Resumo
Uma eventual derrota de Donald Trump poderia ser interpretada como um indicativo de freio na onda de direita a partir do referendo sobre o Brexit em 2016, com reações variadas atráves dos países, como Itália e Alemanha, e também no Brasil com Jair Bolsonaro em 2018. O resultado das eleições americanas poderia apontar uma direção no pleito brasileiro de 2022 em que o presidente pretende concorrer à reeleição.
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"Algumas evidências mostram que o ambiente internacional gera algum efeito na cenas domésticas", diz o analista político da Consultoria Tendências, Rafael Cortez. As disputas políticas trazem imagens que são associadas à comunidade internacional. Os casos de Argentina e Venezuela, vistos como a continuidade da esquerda durante essa década, ajudou a legitimar o voto no Brasil em 2018. E há outros exemplos. "Quando Paulo Guedes encaminhou a reforma da Previdência, fez referência ao modelo chileno. Menções aos Estados Unidos também apareceram dentro da narrativa do risco do comunismo", cita.
Na América Latina, após a vitória de Bolsonaro, aconteceu uma inversão à política conservadora, com a vitória da esquerda na Argentina, a volta do grupo de Evo Morales ao poder na Bolívia e o recente plebiscito no Chile que decidiu pela mudança da constituição.
A confirmação de um cenário de alternância de governo ao campo mais progressista dos EUA poderia indicar, também, mudança de ares para o Brasil daqui a dois anos.
Qualquer que seja o resultado da política americana, o fato é que não haverá um cenário positivo para o Brasil e, principalmente, para o governo Bolsonaro. "Mesmo a administração Trump não produz resultados palatáveis para o Brasil na agenda de política externa ou de desenvolvimento. Note-se a questão de entrada de brasileiros nos EUA e as retaliações comerciais", diz Cortez.
Pedro Paulo Silveira, da Nova Futura, concorda que não há vantagem para o Brasil no caso de uma vitória de Trump, apesar do alinhamento do governo Bolsonaro. "Na OCDE, o apoio dos EUA não deu um centavo pra gente até agora. Conseguimos ganhar sobretaxa no aço e o resto foram promessas e cinco milhões de doses de cloroquina. O Brasil perdeu espaço no ambiente multilateral de negociações na OMC (Organização Mundial do Comércio) ao abrir mão da condição de país emergente. Não vejo como a eleição de um, ou de outro, venha a nos beneficiar, mas o fato é que, com Biden, haverá a volta das negociações multilaterais", diz.
Para os analistas, uma vitória de Joe Biden poderia beneficiar o Brasil indiretamente, pois a política externa americana tem maior interesse na Ásia e Oriente Médio. Aumentaria, no entanto, a pressão sobre a questão ambiental. Durante o primeiro debate presidencial, há algumas semanas, Biden citou as queimadas na Amazônia como um problema.
Seria mais pressão sobre o governo Bolsonaro, avalia Ivo Chermont, sócio e economista chefe da Quantitas Asset Management. "Eu acho que houve uma mudança de retórica do governo por conta da pressão que vem dos europeus. Com uma vitória democrata, naturalmente esse nível de pressão aumentaria muito. O próprio Biden já falou que voltaria com acordo de Paris."
A analista da XP lembra que as relações comerciais e diplomáticas entre os Estados Unidos e o Brasil são sólidas e não mudaram de forma significativa durante o governo Trump. Por esse motivo, a atual convergência não deve ser afetadas no longo prazo, mesmo no caso de uma divergência entre os presidentes.
"Biden acabou ameaçando, inclusive com repercussões severas ao Brasil, durante o debate presidencial. Isso não é algo positivo para uma economia que já está enfrentando as dificuldades da pandemia e também com preocupações fiscais, apesar de Biden ser um pouco mais positivo para os mercados emergentes ao ter uma postura que favorece o comércio global", diz Sol Azcune. "Trump defende uma pauta mais nacionalista resumida no slogan America first e make America great again", lembra.
No campo econômico, o candidato democrata traz mais previsibilidade e isso pode levar a um aumento de investimentos e comércio como um todo. "Biden seria mais positivo para o fluxo de investimento estrangeiro nos emergentes, grupo em que o Brasil está inserido", diz o economista, comparando com o lado negativo do candidato republicano aos olhos do mercado. "Trump, sobretudo, é imprevisível. Quando você faz investimento, precisa de algum grau de previsibilidade."
A pauta ambiental de Biden, inclusive, poderia beneficiar um importante setor da economia de Pernambuco, a indústria sucroalcooleira. O governo Trump suspendeu os percentuais de mistura do etanol na gasolina para as pequenas refinarias no mercado interno deles. Segundo o presidente do Sindaçúcar-PE, Renato Cunha, é possível que a volta dos democratas ao poder também signifique a volta a obrigatoriedade da mistura de 10% de etanol na gasolina no mercado americano.
Cunha explica que a lei americana permite uma mistura de até 15% de etanol na gasolina. "Se os americanos aumentassem de 10% para 15% iriam permitir um espaço de 27 bilhões de litros, o equivalente a toda produção do Brasil". Isso não quer dizer que os americanos vão comprar toda a nossa produção, mas deixariam de exportar o etanol de milho deles para o Brasil. "O problema é que eles exportam para cá em plena safra e a gente fica sem poder vender o nosso produto, porque as distribuidoras ficam abastecidas com o produto americano", diz Cunha.
