A reforma do Mercado de São José, no Centro da capital pernambucana, noticiada por este JC no último mês, promete aproximar o equipamento ao projeto original em até dois anos. Mas o clima entre os comerciantes do espaço é de receio, já que alegam não terem sido informados sobre as propostas de mudança e até agora não saberem para onde vão ou quanto irão receber de auxílio até que fique pronto - alternativas prometidas pela Prefeitura do Recife -, já que obras irão exigir a desocupação em outubro.
A requalificação do equipamento é uma demanda antiga para quem nele trabalha - e necessária, conforme pode ser visto por todos que o visitam pelo estado atual da estrutura física. Alguns dos vitrais já vieram ao chão, enquanto telas protegem que pedaços de vidro caiam nos transeuntes. Há falta de organização, de padronização e de uso de itens de higiene pelos comerciantes, como luvas, por exemplo. Sem manutenção, a sujeira também impera; entre outros muitos problemas.
No entanto, os comerciantes não esperavam que grandes alterações fossem feitas; como a retirada da área das lanchonetes localizadas no pátio externo, realocação destas em um novo mezanino e a liberação da rua central. Gilberto Simões, de 62 anos, que vende almoços no local há 48 anos, detalha a insatisfação em precisar ocupar o 1º andar do equipamento. “Aqui atraímos pessoas que passam da Praça Dom Vital para a Rua de São José o dia todo. Se subirmos, a clientela vai diminuir”, alega.
Pegos de surpresa, os permissionários coletaram mais de 100 assinaturas e formaram uma comissão com 25 representantes para cobrar respostas sobre a reforma logo após verem o prefeito João Campos (PSB) anunciar a novidade em suas redes sociais no aniversário da cidade, em 12 de março. Após isso, participaram de reuniões com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e com a Autarquia de Serviços Urbanos do Recife (Csurb).
“Não houve audiência pública ou conversa com permissionários. Isso aqui pertence ao povo. Deveria ter tido um diálogo conosco, as pessoas deveriam ter sido ouvidas. Esse projeto não foi apresentado para nós”, coloca o comerciante Kleber Cristiano Duarte, de 49 anos, que, além de criticar a falta de diálogo, teme que a identidade do mercado seja perdida. "Isso aqui vai se tornar um shopping com a colocação de elevadores e de mezaninos", opina.
Segundo o arquiteto Ronaldo L’amour, responsável pelo projeto junto a Felipe Campelo, as exigências criticadas pelos comerciantes foram feitas pelo próprio Iphan para que o espaço se assemelhasse ao projeto inicial, de 1875. É o órgão, inclusive, quem financia a reforma, orçada em mais de R$ 21 milhões, enquanto as obras ficarão sob responsabilidade da Autarquia de Urbanização do Recife (URB), por meio do Programa Recentro.
Ao JC, L’amour garantiu que a quantidade atual de boxes, 403, será preservada. “As intervenções surgem para atender às novas necessidades, mas respeitando a história. Trabalhamos com dois aspectos: restauração da estrutura metálica, do século 19, e a reforma dos boxes, que já estão descaracterizados. Então, para não diminuir a quantidade, os realocamos no mezanino”, afirmou ele.
Melhorias aceitas pelos permissionários também estão previstas, como a conservação da calçada e a alvenaria em pedra lioz, da restauração dos elementos de ferro, vidro e madeira, e melhora da acessibilidade, com sinalização tátil alerta e direcional, mapas táteis e reforma dos anexos.
Ainda, é previsto que o sanitário feminino seja composto por 5 cabines, sendo 1 delas para pessoa com deficiência, e 2 chuveiros, e o masculino por 5 cabines de vaso sanitário, 4 mictórios e 6 chuveiros. O térreo, antes de pedra rachão, terá o piso durbeton. A rua central ganhará piso em granito serrado. Dentro do pátio interno, o piso será revestido em granito flameado, em tom semelhante à pedra lioz.
O temor de Cintia Ferreira, 38 anos, é de como irá comercializar os artigos religiosos que hoje vende no mercado no período da reforma. “Quando o mercado pegou fogo, nos anos 90, minha família passou necessidade, porque aqui ficou cinco anos fechado. Ainda não sabemos como nas obras de agora. Antes de pensar em requalificação, tinham que pensar nas pessoas - nós somos a cultura. Somos nós quem fazemos esse mercado estar vivo.”
Veja como vai ficar o mercado
Veja como vai ficar o interior do mercado após a conclusão do restauro, prevista em dois anos após a assinatura do contrato:
O que diz a Prefeitura do Recife
Por nota, a Autarquia de Urbanização do Recife (URB) informou que o projeto de requalificação do Mercado de São José, que fará 150 anos, prevê a recuperação e adequação total do equipamento, a partir de um investimento de R$ 21.484.596,61. O projeto executivo foi financiado pelo Iphan e atende todas premissas sobre restauro exigidas pelo órgão. A URB destaca ainda que reuniões foram realizadas pela Csurb com os permissionários no decorrer do desenvolvimento do projeto e novos diálogos continuarão acontecendo durante a realização das obras. Além disso, a Autarquia esclarece que a construção do mezanino permitirá o melhor zoneamento do Mercado, possibilitando a divisão mais eficiente da área entre os diferentes tipos de atividades existentes. Esse espaço abrigará os quiosques de alimentação que hoje estão localizados na parte externa do Mercado e precisarão ser realocados por determinação do Iphan pelo fato de não fazerem parte do projeto original do equipamento.
O que diz o Iphan
Trata-se de projeto executivo para Requalificação do Mercado de São José. A obra é custeada pelo programa de Preservação de Cidades Históricas. Os recursos foram repassados para a Prefeitura, que vai executar as intervenções, conforme termo de compromisso firmado com o Iphan. Por ser um monumento tombado pelo Iphan e tendo sido executado por meio de recurso federal, o projeto foi analisado e fiscalizado pelo Instituto, sendo objeto de várias reuniões e discussões quanto à sua concepção. A proposta de instalação de um mezanino foi pensada como alternativa para incluir todos os permissionários, sem que nenhum perdesse seu posto de trabalho. É da competência do Iphan apenas a análise do projeto em função da proteção federal que o bem possui, não se posicionando quanto à gestão, competência esta da Prefeitura do Recife. O desenvolvimento do projeto foi concluído em todas as suas etapas. A reunião ocorrida no Iphan com os permissionários foi bastante tranquila: na ocasião, o Instituto explicou que não são da sua competência questões de gestão e que cabe à Autarquia apenas a análise do projeto, de modo que não cause dano ao bem protegido.