Passarelas do Recife são símbolos de abandono e descaso

Reportagem encontrou estruturas pichadas, enferrujadas, quebradas e desativadas
Amanda Rainheri
Publicado em 14/12/2020 às 17:10
PRECARIEDADE - Passarelas de pedestres no Recife causam medo e transtornos para os usuários. Foto: YACY RIBEIRO/JC IMAGEM


“Aqui é dinheiro jogado no lixo.” A frase foi escrita em forma de protesto em uma das torres da passarela do Pina, na Zona Sul do Recife, porta de entrada para uma das áreas mais nobres da capital pernambucana. Inaugurada em 2008 pelo então prefeito do Recife João Paulo, a construção é símbolo de descaso e desperdício de dinheiro público. Mas ela não é a única. Outras estruturas semelhantes, que deveriam priorizar o pedestre, estão sem manutenção. Sem opção, quem precisa passar pelos locais se aventura em meio aos veículos, o que, muitas vezes, acaba resultando em acidentes.

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Com 59 metros de extensão e 3,5 metros de largura, a passarela do Pina, localizada na Avenida Herculano Bandeira, foi a primeira a contar com dois elevadores e quatro escadas rolantes. A construção, que levou oito meses para sair do papel, faz parte das ações do projeto Via Mangue e custou aos cofres públicos R$ 3,81 milhões. Mas quem vê as imagens da inauguração, há pouco mais de dez anos, não reconhece a estrutura que existe hoje no local. Das escadas rolantes, não restam nem mesmo os degraus. O espaço vazio virou depósito de lixo, assim como o vão do elevador, que deixou de funcionar. As estruturas estão pichadas, quebradas e enferrujadas. Desativada há cerca de três anos, a passarela virou abrigo para moradores de rua e ponto de consumo de drogas, o que também aumenta a insegurança.

O motorista Claudeilton Lopes, 49 anos, passa pelo local de madrugada, quando larga do trabalho, e relata momentos de medo. “Me sinto muito inseguro. Com o abandono, só fica aqui quem vem para consumir droga, principalmente à noite. A prefeitura precisa colocar pelo menos vigilantes.” A reportagem encontrou Cladeilton e outros pedestres tendo que correr para conseguir atravessar a Herculano Bandeira. “O sinal fecha, mas os carros saem de outras ruas, então a gente precisa atravessar com pressa. Não tem segurança”, desabafa.

O comerciante Sidney Oliveira, 29, que tem uma barraca ao lado da passarela, já perdeu as esperanças. “Essa situação já foi denunciada várias vezes, mas nunca se faz nada. Nós queremos a retirada da passarela. Infelizmente, o poder público só vai fazer alguma coisa quando acontecer algum acidente.” Morador do Pina, ele lamenta que o equipamento não tenha sido bem cuidado. “Isso é coisa de primeiro mundo. Outros bairros nobres da cidade, como Casa Forte, Espinheiro, não tem uma coisa dessas. A gente teve e, infelizmente, não soube cuidar. A prefeitura também não fez a parte dela, aí a situação é essa agora”, lamenta.

Em nota, a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) informou que analisa uma proposta da iniciativa privada para adoção da passarela, em contrapartida ao isso do local como espaço publicitário. “A adoção prevê a recuperação do equipamento e dos elevadores, além da ocupação do espaço antes pertencente às escadas rolantes. Essas parcerias são importantes por permitir que a gestão municipal invista o dinheiro pago pelo contribuinte em outras atividades e serviços na cidade voltados para quem mais necessita, uma vez que a manutenção do equipamento demanda um volume razoável de recursos”, diz um trecho do comunicado. Devido à pandemia, no entanto, as tratativas foram suspensas, segundo a gestão.

Mais descaso

A passarela do Pina não é a única que precisa de reparos. Localizada próximo ao Fórum de Joana Bezerra, na área Central da capital, a passarela que cruza o viaduto Capitão Temudo causa medo em quem precisa atravessar. “Balança demais. Estou há meia hora andando muito devagar, morrendo de medo. Precisa de manutenção urgente”, defende a aposentada Antônia da Silva, de 68 anos.

