Com informações da repórter Beatriz Albuquerque, da TV Jornal
Ao falar do Centro Cultural Desportivo Nascedouro, em Olinda, O “Poeta de Peixinhos”, Oriosvaldo Limeira, determinou: “Esta terra banhada em sangue de animais, suor de homens, / não será mais matadouro posto que / doravante será o Nascedouro da Cultura Popular". E assim cumpre Gilson Gomes, diretor e coreógrafo que há 23 anos perpetua no local a Consciência Negra — comemorada neste sábado (19). “Com chuva, com sol, com choro e com aperreio, resistimos”, disse o artista, que comanda o Balé Majê Molê, formado por jovens pretos.
A energia do quilombo urbano "mexe" com as desgastadas paredes do histórico Centro Cultural. Com movimentos precisos e fortes, as “crianças que brilham”, significado de Majê Molê em iorubá, se movem pela edificação do antigo abatedouro gerando além do aprendizado de passos de dança. Lá, no lugar de evocar a dor, reconectam-se com a ancestralidade e o orgulho da própria pele.
- Brasil, uma nação sem consciência negra
- Mensagem do Dia da Consciência Negra: veja frases para este 20 de novembro
- Consciência Negra? STJD devolve os três pontos que haviam sido retirados do Brusque
- Festival de cultura encerra a Marcha da Consciência Negra no Recife neste sábado. Confira a programação
A história do grupo que hoje se reúne nas terças, quintas e sábados começou com uma sugestão da esposa dele, Glória, em uma festa para crianças na Comunidade de Água Fria. “Ela disse, Gilson, você não foi do balé de arte negra de Pernambuco? Podemos montar um”, disse ele. “Nós montamos e apresentamos, foi um sucesso. Uma das meninas que participou perguntou se podíamos dar continuidade, e eu disse que sim”, contou.
Quando ainda menino, Gilson sonhava em ser jogador de futebol, mas Deus e seus orixás, segundo ele, o trouxeram para a dança. Apesar de ter orgulho da profissão, ele revela que, pela persistência do racismo no Brasil, não é fácil. “A cultura negra ainda é muito discriminada, mas é um orgulho passar a resistência dela. Eu trabalho para isso e vivo de dança afro. Aprendo todos os dias que estou com eles, principalmente na comunidade”, afirmou ele, que acaba de voltar de uma viagem da França, onde foi dar uma oficina de dança.
Nas escolas e nos espaços em que frequentava, a pedagoga Kemla Baptista enxergou nas crianças a ausência de representatividade. “Como a gente vive em um país com uma estrutura baseada no racismo, elas acabam sendo vítimas de um processo de invisibilidade e de não se perceberem nos espaços de relevância”, pontuou. Por isso, teve a ideia de criar, no Varadouro, a Casa do Ofá, a primeira sede de educação anti racista em Pernambuco.
Ela conta histórias populares da cidade juntando elementos que se relacionam com a ancestralidade dos pequenos. “Em Pernambuco, a população preta vive uma dificuldade de autoconhecimento: de saber o que a gente é e ser feliz com isso. Precisamos ser conscientes e levar as crianças a agirem contra o racismo desde cedo. A diversão é um convite à reflexão”, disse.
E é assim, ao contar histórias leves como a que escreveu no livro “A Festa da Cabeça”, que as crianças negras são empoderadas. “Precisamos saber que não descendemos de escravos, mas de reis, rainhas, de pessoas potentes, de inventores da matemática, da tecnologia. A melhor resposta do que venho fazendo há tanto tempo é ver a criança confidenciar a mim alguma situação que ela passou, sabendo que não pode deixar e que é importante. A diversão é um convite à reflexão”.
O sonho pela igualdade
No Brasil, o sonho pela igualdade racial ainda parece longe de ser atingido. Dados são do Atlas da Violência divulgados neste ano apontaram que negros representaram 77% das vítimas de homicídios no país em 2019, com risco 2,6 vezes superior de ser assassinado ao de uma pessoa não negra. A atual presidenta da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE) e primeira mulher negra a assumir uma cadeira no Conselho Estadual da OAB, Manoela Alves, conhece bem as entrelinhas da justiça brasileira, e afirma que a Lei de Racismo está repleta de falhas.
"Ela acaba passando por uma falta de credibilidade, porque no nosso ordenamento jurídico os meios que existem para enfrentamento ao racismo ainda são muito ineficientes. O Estado brasileiro precisa se comprometer com isso. Tanto que há agora uma comissão formada por juristas negros e negras na Câmara dos Deputados para revisar a lei, visando que seja mais efetiva, que esteja em consonância com os anseios sociais da atualidade e principalmente que consiga buscar um compromisso maior das instituições, conseguindo trazer um rigor maior nas responsabilizações nos casos de configuração de crime", disse.