CASO TAMARINEIRA: ''Ele não queria, mas assumiu o risco'', diz acusação ao defender condenação de réu por triplo homicídio doloso
João Victor está preso desde 2017 e é acusado de triplo homicídio doloso (com intenção de matar) qualificado e dupla tentativa de homicídio qualificado.
Após longos testemunhos e dois dias de sessões, o julgamento do Caso Tamarineira entrou na fase de debates entre o Ministério Público e a defesa de João Victor Ribeiro de Oliveira Leal, réu por homicídio triplamente qualificado e dupla tentativa de homicídio, resultantes de uma colisão de trânsito no Recife, em 2017.
A promotora de Justiça Eliane Gaia tentou deixar claro para o júri que João Victor tinha, sim, total discernimento do que estava fazendo. "Querem (a defesa) incutir na mente de vocês que ele, naquele momento, não tinha capacidade de determinar-se, pois sua capacidade estava diminuída em virtude do uso frequente de drogas, bebidas, pelas diversas internações", iniciou a promotora.
Durante o segundo dia de julgamento, a defesa trouxe dois psiquiatras Antônio José Eça e Hewdy Lobo Ribeiro, que apontaram para uma doença mental em João Victor. "Tenho respeito pelos psiquiatras, mas dessa forma, como pareceristas, se empolgaram, não sei porque, mas Hewdy disse que tinha de honrar os contratantes. Ou seja, ele foi contratado para dizer a vossas excelências que esse rapaz não tinha discernimento no momento em que atingiu e causou uma tragédia. Ele é pago para isso. Mas eu nunca vi tanto discernimento de uma pessoa, que sabe de tudo daquele dia, mas não sabe o que estava fazendo no momento em que houve acidente, que não é acidente, é um evento. Ele diz que houve um apagão".
Gaia fez questão de destacar que, em seu interrogatório, João Victor descreveu, muito bem, todo o dia da tragédia. Então, questionou a promotora, como ele não sabia o que estava fazendo? Como esqueceu somente da colisão? "O réu provou que tem capacidade e discernimento de distinguir certo e errado, bem e mal. Sabia bem o que estava fazendo, lembra até da Itaipava geladinha que tomou, como não sabia o que estava fazendo? É falta de respeito com as nossas inteligências".
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A denúncia oferecida pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) indica que houve três homicídios dolosos (com intenção de matar) e duas tentativas de homicídio. A colisão provocada por João Victor Ribeiro ocorreu no cruzamento da Avenida Rosa e Silva com a Rua Cônego Barata. O carro conduzido por ele bateu contra o veículo que era conduzido pelo advogado Miguel Arruda da Mota Silveira Filho. Morreram no acidente a esposa do advogado, Maria Emília Guimarães da Mota Silveira, o filho, Miguel Arruda da Motta Silveira Neto, e a babá grávida Roseane Maria de Brito Souza. Além do advogado, a filha dele, Marcela Guimarães da Motta Silveira, também sobreviveu, mas ficou com sequelas.
Doloso
Prevendo que a defesa deverá pedir que o crime seja enquadrado como culposo, ou seja, sem intenção de matar, a promotora de Justiça reforçou que o dolo a intenção - existe a partir do momento em que ele assumiu o risco de dirigir bêbado.
"Eu não quis, diz o réu. Mas quem tá dizendo que você quis? Estamos dizendo que você, João, assumiu o risco, nossa legislação aponta dolo eventual. Não quis, mas não se importou com o resultado, não teve cuidado necessário. Não foi culposo, não foi negligência, querem isso, a defesa, pois se for reconhecido o culposo já sai solto, vai reconstruir sua vida, casar, ter filhos, já cumpriu a pena, enquanto a pena maior é a que foi dada às vítimas", comentou Eliane.
Confira imagens do julgamento:
Em seguida, a promotora exibiu as imagens da colisão, lembrou que João Victor trafegava, embriagado, segundo a perícia do Instituto de Criminalística, a uma velocidade de 108 km/h, enquanto o carro da família vítima estava a 30 km/h. O máximo permitido na via era de 60 km/h. Ele ainda avançou o sinal vermelho e o teste de alcoolemia feito com ele na época registrou nível de 1,03 miligrama de álcool por litro de ar, três vezes superior ao limite permitido por lei.
O julgamento ocorre no Salão do Júri da 1ª Vara do Tribunal do Júri da Capital, no Fórum Desembargador Rodolfo Aureliano, e vem sendo presidido pela juíza Fernanda Moura. Após a fase de debates entre o Ministério Público e a defesa do réu, o Conselho de Sentença se reúne para dar o veredicto.
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Por sua vez, o advogado Marcelo Pereira, auxiliar de acusação, representou a família da babá, Roseane, questionou a eficácia dos pareceres dos psiquiatras por terem sido realizados à distância e sem contato presencial com o réu. Os dois médicos são de São Paulo e alegaram fazer uma análise indireta de João, por meio dos documentos constantes no processo. Ele lembrou que foi expedido ofício ao conselho de ética de medicina para verificar a atuação do especialista Antonio Eça.
Assim como Eliane, Pereira também destaca que João apresentou bom discernimento no interrogatório. "Ele tem memória que é melhor que a minha, eu não lembro de tanta coisa da vida quanto ele lembra da dele. É articulado, lembra tudo até o momento do acidente. Estranho, não é, senhores?", concluiu o advogado.
Exemplo
O último da acusação a falar foi o advogado Ademar Rigueira Neto. Ele explicou ao júri que o julgamento de João Victor vai além de se fazer justiça pela família. Ele defende que a condenação do réu da forma como pede o Ministério Público dará um recado à sociedade sobre a necessidade de responsabilidade no trânsito.
"João Victor vem à tribuna e diz que não queria matar, os advogados dizem, a família dele diz que ele não queria matar. Mas entendemos que esse julgamento não é mais do caso concreto, é o exemplo que precisamos dar à sociedade, minha missão não é mais trazer justiça ou confortar a família de Miguel, a finalidade é que a sociedade perceba efetivamente que esse tipo de conduta não se resolve simplesmente pelo querer do acusado", disse.
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De acordo com Rigueira, a vontade de João Victor não interessa, pois o problema está no fato de ele ter assumido o risco. "O que está em jogo é o fato de que ele, mesmo não querendo, lógico que ninguém sai de casa para utilizar o carro para matar pessoas, mas é preciso saber que existe punição no ordenamento jurídico, mesmo aos que não querem cometer o crime mas assumem todos os riscos possíveis", destacou.
O advogado ainda criticou aqueles que fogem de blitz, que desviam caminhos com medo de bafômetro. "Precisamos entender que o carro, apesar não ser arma, como o revólver, ele também pode ser destinatário de tragédia", concluiu o jurista.