Mesmo com a reformulação do programa Minha Casa Minha Vida, dando origem ao atual Casa Verde e Amarela, o governo federal não tem conseguido dar ânimo às construtoras para colocarem no mercado novos lançamentos que se encaixem nas regras do programa. Essa fatia do mercado, de interesse social, seja nas faixas subsidiadas ou financiadas, tem perdido espaço. Sem orçamento, o governo não consegue viabilizar um número maior de projetos, e as empresas, por sua vez, têm voltado os olhos para o público de médio e alto padrão, em busca da margem de lucro - que tem ficado cada vez mais apertada por conta da alta do preço dos materiais de construção. No Grande Recife, sem mudanças, projetos das faixas comerciais devem voltar à marginalização das grandes cidades.
A pandemia da covid-19 no Brasil trouxe bons resultados para a construção civil como um todo desde o ano passado. Pelo lado da demanda, as vendas seguem crescentes, mas, por outro lado, o mercado tem quebrado a cabeça com uma conta que não fecha com a alta do preço dos insumos. A carestia tem mantido represado novos lançamentos na construção como um todo e afetado mais diretamente aqueles projetos dentro do Casa Verde e Amarela, que possuem pouca margem de manobra para se manterem rentáveis.
“A alta dos insumos é muito maior nos imóveis populares. Quando se trabalha na maior renda, se não pode comprar um (imóvel) de 200 m², compra um de 180 m². O pessoal de habitação social, não. Usa o limite de sua renda para contratação. No Nordeste, as empresas estão migrando da habitação de interesse social para o mercado porque quando você trabalha com interesse social, trabalha com volume e não necessariamente a margem do empreendimento”, alerta o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins.
COMPARATIVO DOS PROGRAMAS:
Programa que substitui o Minha Casa Minha Vida pretendia acrescentar 1 milhão de famílias ao financiamento habitacional, totalizando 1,6 milhão de beneficiários até 2024
MCMV
Faixa * renda * modalidade * juros
1 * até R$ 1,8 mil * subsidiada *
1,5 *até R$ 2,6 mil * financiada * 4,5% cotista e 5% não cotista
2 * até R$ 4 mil * financiada * 5% a 6,5% cotista e 5,5% a 7% não cotista
3 * R$ 4 mil a R$ 7 mil * financiada * 7,66% cotista e 8,16% não cotista
CASA VERDE E AMARELA
Faixa * renda * modalidade * juros
Grupo 1 * até R$ 2 mil * financiada, regularização fundiária e melhoria habitacional * 4,50% a 4,75% cotista e 4,75% a 5% não cotista
Grupo 2 * R$ 2 mil a R$ 4 mil * financiada e regularização fundiária (até R$ 5 mil) * 4,75% a 6,5% cotista e 5,25% a 7% não cotista
Grupo 3 * R$ 4 mil a R$ 7 mil * financiada e regularização fundiária (até R$ 5 mil) *7,66% cotista e 8,16% não cotista
Fonte: MDR
Segundo os números do primeiro trimestre de 2021, dos Indicadores Imobiliários da Cbic, o Casa Verde e Amarela passou a representar 37% do total de unidades residenciais lançadas no Nordeste no período. O percentual de participação do programa é o menor de todo o País, se comparado com as demais regiões.
No Nordeste, foram lançadas 4.180 unidades no primeiro trimestre deste ano, segundo a Cbic. O número representa um crescimento de 3,7% em relação ao mesmo trimestre de 2020, mas 63% dele (2.653 unidades) foram de imóveis lançados em outros padrões que não o Casa Verde e Amarela (1.527 unidades).
“O Casa Verde a amarela, apesar de ter atingido 56% da oferta em 2020, tem apresentado migração para outros mercados. Se analisarmos somente as vendas, a percepção é menor porque tinha um estoque (de imóveis prontos). Temos 55,6% das unidades ofertadas sendo Casa Verde e Amarela e 51% do total comercializado em 20 capitais e 150 cidades do País. Mas há regiões com total dependência do programa, ele chega a ser 75% do mercado. Temos mercados altamente dependentes, principalmente no Norte e Nordeste, mas a oferta está se reduzindo em relação aos demais padrões. E isso é efeito do aumento dos preços ( dos insumos) no Casa Verde e Amarela”, avalia o vice-presidente da área de indústria imobiliária da Cbic, Celso Petrucci.
