MEIO AMBIENTE

"Nunca vimos nessa proporção." Pescadores sofrem com excesso de lixo nas praias. Relação com Porto do Recife é investigada

Um "mar" de lixo chegou a praias do Grande Recife nas últimas semanas. Relação do problema com o processo de dragagem feito pelo Porto do Recife é investigada pela Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) e pelo Ministério Público Federal (MPF)

Cadastrado por

Katarina Moraes

Publicado em 15/02/2022 às 18:25 | Atualizado em 16/02/2022 às 17:13
Pescadores afirmam que o lixo reaparece quando obras de dragagem são iniciadas - GUGA MATOS/JC IMAGEM

Atualizada em 16 de fevereiro*

As redes dos pescadores de Brasília Teimosa, na Zona Sul do Recife, há cerca de uma semana capturam mais plástico que peixe. Apesar da poluição marinha ser um problema sempre presente, “nunca tínhamos visto nesta proporção” - dizem eles sobre o lixo, que tem chegado em surpreendente quantidade a praias da Região Metropolitana do Recife. Após denúncias, a relação dos resíduos com o processo de dragagem feito pelo Porto do Recife começou a ser investigada pela Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) e pelo Ministério Público Federal (MPF).

Ao sair para trabalhar nesta terça-feira (15), o pescador Severino Ramos dos Santos, 54, se deparou com “muitos copos e muitos adesivos de água mineral” na Baía de Tamandaré, no Ipojuca. “A gente via muito entre os anos 90 e 95, era frequente. Mas nunca do jeito que tem sido agora. Da semana passada para cá começou isso, estão encontrando em todas as praias do litoral. Todo mundo fica prejudicado, mas, infelizmente, como pescadores, temos que aturar isso”, relatou.

Imagens que mostravam os entulhos em alto mar rodaram as redes sociais nesta semana em diferentes municípios, entre eles Recife, Cabo de Santo Agostinho, Ipojuca e Jaboatão dos Guararapes. Apenas as duas últimas, entretanto, contabilizaram uma alta no recolhimento. Recife* disse não ter percebido "qualquer anormalidade durante os serviços de coleta nos últimos dias", e que "precisar o peso do lixo coletado apenas nas praias, pois os resíduos recolhidos são misturados nos caminhões de coleta ao lixo domiciliar". Cabo não respondeu.

Pescadores sofrem com lixo que apareceu nas praias do Grande Recife - Guga Matos/JC Imagem
Pescadores sofrem com lixo que apareceu nas praias do Grande Recife - Guga Matos/JC Imagem
SUSPEITA Pescadores afirmam que a grande quantidade de lixo reaparece nos mares sempre que obras de dragagem são iniciadas - Guga Matos/JC Imagem
Pescadores sofrem com lixo que apareceu nas praias do Grande Recife - Guga Matos/JC Imagem
Pescadores sofrem com lixo que apareceu nas praias do Grande Recife - Guga Matos/JC Imagem
Pescadores sofrem com lixo que apareceu nas praias do Grande Recife - Guga Matos/JC Imagem
ANÁLISE Técnicos da CPRH investigam se problema do lixo nas praias tem relação com a atividade da dragagem do Porto do Recife - Guga Matos/JC Imagem

Jaboatão dos Guararapes disse ter observado “um aumento significativo na quantidade de material recolhido na faixa de areia”. Até o último domingo, 13, foram coletadas cerca de 4,5 toneladas, quase o dobro do volume recolhido no mesmo período em 2021, de aproximadamente 2,3 toneladas. Já Ipojuca informou que os resíduos chegaram, no início de fevereiro, em quantidade 20 vezes maior que o normal, mas que não houve novos registros desde então. Por isso, atribui a chegada às fortes chuvas. Em 1º de fevereiro, o volume chegou a 20m³. 

“Isso vem nos prejudicando, está atrapalhando os pescadores, sem falar na degradação ambiental que está ocorrendo, porque isso prejudica as espécies. Os pescadores estão reclamando muito, pegam mais lixo que camarão. Ficamos tristes, porque é do mar que a gente tira o sustento”, relatou a presidente da Colônia Z1, de Brasília Teimosa, Sandra da Silva Lima. Ela informou que o caso foi denunciado para a Federação dos Pescadores do Estado de Pernambuco, que ainda discute qual posição irá tomar.

