COLUNA MOBILIDADE

Crise da Uber e 99: regulamentação dos serviços é o mínimo para tentar colocar "ordem na bagunça"

Recife aprovou uma lei ainda em 2018 que até hoje não entrou em vigor devido à uma decisão judicial da 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital

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Roberta Soares

Publicado em 27/09/2021 às 12:30 | Atualizado em 06/10/2021 às 11:29
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A importância que os aplicativos de transporte individual privado de passageiros - como a Uber e a 99 - ganharam no Brasil e na grande maioria dos países onde ainda operam, e a grande confusão econômica que eles têm provocado entre motoristas parceiros, clientes e o transporte público coletivo, são argumentos suficientes para que o poder público - em todas as suas esferas - exerçam controle sobre o processo. E a regulamentação do serviço é o mínimo. É a tarefa de casa, obrigatória. Somente depois que ela for exercida na prática - como determinam a Lei Federal 13.640/2018 e as leis municipais sancionadas País afora - deveríamos sentar para conversar.

Mas por que defender a regulamentação num mundo em que a inovação e a liberdade criativa, econômica e financeira ditam as regras?

Porque estamos falando de um serviço de transporte de passageiros, mesmo que privado, que usa o sistema viário das nossas cidades, que desloca vidas no trânsito e por isso é fundamental ser seguro, e que também impacta nos sistemas de transporte público coletivo regulares. A regulamentação é, ao menos, uma forma de as cidades conseguirem algum tipo de compensação com o uso do seu sistema viário, por exemplo.

Todas as leis municipais criadas para regulamentar o serviço dos apps preveem a taxação pelo uso do sistema viário - no caso do Recife, de até 2% da arrecadação das plataformas. Em algumas cidades, inclusive, esse recurso tem rubrica para ser utilizado a favor da mobilidade ativa (bicicleta e caminhada) e do transporte público coletivo - que deveriam receber uma atenção devida dos gestores públicos, já que respondem por até 85% dos deslocamentos urbanos.



JC IMAGEM
Todas as leis municipais criadas para regulamentar o serviço dos apps preveem a taxação pelo uso do sistema viário - no caso do Recife, de até 2% da arrecadação das plataformas - JC IMAGEM


Não estamos aqui defendendo a transferência da responsabilidade para os motoristas parceiros. E, muito menos, para os passageiros do serviço. A taxação deve ser feita às plataformas, com absorção dos custos unicamente por elas. Faz parte do negócio. Faz parte do risco.

REGULAMENTAÇÃO ATRASADA

Pelo menos no Recife, a fiscalização dos aplicativos de transporte remunerado individual de passageiros deveria estar acontecendo desde 2018, quando a Lei Municipal 18.528/2018 foi aprovada pela Câmara Municipal e sancionada pelo então prefeito Geraldo Julio. Não está vigorando devido a uma decisão judicial conquistada pela empresa 99. A Prefeitura do Recife vem tentando revertê-la porque impede o início da fiscalização dos aplicativos e entrou, ainda em junho, com recurso questionando a decisão da Justiça estadual que proibiu a Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) de fiscalizar a empresa 99 e, assim, consequentemente, beneficiar as outras empresas que operam na capital.

O embargo declaratório, instrumento que questiona a decisão do juiz da 4° Vara da Fazenda Pública da Capital, Djalma Andrelino Nogueira Júnior - quem concedeu a liminar à 99 - foi negado. Agora, o município entrará com apelação para tentar modificar a sentença e aguarda o julgamento do recurso. A 99 conseguiu uma liminar ainda em 2020 e teve a decisão confirmada em abril de 2021 pela 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital. A decisão provisória foi dada pelo juiz às vésperas do Carnaval 2020. Assim como até hoje, a 99 não havia se cadastrado na CTTU e poderia ter problemas com a fiscalização.

Na decisão, o magistrado proibiu a CTTU de exigir credenciamento da 99 e dos motoristas cadastrados no aplicativo para atuação na cidade e de impor qualquer tipo de obstáculo, penalidade ou sanção à empresa e aos motoristas-parceiros durante o Carnaval. E ainda determinou multa diária de R$ 30 mil no caso de descumprimento da decisão. Em abril deste ano, ao proferir a sentença, a 4ª Vara manteve a lógica anterior.

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Regras para os aplicativos no Recife - ARTES JC


Entendeu que a exigência de prévio credenciamento e compartilhamento de dados excedem a competência municipal. E que as questões relativas à eventual violação do direito usuário/consumidor já são objeto do Código Civil ou do Código de Defesa do Consumidor. “E a exigência quanto à regularidade dos veículos é de responsabilidade do condutor/proprietário”, diz a sentença.



E seguiu afirmando que nem mesmo a taxa pelo uso do sistema viário - que algumas cidades do País começam a usar para ampliar a infraestrutura para bicicletas ou financiar o transporte público coletivo - deve ser cobrada. “Também descabem as exigências de preço público, seja por desbordar da competência legislativa municipal, seja porque não há prestação de serviço de interesse público envolvido. A mesma sorte ocorre com a exigência de fixação de tarifa, também fora da competência municipal e contrária ao modelo de negócio de intermediação de transporte privado, cujo preço depende das condições de momento do mercado, configurando violação à livre iniciativa."

Em abril, diante da confirmação da sentença da 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital, a Prefeitura do Recife confirmou estar de mãos atadas porque seria de difícil operacionalização fiscalizar os motoristas das empresas cadastradas e deixar de fora os da 99. “Momentaneamente, devido a questionamentos sobre o processo na esfera judicial, a fiscalização não pode ser colocada em prática, pois existe uma ação da empresa 99, cujo processo está em tramitação na Justiça. Com relação à cobrança da taxa pelo uso do sistema viário, a mesma não está sendo feita devido à indefinição judicial sobre o processo de regulamentação”, diz o posicionamento oficial da CTTU.

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Regras para os aplicativos no Recife - ARTES JC

ENTENDA A REGULAMENTAÇÃO DOS APPS

Nessa briga de grandes, quem perde é o passageiro - porque ainda não conta com um serviço fiscalizado pelo município - e a cidade - que deixa de usufruir dos recursos da taxa de uso do viário, um valor de até 2% a ser cobrado dos aplicativos pelo uso do sistema viário do município. Essa cobrança, aliás, é o ponto mais questionado pelos aplicativos. No caso de um problema na oferta do serviço dos apps por exemplo, o cidadão terá que continuar recorrendo apenas às empresas. A CTTU confirma essa limitação: “Há basicamente dois canais para que os usuários possam relatar eventuais problemas. Se o caso for relativo a alguma ocorrência de trânsito, pelo telefone de atendimento da CTTU, 0800 081 1078. Em um eventual problema envolvendo a operação dos aplicativos, pelos próprios canais das empresas”, afirmou na época.

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