Ele explica que no preço do Casa Verde e Amarela o custo da construção é muito maior do que nos demais mercados. “Às vezes 2/3 do preço é custo de construção. Se você tem aumento de materiais, como vem sendo ao longo dos tempos, os empresários começam a gastar mais, e o produto começa a não caber no bolso das pessoas. O mercado do Casa Verde e Amarela está sendo afetado”, complementa.
A diferença acumulada entre os preços dos materiais de construção, medido pelo INCC e o preço dos imóveis vinha desde o fim de 2017 numa diferença de cerca de sete pontos percentuais, com o INCC acumulando R$ 112 mil e o preço dos imóveis R$ 120 mil, mas mesmo com uma recuperação do preço dos imóveis, o custo da produção já vai além, e inverte essa lógica de viabilidade dos projetos.
“O preço dos imóveis não caíram, mas vemos que no primeiro trimestre (de 2021) a falta de insumos é o principal problema, de longe. Está ‘ultradesproporcional’. O que poderia ter viabilidade hoje, pode não ter amanhã, sobretudo no Casa Verde e Amarela. As empresas estão testando os demais setores, corroborado pelo aumento dos financiamentos com recursos do SBPE (poupança) e queda do FGTS”, reforça o sócio-diretor da empresa de pesquisa e consultoria em negócios com foco em mercado imobiliário Brain, Fábio Tadeu.
Indicadores Imobiliários 1º trimestre de 2021 Brasil (mercado geral)
Relação entre 1T 2021 x 1T 2020
Lançamentos (3,7%) * Vendas ( 27,1%) * Estoque (-14,8%)
Total de Lançamentos 1T 2021 28.258 unidades
Total de vendas 1T 2021 53.185 unidades
Total de estoque 1T 2021 153.914 unidades
Programa Casa Verde e Amarela x Total de Lançamentos 1T 2021 15.700 unidades (55,6 %)
Demais padrões X Total de Lançamentos 1T 2021 12.558 unidades (44,4 %)
Participação nos lançamentos por região:
Região * Casa Verde e Amarela * demais padrões
Norte * 52% * 48%
Nordeste * 37% * 63%
Centro-Oeste * 52% * 48%
Sudeste * 67% * 33%
Sul * 47% * 53%
Unidades Programa Casa Verde e Amarela x Total de Unidades Vendidas 1T 2021 27.399 unidades (51,5%)
Demais padrões x Total de Unidades Vendidas 1T 2021 25.786 unidades (48,5 %)
Fonte: Cbic
Recife
No Grande Recife, caso não haja mudanças nesse cenário, a expectativa é de que os imóveis dentro do programa voltem à marginalização das áreas das grandes cidades. “No Recife, basicamente as construtoras nem foram para o Casa Verde e Amarela. Já fora do Recife ( na Região Metropolitana) está havendo isso mesmo. Realmente as empresas estão tentando partir para as faixas no limite entre Casa Verde e Amarela e SBPE, para tentar chegar ao novo mercado”, diz o presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Pernambuco (Ademi-PE), Avelar Loureiro.
Por aqui, sem uma readequação do subsídio, a expectativa é que os projetos do Casa Verde e Amarela continuem sendo reduzidos ou readequados para imóveis de menor tamanho e em áreas cada vez mais distantes de serviços e grandes centros.
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“Nós temos uma limitação que é a renda. No Sudeste é possível fazer essa migração, aqui vamos depender muito dessa nova readequação do subsídio. Se não for feito isso, o mercado vai se concentrar nas regiões que têm renda. Aqui ficaria inviável. Como as construtoras não podem aumentar, sobretudo nas faixas mais baixas, pode haver é readequação dos projetos”, complementa Loureiro.
Segundo ele, nas áreas periféricas os imóveis dentro do programa já são vendidos abaixo do teto e aumentar o preço não seria opção porque a renda das pessoas não acompanha. “Vai acontecer uma migração de localização para esse aumento de custo, também reduzindo o tamanho. Vamos ver se o público ainda vai se sentir atraído”.
Está sob avaliação do governo federal uma proposta para readequar a linha de subsídio nas faixas mais baixas do Casa Verde e Amarela. O projeto, já apresentado ao setor da construção, prevê uma mudança na curva de subsídio, para abarcar mais gente remanejando os subsídios, dando origem a um grupo maior correspondente à faixa mais baixa do programa. O Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) foi questionado pela reportagem sobre o andamento da medida, mas não respondeu até a publicação desta matéria.