Conhecedores dos mares, os pescadores afirmam com veemência que o lixo reaparece quando obras de dragagem são iniciadas. Basicamente, o serviço consiste no desassoreamento e desobstrução dos berços de atracação, canais de acesso e bacias de evolução, para dar profundidade e facilitar a navegação de grandes navios no ancoradouro. Após 10 anos de pausa, nova dragagem começou a ser feita no Porto do Recife em 22 de janeiro deste ano, com previsão de 40 dias para conclusão, com investimento de R$ 28.387.413,54. As obras receberam as visitas do ministro do Turismo, Gilson Machado, e pelo governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB).

O oceanógrafo Daniel Galvão explicou que a dragagem é um procedimento comum nos portos, e que não necessariamente é nocivo ao meio ambiente. “Não somos contra dragagem, é um procedimento normal nos portos. o que somos contra é que uma indústria milionária se sujeite a um estudo amador que não leve em consideração estar fazendo uma dragagem em um local cheio de lixo”, pontuou. Segundo ele, a correnteza, que normalmente vai do Recife para o Litoral Norte, nesta época, está em direção ao Litoral Sul.

No último ano, inclusive, o Porto do Recife chegou a receber o prêmio ANTAQ 2021 na categoria de “Maior evolução anual do Índice de Desempenho Ambiental – IDA 2020”. Concorrendo com os portos de Natal (RN), Angra dos Reis (RJ), o Terminal Marítimo Ponta Ubu, Atem PVH e TMB - Terminal Marítimo de Belmonte, o ancoradouro recifense ficou em terceiro lugar. 

Investigações

A partir de representação feita pelo Instituto Salve Mar, cujo Daniel é o diretor, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou um procedimento para apurar a ocorrência. “No âmbito desse procedimento, será realizada reunião com integrantes do instituto no dia 17 de fevereiro”, informou. O MPF disse que, pela investigação ainda estar em fase inicial, “estas são as informações que tem para repassar até o momento”.

Técnicos da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) também investigam se o problema do lixo nas orlas tem relação com a atividade da dragagem do Porto do Recife, ou se é decorrente das últimas chuvas que caíram na RMR. Segundo o diretor de licenciamento ambiental da CPRH, Eduardo Elvino, foi feita fiscalização nos últimos dias 11 e 14 de fevereiro no ancoradouro, quando técnicos acompanharam a execução das obras, mas “não identificaram material sólidos em suspensão, com as características das denúncias que foram feitas à Agência”.

A dragagem do Porto do Recife foi licenciada pela CPRH, que alegou ter exigido à empresa uma apresentação do Plano de Gestão da Qualidade Ambiental (PGQA), onde é previsto o controle de todos os possíveis impactos da atividade. “A equipe da CPRH acompanhará o descarrego dos sedimentos na área do bota fora marinho, que fica a 11 quilômetros da costa litorânea, para verificar se estão ocorrendo falhas ou dispersão de material sólido, juntamente com o sedimento. Nosso objetivo é contribuir com a segurança da operação”, completou Elvino.

O que diz o Porto do Recife

Por nota, o Porto do Recife destacou que a dragagem ou atividade portuária não produzem resíduos plásticos, mas sim o descarte indevido no mar e nos rios. Alegou que os resíduos são sugados e filtrados, e que , desde o início do trabalho, recolheu e descartou em terra mais de 18,6 toneladas de lixo, que é recolhido e entregue na Central de Tratamento de Resíduos (CTR) de Candeias, e que equipe de gestão ambiental não identificou flutuação de resíduos plásticos no mar durante o serviço, e que contratou nova empresa para "realizar um monitoramento diário no bota fora, canal do terminal e em toda extensão da costa de Olinda à Piedade. “Nos comprometemos a tomar todas as medidas necessárias para evitar impactos ambientais que possam estar relacionados à obra”, completou.

Para Daniel Galvão, o fato de já haver lixo no fundo do porto e ter sido supostamente espalhado pela dragagem não é justificável. “É inaceitável que a draga pegue o lixo e despeje isso no mar. Queremos mitigação dos danos ou a punição dos atores envolvidos nisso. É um impacto grande para a vida marinha”, disse o ambientalista.

 

*A reportagem foi atualizada em 16 de fevereiro com a resposta da Prefeitura do Recife. A versão anterior afirmava que a gestão não havia respondido, mas o fez. A matéria foi atualizada quando o erro foi percebido.

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