Recursos Hídricos

Bolsonaro inaugura obra da Transposição em Pernambuco e é questionado pela falta de água em Salgueiro, que sediou o evento

Em Pernambuco, das 68 cidades que deveriam receber água da obra da Transposição, apenas sete foram beneficiadas: Pesqueira, Belo Jardim, Sanharó, Tacaimbó, Arcoverde, Alagoinha e São Bento do Una

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Adriana Guarda

Publicado em 08/02/2022 às 20:17 | Atualizado em 08/02/2022 às 22:58
A imagem de um vencedor vai aos poucos se esvaindo nessa trama inverossímel - @JAIRBOLSONARO VIA TWITTER

A população de Salgueiro, no Sertão de Pernambuco, tem um calendário de abastecimento de água severo. As famílias chegam a ficar até 18 dias sem uma gota de água nas torneiras, na dependência de carros-pipa. Nesta terça-feira (8), a cidade foi palco de visita do presidente Jair Bolsonaro (PL) para inaugurar parte da Transposição do Rio São Francisco, obra iniciada desde 2007, que atravessou quatro governos e deveria beneficiar 2 milhões de pessoas em 390 municípios nos Estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Em solo pernambucano, a previsão seria abastecer 68 cidades, mas apenas sete tiveram acesso à água até agora: Pesqueira, Belo Jardim, Sanharó, Tacaimbó, Arcoverde, Alagoinha e São Bento do Una.

Depois de chamar os nordestinos de "paus-de-arara", Bolsonaro faz um tour pelo Nordeste para inaugurar trechos da Transposição em Pernambuco, no Ceará e no Rio Grande do Norte. No balanço apresentado no final do ano passado, o Ministério da Integração Regional (MIR), comandado por Rogério Marinho, se 'gaba' de ter concluído o Eixo Leste da Transposição e alavancado o Eixo Norte. Mas, no caso da maior obra hídrica do País, inaugurar trechos nem sempre significa cumprir o propósito de levar água às pessoas.  

A Transposição é um projeto complexo: é como se a água do rio São Francisco enfrentasse um monte de obstáculos até chegar à casa de Dona Maria. Esses obtáculos são vencidos por bombas, canais, estações elevatórias, ramais e adutoras, que ajudam a água a cumprir o seu caminho. Pernambuco é um exemplo de que toda a engrenagem precisa estar funcionando para o abastecimento se completar. No ano passado, a gestão Bolsonaro inaugurou o Ramal do Agreste.

O Ramal do Agreste leva a água do Eixo Leste da Transposição para a Barragem do Ipojuca, no município de Arcoverde. É ele quem recebe a água do rio, mas a operação só se completa com a Adutora do Agreste, que depende da liberação de R$ 320 milhões para ser concluída. Na prática é assim: sem adutora, sem água. A obra da Adutora foi iniciada em 2013, com previsão de investimento de R$ 3,2 bilhões para beneficiar 2 milhões de pessoas em 68 municípios. 

O objetivo da adutora é pegar a água da Barragem do Ipojuca, tratar e levar para as cidades. Isso será feito por um emaranhado de rede de 1,5 mil quilômetros. De acordo com a Compesa, a primeira etapa da adutora previa investimento de R$ 1,4 bilhão para atender a 23 municípios. A previsão era concluir em 2015, mas está com um atraso de 6 anos até agora. Com 87% executada, o novo cronograma é dezembro de 2023. A segunda etapa seguer chegou a ser conveniada e vai atender a 45 cidades. 

Ainda segundo a Compesa, por enquanto, os municípios que tiveram acesso à água da Transposição em Pernambuco foram Pesqueira, Belo Jardim, Sanharó, Tacaimbó, Arcoverde, Alagoinha e São Bento do Una, graças à integração da Adutora do Agreste com a Adutora do Moxotó. Mesmo nessas cidades já atendidas o abastecimento não é completo e a população ainda sofre com a falta de água. 

Por isso, o vice-prefeito de Salgueiro, Edilton Carvalho (Cidadania), cobrou publicamente do presidente a falta de água no município. Durante o evento deste terça (8) foi inaugurado um Núcleo de Controle Operacional (NCO), responsável por concentrar, processar e controlar as redes de Tecnologias de Informação, as estações de bombeamento, subestações, estruturas de controle e tomadas de água dos dois eixos do Projeto São Francisco. Apesar da importância do Núcleo, Salgueiro vai continuar sem água, a espera da conclusão da Adutora do Agreste. 

“Presidente, tenho uma queixa. Nossa cidade está fazendo 18 dias sem ter água e não se resolve o problema. Falei com o ministro (Gilson Machado, do Turismo), que falou que já vinha a verba para o Estado. Onde está o dinheiro que não resolve a questão de Salgueiro?”, questionou. O ministro respondeu, explicando que o problema era do governo de Pernambuco. 

“Eu vi a sua reclamação, vou lhe dizer uma coisa. O que é mais difícil? Puxar a água de Cabrobó para Salgueiro ou de Salgueiro para Salgueiro, dentro da sua cidade? A nossa parte a gente fez, o seu governador não fez”, disparou Machado, arrancando aplausos dos apoiadores na plateia. A parte que o Estado não fez, que o ministro se refere, é a conclusão da Adutora do Agreste, que aguarda recursos do governo Federal. Em abril, Bolsonaro suspendeu os repasses para a obra. 

Falta concluir

O governo Federal calcula que a Transposição já recebeu investimento de R$ 14,6 bilhões e que esse valor poderá ultrapassar R$ 16 bilhões até a finalização. Apesar das frequentes inaugurações, a obra ainda não está concluída. No Rio Grande do Norte, por exemplo, após 13 anos do início da obra, a água chegou pela primeira vez ao Estado nesta terça, pelo  município de Jardim de Piranhas, no Seridó potiguar.

O Estado é destino final do eixo Norte da obra de Transposição. Assim como Pernambuco ainda aguarda pela Adutora do Agreste, o Rio Grande do Norte espera a construção do Ramal Apodi, que vai levar água para toda a região do Oeste potiguar, inclusive Mossoró. Com todas as pendências para a sua concusão, a obra ainda deverá passar por mais uma gestão. Fica o questionamento: mesmo reconhencendo toda a complexidade da Transposição, quantas décadas são necessárias para concluir uma megaobra no Brasil? 

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