A produção brasileira de etanol é quase toda voltada para atender o mercado interno brasileiro. "É muito injusta essa competição do etanol americano, subsidiado na origem pelas leis agrícolas deles e vêm para tomar o nosso espaço."
Segundo Cunha, a concorrência com o etanol americano não beneficia o consumidor final, já que quem define preços são as distribuidoras e não o produtor. "Eles podem até importar pro um preço melhor, mas não repassam ao consumidor porque o preço deles tem uma certa paridade com a gasolina". Para ele, tanto os democratas quanto os republicanos são protecionistas no mercado de açúcar e, pelo mercado de etanol, os democratas têm uma postura mais em favor do meio ambiente.
De forma geral, a leitura de mercado é que uma vitória de Biden faria o dólar se enfraquecer em relação às outras moedas, deixando, portanto, o real mais valorizado. No mercado acionário, da vitória dos democratas pode trazer uma volatilidade de curto prazo, por causa da agenda de aumento de impostos dos democratas, principalmente às empresas ligadas à saúde, mas, no longo prazo, o efeito seria de menor volatilidade e valorização.
A pandemia, que une os presidentes Trump e Bolsonaro no discurso, no entanto, vem prejudicando a relação comercial dos dois países. Este ano, o valor das transações comerciais caiu para o nível de 11 anos atrás, de janeiro a setembro, último dado disponível - cerca de US$ 33,4 bilhões, uma queda de 25% em relação a 2019. Os EUA são a maior economia do mundo e o segundo país com a qual o Brasil realiza mais transações de comércio.
Com a China, o quadro se inverte. A segunda maior economia do mundo é o principal parceiro brasileiro. As transações comerciais aumentaram em 6,2% no mesmo período, US$ 78 bilhões, com superávit de US$ 28,7 bilhões para o Brasil. Na relação com os EUA, o saldo é negativo em R$ 3,1 bilhões, ou seja, compramos mais dos americanos.
Enquanto isso, a China é o nosso maior comprador. Para se ter uma ideia, 30% de todas as nossas exportações vão para o país asiático, 75% da soja vendida pelos produtores brasileiros vão para lá e 52% da carne também. O Brasil é o quinto maior exportador de petróleo para os chineses, sendo que 8% deste produto consumido por lá é brasileiro.
O governo central e das províncias têm total autoridade sobre a economia do país e, portanto, uma postura de acirramento político com a China país pode ter repercussões negativas para a economia brasileira.
Além disso, a guerra comercial liderada por Trump poderá prejudicar ainda mais a relação do Brasil com a China. O país asiático produz barato e exporta muito para os EUA. Essa relação comercial com os americanos é a sua principal fonte de dólares, que em última análise, é usado para pagar as compras dos produtos brasileiros.
"Se a China perder o mercado dos EUA, perde sua fonte de dólares e cria um problema grande para pagar suas contas exteriores. Hoje suas reservas de dólares estão em baixa histórica e daqui a pouco o país não conseguirá mais pagar, a não ser que o Brasil passe a aceitar o yuan como moeda de pagamento", disse o sócio da ARC Capital, Rui Cavendish, em uma entrevista ao podcast Stock Pickers Infomoney.
A visão do mercado também é a de que uma vitória de Biden seria mais positiva neste sentido, apesar de que os democratas não devem aliviar para os chineses na guerra comercial, apenas mudar a abordagem. "O governo Biden deverá tentar usar outras armas da diplomacia e dos acordos comerciais, mas mantendo essa prerrogativa de que os chineses têm que entregar mais aos americanos", diz Ivo Chermont, da Quantitas.
Sol Azcune, da XP, avalia que há uma pressão do eleitorado americano para que o governo adote uma linha dura contra os chineses. "Apesar disso, Biden mudaria a abordagem. Ele tem uma tradição mais institucional, então a sua abordagem seria mais coordenada com os aliados, como União Europeia e Austrália", explicou.
Dentro deste cenário, a vida para o atual governo brasileiro não será fácil, já que adotou uma política de alinhamento automático com o governo Trump, dentro desse movimento conservador de teor nacionalista. No mês passado, por exemplo, o governo Bolsonaro se uniu aos Estados Unidos e Japão para pressionar a OMC a cobrar o cumprimento do princípio de economia de mercado, um movimento interpretado como tendo foco contra a China.
Para Rafael Cortez, da Tendências, a solução do impasse poderia passar por uma postura mais de estado do que necessariamente de governo na política externa brasileira. "O Brasil poderia ter um ganho se tivesse uma política externa mais pragmática e não desenhada apenas para questões domésticas", comenta. "O risco comunista é muito mais uma manifestação política do que estratégia crível de inserção internacional", diz.
Na sua visão, o problema vai ser aumentado com a decisão, deixada para o ano que vem, da cobertura 5G no Brasil. Os EUA pressionam o Brasil a não aceitar os equipamentos da Huawei, empresa de telecom ligada ao exército chinês. "O fundamental é manter o interesse nacional. O Brasil vai ter que escolher."