Saiba por que e quanto você paga de imposto em cada produto

Segundo pesquisa da CNDL, 74% dos consumidores brasileiros não têm o hábito de procurar saber o quanto pagam de imposto ao adquirir um bem ou contratar um serviço
Marcelo Aprígio
Publicado em 02/03/2021 às 10:09
JC-ECO0304_IMPOSTO_NOVO Foto: THIAGO LUCAS/ ARTES JC


Embora seja obrigatório desde 2013 que estabelecimentos comerciais informem na nota fiscal o valor de tributos que está embutido em uma compra, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em meio a uma quebra de braço com governadores, decretou no fim do mês passado que os postos de combustíveis deverão detalhar ao consumidor os valores estimados dos tributos que compõem o preço final dos combustíveis automotivos. A decisão, porém, esbarra na realidade de que a maioria dos consumidores não se preocupa com essa informação, como aponta um levantamento da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil).

Segundo a pesquisa, 74% dos consumidores brasileiros não têm o hábito de procurar saber o quanto pagam de imposto ao adquirir um bem ou contratar um serviço. Uma dessas pessoas é a diarista Lúcia Silva, de 46 anos. “Eu nem olho. Faço minhas compras, pego a notinha e, geralmente, jogo no lixo. Sei que pagamos muitos impostos, mas não sei quanto”, confessa.

Já a professora Flávia Dantas, de 41 anos, afirma que saber os valores não irá fazer diferença nenhuma. “O importante é diminuir o imposto e não informar o quanto pagamos, pois isso já sabemos que é exorbitante. É uma informação que não vai mudar nada”, afirma ela, apontando que a tributação é um fator que contribui para que alguns produtos tenham um preço elevado no mercado. “No fim, sabendo ou não quanto pago de imposto, vou sentir o peso no orçamento, principalmente agora que meu marido está desempregado, e as contas começaram a ficar salgadas demais”, diz ela.

Flávia tem razão em se queixar. No Brasil, os impostos indiretos, como são chamados aqueles embutidos no preço dos produtos e serviços, como IPI, PIS/Cofins, ICMS e ISS, respondem por 45% da arrecadação. Uma parcela alta frente aos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne países desenvolvidos, grupo ao qual o Brasil quer se integrar. Lá, chega perto de 35%.

Desigualdade

MARCELLO CASAL JR/AGÊNCIA BRASIL - Os 10% mais pobres do Brasil destinam 26,7% do orçamento para pagamento de impostos indiretos. Essa parcela cai para 10,1% entre os 10% mais ricos

Ao concentrar a maior parte da arrecadação, mais de 40%, em produtos e serviços, que incide igualmente numa sociedade profundamente desigual, o sistema tributário brasileiro piora a distribuição de renda. É o que defende Maurício Laranjeira, diretor de relações industriais da Federação das Indústrias de Pernambuco (Fiepe).

“No Brasil optou-se por um modelo tributário no qual os impostos na renda e no lucro são baixos em relação à taxação sobre consumo, o oposto do que fazem os outros países. O problema dos impostos sobre consumo é que eles são iguais para todos os pagadores. Isso significa que se você é rico ou pobre você paga o mesmo imposto. Ou seja, em termos relativos ao salário, é o mais pobre que paga mais imposto”, argumenta Laranjeira.

Esta realidade é sentida diariamente pelo marceneiro Idauro Oliveira, de 51 anos, que destina cerca de 19% de sua renda aos impostos, mesmo sem perceber. Na casa dele, a maior parte da renda vai para alimentação e educação do filho de 10 anos. “Algumas vezes, dá para poupar R$ 100 ou R$ 200 num mês. Mas com a renda que, dia após dia, vai ficando mais curta, ainda mais com a pandemia, há meses que não sobra nada”, conta ele. Na alimentação, a alíquota média, segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), na faixa de renda de Lauro, que recebe, em média, R$ 2 mil, é próxima de 20%. Na educação, o percentual também é de 20%, o mesmo pago por famílias com maior poder aquisitivo.

