Conheça a história por trás da foto da família de capivaras no Recife que você deve ter recebido pelo WhatsApp

Capivaras passeiam com frequência perto do Rio Capibaribe no bairro da Ilha do Leite, área central da cidade
Julliana de Melo, Gabriela Máxima
Publicado em 29/04/2020 às 15:58
Capivaras apareceram na área urbana do Recife Foto: FÁBIO LOPES/CORTESIA


Uma fotografia de uma família de capivaras às margens do Rio Capibaribe, na área central do Recife, circulou em vários grupos do aplicativo de mensagens WhatsApp nesta quarta-feira (29). Muita gente ficou impressionada com a cena que, ao contrário do que se pensa, é corriqueira na nossa cidade. E não, a imagem não foi registrada hoje ou nos últimos dias. Mas, segundo especialistas, tende a se tornar cada vez mais frequente durante o isolamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus. Seja pela diminuição da presença de carros e pessoas nas ruas, ou pelo simples fato de estarmos mais atentos ao que se passa ao nosso redor, do que vemos pelo lado de fora das nossas janelas. Em meio ao caos, como uma espécie de alento, a natureza tem nos brindado com muitas surpresas, renovando a esperança pela vida.

Já reportamos por aqui, por exemplo, revoadas de borboletas colorindo ruas vazias do Recife, ou aquele cardume gigante de sardinhas que apareceu pela primeira vez em nove anos na Bacia do Pina. Além de um filhote de capivara, que chegou a ser resgatado pelos bombeiros na Praia de Casa Caiada, em Olinda. Mas, vamos lá, voltar à história da família de capivaras que viralizou nas redes sociais hoje.

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Em uma primeira publicação pela manhã, ainda sem conseguir identificar a autoria da foto, trouxemos a avaliação do biólogo e coordenador do Centro de Animais Silvestres (Cetas Tangará) da Agência Estadual do Meio Ambiente (CPRH), Yuri Valença, que nos contou sobre os hábitos dos animais. Segundo ele, as capivaras são de fauna urbana e aproveitam mesmo a redução do movimento na cidade para ocupar espaços perto do rio. Foi quando recebemos nas redes sociais um comentário do médico Fábio Lopes, de 30 anos, que se apresentou como o autor da imagem e disposto a contar a história por trás da fotografia.

Foi na noite do dia 19 de Dezembro de 2019. Fábio, que é clínico geral, estava trabalhando no Hospital Esperança, na Ilha do Leite, e, ao largar, por volta das 22h, se deparou com uma família inteira de capivaras no gramado da beira-rio. "Fiz a foto do carro mesmo, só pra mostrar ao pessoal do hospital e pra amigos e familiares. Meus amigos ficaram achando que era montagem, mas foi real", relembrou ao compartilhar com a gente a sequência original de fotos.

Segundo ele, algumas capivaras estavam bem tranquilas, comendo a grama. Outras deitadas, só relaxando. "A primeira foto foi do estacionamento, quando tava deixando a bata na mala. Percebi que tinha algo no gramado e que eram capivaras, estavam chegando, saindo do rio. Fiquei admirado. Quando desci, estava toda família e fiquei de frente a elas. Embora não dê para ver na foto, eram nove ao todo."

Conversando depois com pessoas que estão no hospital há mais tempo, o médico soube que é frequente a visita das capivaras ao local. De lá para cá, no entanto, Fábio disse que nunca mais recebeu a visita dos simpáticos animais. Embora, nos últimos dias, quisesse muito revê-los. "Todos os dias procuro. A natureza sempre me traz paz e esperança e com a cidade mais vazia tem sido mais fácil observar muitas belezas que antes estavam mais escondidas".

E paz e esperança são sentimentos muito preciosos nos dias de hoje, principalmente para quem, como Fábio, está na linha de frente no combate à covid-19 no Estado. Diariamente, nas emergências de hospitais privados, ele atende pessoas com suspeitas da doença. "Os plantões da clínica médica tem sido pra atender quase que exclusivamente casos suspeitos de covid. Nas últimas semanas temos visto um aumento muito grande de casos."

Após muitos colegas de profissão terem sido afastados após contrair a covid-19, Fábio viu sua carga de trabalho aumentar de 40 horas semanais para 52 ou 60 horas. Além do medo de também ser o próximo infectado. "É muito ruim essa angústia. Saí de casa no início de março pra não expor minha família. Desde então só os vejo por vídeochamada", disse. Fábio, que é médico há 5 anos, mora com o avô de 91 anos. "E minha mãe também mora no mesmo prédio. Pra evitar a possibilidade de transmitir pra eles, optei por sair". Foi ficar com a namorada, que também é médica e mora sozinha.

De plantão, Fábio conversou com a gente e foi enfático ao afirmar que manter o isolamento social é mais do que importante. "Já estamos vivenciando sobrecarga no sistema de saúde de Pernambuco e a única maneira de salvar mais vidas é respeitando o isolamento." Por Fábio e por todos os profissionais da saúde, fique em casa. A natureza, de quebra, também agradece. E nos presenteia.

Animais de fauna urbana do Recife

O biólogo e coordenador do Cetas Tangará e da CPRH, Yuri Valença, explicou um pouco mais sobre o comportamento das capivaras e outros animais no Recife. "Algumas coisas estão acontecendo e merecem destaque. As capivaras são animais de fauna urbana. Elas nunca deixaram de estar ali, tanto que é frequente a presença delas na Avenida Beira Rio (no bairro da Torre, Zona Norte). Também já foi possível observar um jacaré, que faz ninho naquela área", comentou o especialista, que completou. "Esses bichos que vivem nas margens são animais que sempre estão por ali. No Rio Tietê, em São Paulo, é cheio de capivara. Eles não precisam de mata. Precisam de um ponto de água e graminhas baixas", esclareceu.

Yuri ainda contou que animais como as capivaras sobrevivem em um ambiente próximo aos centros urbanos porque são mais flexíveis nesse sentido. "Eles conseguem conviver com barulho, por exemplo. E são uma das únicas espécies que conseguem sobreviver, porque o espaço delas já foi bastante reduzido. Assim como guaxinins, preguiças, jacarés", falou.

Em feriados prolongados

A cena também é comum em feriados prolongados. "É quando mais aumenta a quantidade de animais sendo entregues. Isso porque as pessoas não vivenciam sua casa. Não vêm os habitantes do quintal. Quando voltam para casa observam iguana, preguiça e acham que não eles não pertencem àquele lugar. Mas é quando o ambiente está mais tranquilo e os animais se sentem mais à vontade. As pessoas não estão acostumadas e trazem os animais que não precisam ser capturados", alertou.

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