (Economia), aos fiscalistas. Mas, ao mesmo tempo, faz com que ele fique mais feliz, mantém em alta sua aprovação e facilita, segundo a opinião de Bolsonaro, a sua reeleição", avaliou Verri.

Paulo Guedes diz que "cartão vermelho" não foi para ele

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a "barulheira" em torno do Renda Brasil no período da manhã desta terça-feira (15), quando Bolsonaro desistiu do programa, ocorreu porque "estão conectando pontos que não são conectados", referindo-se às notícias sobre estudos da equipe econômica de desindexação do salário mínimo em benefícios previdenciários como forma de financiar o novo programa de assistência social. Guedes ainda disse que o "cartão vermelho" de Bolsonaro não foi direcionado a ele.

"O que estava sendo estudado é o efeito sobre desindexação sobre todas as despesas", afirmou o ministro, em evento online Painel Tele Brasil 2020, explicando que a ideia é devolver o controle dos gastos aos governantes, já que hoje 96% dos gastos da União são obrigatórios, assim como Estados e municípios. "O linguajar, os termos do presidente são sempre muito intensos. Da mesma forma, que o lide da notícia dizia que estava tirando direitos dos mais pobres e vulneráveis, não era essa intenção, nunca foi", argumentou, dizendo que a intenção do presidente foi esclarecer.

O ministro lembrou que, desde início, o presidente disse que não queria consolidar programas sociais para criar o Renda Brasil, e que foi uma decisão política.

Guedes também afirmou que o governo buscava uma aterrissagem suave do auxílio emergencial, que, por decisão do presidente, foi estendido até o fim do ano. "Estendeu o auxílio, então estudos prosseguiram para ver onde aterrissaria auxílio emergencial em 1º de janeiro. Quando estudos são formulados, discutidos, vão para mídia, não tem problema nenhum, o problema é ligar uma coisa à outra."

Guedes disse também que estava com Bolsonaro no momento da gravação do vídeo que foi publicado nas redes sociais do presidente, em que ele "enterrou" o novo programa.

"Prestem atenção aos sinais. Toda informação tem sinal e barulho. Mas não presta atenção no barulho, presta atenção no sinal. O sinal é que as reformas estão progredindo, a economia está voltando. O presidente diz que não conhece a economia e confia no ministro da Economia. O presidente diz que eu não entendo nada de política, parece que eu não entendo mesmo. Mas eu confio na intuição política do presidente. Prestem atenção aos sinais e não na barulheira. A democracia é barulhenta mesmo, mas preferimos o barulho da democracia do que o silêncio do sistema político fechado", destacou o ministro.

Mais cedo, o presidente publicou no Facebook um vídeo em que disse que merecia "cartão vermelho" quem sugere congelar aposentadorias. "Até 2022, no meu governo, está proibido falar a palavra Renda Brasil. Vamos continuar com o Bolsa Família e ponto final", afirmou Bolsonaro, no vídeo.

A polêmica sobre o Renda Brasil foi um dos assuntos desta terça-feira (15), depois da notícia que o secretário Especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, disse que a equipe econômica do Governo Federal defendia a ideia de congelamento por dois anos de benefícios previdenciários, como aposentadorias e pensões, e que estes deveriam ser desassociados do salário mínimo.

"A desindexação que apoiamos diretamente é a dos benefícios previdenciários para quem ganha um salário mínimo e acima de um salário mínimo, não havendo uma regra simples e direta [de correção]. O benefício hoje sendo de R$ 1.300, no ano que vem, ao invés de ser corrigido pelo INPC, ele seria mantido em R$ 1.300. Não haveria redução, haveria manutenção", explicou Waldery ao G1, no último domingo (13).

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