Baseado em um estudo do Instituto Fiscal Independente (IFI), instituição ligada ao Senado, o economista e professor universitário Paulo Alencar conta que os 10% mais pobres do Brasil destinam 26,7% do orçamento para pagamento de impostos indiretos. Essa parcela cai para 10,1% entre os 10% mais ricos. “Para tornar o sistema tributário mais igualitário, é preciso mudar a composição tributária, dando mais peso aos impostos diretos, como o Imposto de Renda (IR), que atinge a parcela mais rica”, aponta ele.

Reforma tributária seria solução?

O impasse, porém, reside na forma como se pode alcançar este objetivo. Uma reforma tributária já foi defendida pelos últimos quatro presidentes do Brasil. Mas apenas medidas pontuais conseguiram ser aprovadas e que em nada melhoram as duas principais críticas ao sistema: complexidade e excesso de taxação sobre bens e consumo.

Para muitos especialistas, essa é uma medida necessária para destravar a economia e reduzir os custos de se produzir no país e também para atrair investimentos de fora. No entanto, o consenso maior parece estar em simplificar o sistema. Quando se fala em reduzir impostos, a esfera política já não é tão favorável, o que resultou nos fracassos de tentativas de reformas anteriores.

Thiago Lucas/ Artes JC - Receita dos Estados para a reforma tributária

“Uma reforma tributária não necessariamente reduziria a carga tributária. É preciso decidir o objetivo. Se quer reduzir impostos? Ou manter e simplificar? Se quer tributar mais na renda com alíquotas progressivas para quem ganha mais, ou continuar tributando mais sobre consumo”, pondera Maurício Laranjeira, ressaltando que sem uma reforma administrativa, as mudanças no sistema tributário poderiam ser inócuas.

“A unificação dos impostos com uma alíquota só, como se discute no Congresso, mudaria pouco esse cenário. O peso dos impostos indiretos para os mais pobres cairia para 24,3%, enquanto os mais ricos pagariam um pouco mais: 11,2%”, pontua o economista Paulo Alencar.

Como nenhuma das propostas de reforma tributária em discussão versa sobre a desoneração do consumo no Brasil. Para Maurício Laranjeira, o maior benefício de uma reforma tributária seria a transparência das informações: assim, o consumidor saberia o que é feito com o imposto arrecadado e poderia cobrar melhorias dos poderes públicos. “O sistema é tão complexo que eu não sei onde pedir melhorias”, afirma. “Quando você pega uma nota fiscal, ali diz o valor aproximado de impostos, mas você não sabe como aquilo é dividido nem para quais áreas está destinado.”

Taxação seletiva

O Brasil adere ao chamado princípio da seletividade, seguido pela maioria dos países do mundo. Ele serve para desencorajar o consumo de produtos que fazem mal à saúde ou ao meio ambiente, como cigarros, ou considerados de menor importância para o dia a dia, como produtos de luxo.

Também costumam ser mais caros os mais industrializados. Quanto mais longa a cadeia, mais chance de o produto chegar com maior alíquota no consumidor final. A categoria de importados tem tributos a mais, uma medida de estimular o consumo de produtos nacionais e priorizar a indústria local.

Para ajudar o consumidor a ter noção de quanto se paga de imposto em diversos itens de consumo, o IBPT fez um levantamento com os valores. É uma estimativa. O cálculo é feito com base nas alíquotas para cada tipo de produto e a partir do ICMS de São Paulo, que, assim como de Pernambuco é de, em média, 18%.

Veja as tributações de algumas categorias:

Impostos por produtos ou serviços. Fonte: IBPT 

*Antes de o presidente Jair Bolsonaro zerar a tributação federal

Produto ou serviço Carga tributária
Videogame  72,18%
Perfume 69,13%
Moto 64,65%
Gasolina* 61,95%
Conta de luz 48,28%
Conta de telefone 46,12%
Cerveja 42,69%
Diesel* 42,18%
Ração para gato e cachorro 41,26%
Smartphone 39,80%
Carro 38,70%
Sapatos 36,17%
Camisa e calça 34,67%
Gás de cozinha* 34,04%
Álcool 70% 32,77%
Educação 26,32%
Fubá 25,28%
TV por assinatura 24,20%
Conta de água 24,02%
Arroz e feijão 17,24%
Café 16,52%
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consumidor Economia imposto
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