Com os combustíveis subindo reiteradas vezes, e a crise com as plataformas de transporte por aplicativo, ganhando novos capítulos dia após dia, motoristas já combinam corridas particulares com os passageiros para garantir um rendimento “por fora” que não esteja submetido às taxas das empresas.
Assim, uma função muito comum no passado ganha uma nova roupagem, garantindo a sobrevivência de uma profissão atual. Até a década passada, não era raro que famílias tivessem um "taxista de confiança" para fazer deslocamentos frequentes — como levar os filhos às aulas de judô ou inglês algumas vezes por semana — ou mesmo corridas até o aeroporto "por fora do taxímetro". O mesmo fenômeno ocorre agora com motoristas de aplicativos como Uber e 99.
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Nos últimos dias, a reportagem conversou com vários motoristas do serviço — a maioria sob condição de anonimato. Todos, coincidentemente, além de atuarem em mais de uma das plataformas que rodam na Região Metropolitana do Recife (RMR), admitiram ter clientes que os chamam "por fora" do aplicativo.
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“Ou a gente faz isso ou vamos ter que procurar outra coisa para fazer da vida. O problema é que não há emprego. Só temos esta opção”, conta um deles, afirmando que montou “seu ponto” em um grande supermercado da Zona Sul da capital pernambucana.
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Um dos poucos a aceitar revelar o nome, Carlos Andrade se tornou motorista de aplicativo há quatro anos, apenas para complementar a renda, visto que quando começou no setor tinha um emprego fixo. A covid-19 chegou, e o profissional foi demitido, fazendo das viagens de Uber e 99 a única fonte de renda.
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“Não deu nem um mês de pandemia até eu ser demitido. Foi difícil, porque o aplicativo era apenas para ajudar nas contas”, diz ele, que agora não perde oportunidade na hora de oferecer os serviços particulares para conseguir manter as contas equilibradas.
"Quando o passageiro puxa assunto, e eu encontro alguma brecha, acabo passando meu cartão com contatos pessoais e de WhatsApp", relata Carlos. Ele conta ainda que costuma levar e buscar clientes para a praia de Barra de Catuama, em Goiana, na Zona da Mata Norte do Estado, por R$ 350. "Quando é por fora, posso tirar uns 10% ou até 20%do valor, já que o aplicativo me cobra cerca de 40%, geralmente. Assim, é melhor para mim e também para o passageiro", diz Andrade.
Desde que se tornou motorista, há nove meses, Jefferson Leandro mescla uma rotina de passageiros Uber, 99 e Maxim, com atendimentos particulares. "Comecei atendendo uma vizinha que queria alguém para levar a mãe dela para fisioterapia a cada 15 dias. Agora, tenho até um grupo com alguns clientes no WhatsApp", conta. "Esses tipos de passageiros pagam à vista e não precisamos repassar nenhuma taxa. O dinheiro fica todo para gente".
Ele explica também que alguns desses clientes já são fixos, como uma família que mora no bairro de Areias, Zona Oeste do Recife. “Todos os domingos, levo eles a uma igreja evangélica perto do Parque Treze de Maio. Fechamos um pacote de R$ 140 por mês, ida e volta, todos os domingos”, afirma.
O grupo de WhatsApp não é uma exclusividade de Jefferson. Outros condutores criaram uma espécie de rede de corridas particulares e já usam o aplicativo de mensagens para formar grupos com clientes e outros motoristas. Neles, o passageiro pergunta se há alguém disponível para realizar a viagem. Quem aceita o “pedido”, acerta o preço diretamente com o cliente no privado.
A reportagem teve acesso a um desses grupos. Nele, pelo menos 19 motoristas “disputam” corridas de aproximadamente 177 passageiros. O administrador do fórum, que preferiu o anonimato, afirma que as plataformas têm prejudicado os motoristas, por isso, eles estão abraçando essa alternativa. "Me desculpe o exagero, mas estamos começando a montar um concorrente da Uber e 99", diz ele, emendando sua fala com uma gargalhada.
Plataforma oficial dá segurança, dizem empresas
Por meio de nota, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (A Mobitec), que reúne empresas que prestam serviços tecnológicos à mobilidade de pessoas ou bens, afirmou que os motoristas são livres e autônomos para realizar outros serviços que quiserem. Mas ressaltaram que a segurança de passageiros e motoristas está no uso das plataformas oficiais.
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"O momento em que usuários e motoristas optam por realizar corridas sem o intermédio das plataformas, eles deixam de contar com a cobertura de ferramentas e recursos de segurança proporcionados pelas empresas, como as informações de cadastro, o compartilhamento dos trajetos com pessoas conhecidas e seguro em caso de acidentes, por exemplo", disse a associação em nota.
A Amobitec afirmou ainda que a regulação federal (Lei 13.640/18) determina que o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros deve ser utilizado "exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos", sob risco de ser tratado como transporte ilegal e aplicada multa gravíssima e remoção do veículo.
Na mesma linha, a Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), disse que o serviço "é irregular". De acordo com o órgão público, “os condutores flagrados pelos agentes de trânsito realizando a atividade de transporte remunerado irregular, seja ele um veículo particular realizando o serviço de táxi, aplicativo, transporte escolar clandestino ou ainda mototáxi, poderão ter os veículos apreendidos, além de notificação”.
A autarquia disse também que tem avançado na regulamentação do transporte por aplicativo. “Outra opção regulamentada para realização de serviço de transporte individual de passageiros é o Sistema Municipal de Táxi no Município do Recife, que atua conforme a Lei Nº 17.537/2009.”
Apesar disso, motoristas afirmam não verem outra alternativa na tentativa de driblar o desemprego e a carestia dos combustíveis e outros produtos. “Todo mundo que roda por fora tem medo de ser expulso da plataforma ou ser pego pela CTTU. A gente sabe que não pode, mas a crise nos obriga”, conta Carlos Andrade, um dos profissionais ouvidos pela reportagem.
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