As chamas que atingiram as palafitas às margens da bacia do rio Pina, no bairro homônimo, na Zona Sul do Recife, na tarde desta sexta-feira (6), destruíram não só moradias improvisadas, mas sonhos que começaram a se tornar realidade e fazer a diferença na vida de gente pobre, sem acesso ao básico. Na comunidade alvo do incêndio funcionava uma Cozinha Solidária, que agora enfrentará ainda mais dificuldades para matar a fome.
Conheça a história:
Cheiro de galinha, arroz, macarrão e legumes no fogão indicava o caminho da sede de uma importante ação solidária da Zona Sul do Recife. Vinha de uma das palafitas situadas na Comunidade do Pina, onde foi instalada uma Cozinha Solidária. Nela, são preparadas, todas as terças e quintas-feiras, comida temperada e nutritiva para cerca de 70 famílias que vivem ali em completa situação de vulnerabilidade social, sem nem mesmo dispor de saneamento básico.
A iniciativa é feita por e para a comunidade, sendo coordenada pela cozinheira Ivanise Serafim, de 37 anos, mãe de 11 filhos cuja única fonte de renda hoje é o Auxílio Brasil, de R$ 400. “A realidade da maioria das pessoas daqui é de desemprego, então aqui falta comida. Essa cozinha ajudou muito a comunidade, sou muito grata pelas doações. Trabalho demais, não é fácil, e sem receber nada por isso”, disse.
Apesar da ação ser realizada, oficialmente, dois dias por semana, Ivanise (ou Galega, como é conhecida na região) sabe que a fome não espera, então produz refeições para os vizinhos — e para a própria família — a partir da chegada de doações, que, infelizmente, estão cada vez mais escassas.
O projeto é um dos braços do Mãos Solidárias, criado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em 2020 com a chegada da covid-19. No começo, eram distribuídas refeições para a população em situação de rua, até que a organização se dar conta de que muitas das pessoas se deslocavam de onde moravam até o ponto de doação por não terem o que comer.
Então, o fluxo foi alterado, e a comida passou a ser entregue dentro da comunidade. “Fomos percebendo que muita gente que ia comer lá não estava em situação de rua, mas de fome. Então começamos levando as marmitas até as palafitas e aos poucos fomos organizando a construção da cozinha, a partir da arrecadação de materiais e de fogão, panelas e pallets”, contou a professora de saúde coletiva da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Lívia Milena Mello.
A ajuda é essencial para gente como Marcelo dos Santos, 54, que aportou o barco junto à palafita para almoçar na Cozinha Solidária no dia da visita do JC.
“Nos ajuda muito. Todo dia aqui tem algo para comer”, disse ele, que mora junto a esposa há mais de 10 anos em uma das palafitas do local. Ele também colabora com a iniciativa atravessando o rio com parte das marmitas quando há o suficiente para distribuição na Comunidade do Bode, também no Pina.
Uma iniciativa formada por muitas mãos
A dona de casa Nataly Serafim da Silva, de 33 anos, comandou a produção da terça para que a irmã, Galega, pudesse tirar o dia de descanso. Emocionada, contou à reportagem que cresceu em palafitas, como as famílias do Pina, e que, por saber o que é viver com o mínimo, faz o possível para ajudá-las. "Ninguém merece isso aqui. Não aceito isso. Agradeço muito por poder estar ajudando o meu próximo. Gostaria de fazer muito mais."
O fornecimento do gás de cozinha é feito pela Federação Única dos Petroleiros (FUP), dirigida em Pernambuco pelo voluntário Luiz Lourenzon. “Somos parceiros da atividade pela seriedade e compromisso de alimentar as comunidades que precisam. Estou aqui, faça dia ou faça sol, porque sei da importância do voluntariado para o Pina”, disse.
A expectativa de quem faz da Cozinha Solidária uma realidade, não é, no entanto, a expansão dela; mas pela efetivação de políticas públicas que possam dispensar iniciativas assistencialistas, promovendo uma vida digna a ponto de não tornar as comunidades dependentes de doações. “Queremos que seja só uma campanha emergencial e que o estado tenha um compromisso mais amplo para garantir renda, trabalho e segurança alimentar para a população, que é um direito tão básico e elementar”, pontua Lívia.
A iniciativa conta com o apoio de sindicatos, universidades, organizações de saúde, da Arquidiocese de Olinda e Recife de movimentos sociais, como a Marcha Mundial de Mulheres, Levante Popular da Juventude, Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, Centro Brasileiro de Estudos em Saúde, ONG Turma do Flau, Centro Sabiá, Movimento Camponês Popular, Pastoral da Juventude Rural, entre outros.
Como ajudar
Doações podem ser feitas pelo PIX da filha de Galega, coordenadora da Cozinha Solidária da Comunidade do Pina. É o CPF de Maria Eduarda Bosco da Silva, de número 704-129-774-86.
Podem chegar doações também pelo PIX do Mãos Solidárias, de número 09.423.270/0001-80, ou presencialmente no endereço Armazém do Campo Recife. Av. Martins de Barros, 395 - Santo Antônio, Recife-PE.