A construção está pichada, tem ferros expostos e, entre uma das rampas de acesso e a parte superior da passarela, existe uma fresta grande, que cabe o pé de um adulto. Diferente de outras passarelas, nessa não há opção para o pedestre atravessar por baixo, porque o fluxo de carros no viaduto é grande e não há acesso para transeuntes. Em nota, a Emlurb esclareceu que a passarela passou por intervenções em 2018, com investimento de R$ 110 mil. “As placas de ferro que compõem o piso foram substituídas. Além disso, houve também a troca das placas de concreto que dão acesso à estrutura, reparos elétricos e na fiação para a iluminação (depredada por vandalismo ou furto) e pintura”, explicou a pasta.

A passarela que cruza a BR-232, na altura do Curado, Zona Oeste do Recife, também passou por intervenções recentes, mas acumula problemas. A estrutura, de aproximadamente 60 metros de extensão, precisou receber serviços de recuperação da viga principal e do vão central, além dos pilares de sustentação, após acidentes de trânsito que danificaram a construção. As obras ocorreram entre setembro de 2019 e janeiro deste ano e custaram R$ 781,4 mil. “Um dinheiro enorme e não ajeitaram os buracos nem a pintura?”, questiona a comerciante Maria de Lourdes da Silva, 58. “Está tudo quebrado. Eu não entendi porque fizeram uma obra e não ajeitaram tudo o que tinha para arrumar”, reclama.

Pichada, com guarda-corpos enferrujados, ferros expostos e buracos, a passarela é alvo de reclamações de quem passa. Em nota, o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) informou que a intervenção foi necessária “por conta dos danos causados por colisões de veículos pesados e pela própria ação do tempo”, que danifica a estrutura. O órgão disse ainda que serviços complementares, como pintura, serão feitos em 2021.

Na mesma rodovia, outro drama. Dessa vez, por falta de uma passarela. Em 2017, a que dava acesso ao Hospital Pelópidas Silveira, também no Curado, foi retirada. Construída em 2012, ela deveria ser provisória, mas a construção da estrutura definitiva nunca saiu do papel. Assim, quem precisa acessar o local, acaba tendo que atravessar em meio à BR-232. “É uma agonia para atravessar. Eu e outros comerciantes precisamos ajudar sempre. Já parei carro para cadeirante e idoso passar. Outras pessoas preferem pegar outro ônibus para retornar e não precisar passar pelo meio dos carros”, relata o comerciante João Lourenço, 64, que trabalha no local. Segundo ele, acidentes são frequentes. “Esses tempos, atropelaram uma mulher grávida. Morreu ela e o bebê”, conta.

Em nota, o DER informou que há um processo de tratativa conjunta do Governo de Pernambuco com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) para assinatura de um convênio de transferência de recursos da ordem de R$ 2.490.000 por parte do órgão federal, objetivando a execução das obras de instalação de uma nova passarela metálica no trecho especificado da BR-232 (km 5,7). Após a assinatura do acordo, prevista para este mês de dezembro, a expectativa é que os serviços iniciem no primeiro semestre de 2021.

O DNIT, no entanto, sequer tirou do papel intervenções que são de sua responsabilidade, como a reforma da passarela que fica em frente ao Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) e ao Colégio Militar do Recife (CMR), no Engenho do Meio. A estrutura de concreto armado, com 50,9 metros de extensão, está danificada em vários trechos. Buracos e ferros que se projetam oferecem riscos para quem passa. Uma camada de cal foi passada para tentar disfarçar os problemas. “Está muito esburacado, tem que melhorar. Não passa segurança para ninguém”, critica a vendedora Raiane Freitas, 20. Também por nota, o Dnit informou que a construção “recebe serviços de manutenção rotineira e passa por intervenções pontuais quando necessárias (pintura, limpeza, caiação), as quais estão incluídas no contrato de manutenção em vigor para o trecho da rodovia.” O órgão disse ainda que a passarela será objeto de recuperação e que já existe um anteprojeto aprovado. Agora, trabalha na elaboração do projeto para a execução dos serviços.

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