CHUVAS

CHUVAS EM PERNAMBUCO: sem transparência do poder público, JC dá nome às vítimas da maior tragédia do Estado no século 21

Nem mesmo o fato de que a quase totalidade das vítimas morreram soterradas em deslizamentos de barreiras - que seria, entre as tragédias provocadas pela chuva, talvez a mais evitável de todas -, tem sido suficiente para constranger o poder público a divulgar a relação das pessoas mortas. Informar, ao menos, o nome e a idade delas

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Roberta Soares

Publicado em 01/06/2022 às 21:38 | Atualizado em 08/06/2022 às 17:04
Há, ainda entre as vítimas, pelo menos seis bebês, inclusive recém-nascidos. E muitos jovens entre 18 e 26 anos - ARTE JC

(*) Matéria atualizada com a 129ª morte

Após o JC, com o apoio das equipes de reportagem de todo o SJCC, insistir na identificação das vítimas das recentes chuvas em Pernambuco e começar a listar os nomes por conta própria, o Estado divulgou, na noite desta quinta-feira (2), a relação das 129 pessoas mortas identificadas até então. 

O JC foi em busca de uma face para as pessoas mortas (*) pelas fortes chuvas que atingem Pernambuco desde a quarta-feira (25/5), especialmente a Região Metropolitana do Recife e a Zona da Mata do Estado. Isso porque, tanto tempo depois, os Joãos, Josés e Marias seguem sendo apenas números para o poder público - nesse caso, o governo de Pernambuco e as prefeituras das cidades que tiveram moradores mortos, especialmente a do Recife e a de Jaboatão dos Guararapes.

Nem mesmo o fato de que a quase totalidade das vítimas morreram soterradas em deslizamentos de barreiras - que seria, entre as tragédias provocadas pela chuva, talvez a mais evitável de todas -, tem sido suficiente para constranger o poder público a divulgar a relação das pessoas mortas. Informar, ao menos, o nome e a idade delas.

Nada ou muito pouco tem sido dito oficialmente. A lei do silêncio impera principalmente no governo de Pernambuco e na Prefeitura do Recife. O primeiro, porque é o gestor dos órgãos de segurança pública, incluindo a polícia científica, e, por isso, é quem tem os dados. E o segundo porque é na capital que estão a grande maioria das vítimas dessa que já é a maior tragédia do século 21 em Pernambuco

O JC já tinha questionado a falta de transparência do Estado anteriormente, em texto da jornalista Adriana Guarda, mas de nada adiantou. Nem mesmo a quantidade de vítimas por município está sendo informada. Por bairros, então, nem pensar.

Buscas por corpos na Vila dos Milagres, no Recife - GUGA MATOS/JC IMAGEM

Por isso, o JC decidiu fazer a sua própria lista, com o apoio das equipes de reportagem de todo o SJCC. Tenta fazer o que o governo de Pernambuco e as prefeituras ainda não fizeram: dar um rosto a essas pessoas. Fazer com que não sejam apenas números.

MEMORIAL: nomes das vítimas das chuvas em Pernambuco 2022

Mas é difícil. Muito difícil. Pelo levantamento, foi possível dar nome a 63 das 126 vítimas das chuvas no Estado. Apenas. Pelo menos por enquanto. E nesse levantamento, incompleto e com falhas, ficou evidente a crueldade da tragédia: das 63 vítimas nominadas pelo JC, 46 são adultos e 17 são crianças e adolescentes. Muitas, apenas bebês.

VÍTIMAS DAS CHUVAS - Aureogildo Vasconcelos - REPRODUÇÃO
VÍTIMAS DAS CHUVAS - Artur Tomé da Silva, de 19 anos - REPRODUÇÃO
VÍTIMAS DAS CHUVAS - Andreza Fragoso da Silva, 30 anos - REPRODUÇÃO

 

VÍTIMAS DAS CHUVAS - Alex Rodrigo da Luz - REPRODUÇÃO
VÍTIMAS DAS CHUVAS - Tereza Ramos Bezerra e Ulisses Neto - REPRODUÇÃO
VÍTIMAS DAS CHUVAS - Mauro Jorge Cardoso, 60 - REPRODUÇÃO

 

VÍTIMAS DAS CHUVAS - Taís Lucia Oliveira, de 22 anos, e a filha Beatriz, de 1 ano e 8 meses - REPRODUÇÃO
VÍTIMAS DAS CHUVAS - Telma Maria Maciel, Wanderson ferreira costa E Paulo maciel - REPRODUÇÃO
VÍTIMAS DAS CHUVAS - Rosimere Hipolito da Silva e Sergio Pimentel - REPRODUÇÃO
VÍTIMAS DAS CHUVAS - Bebê - REPRODUÇÃO

 

Vítimas das chuvas - ARTES JC

TODOS OS CORPOS IDENTIFICADOS

Os argumentos do governo de Pernambuco de que não está divulgando os nomes das vítimas e a localização dos óbitos porque o trabalho de identificação está sendo difícil foi questionado por profissionais da área de medicina forense e da própria Polícia Científica ouvidos pela reportagem.

Segundo esses profissionais, ouvidos no anonimato, lógico, o que está existindo é muita pressão para que nenhuma informação seja repassada porque o Estado está preocupado com os números. Não com a tragédia das pessoas. E que, apesar da alta demanda do Instituto de Medicina Legal (IML), onde profissionais têm trabalhado por até 72 horas ininterruptas para liberar os corpos, a identificação tem acontecido sem dificuldades.

“A demanda quintuplicou, é fato, até porque, além das vítimas da chuva, existem as vítimas da violência diária. São realizadas uma média diária de 20 autópsias, que pode aumentar para entre 25 e 30 nos dias pesados. Mas agora, houve dias em que foram realizadas 70 num só dia”, relata um profissional da área.

“Mas as vítimas estão sendo identificadas pelas famílias, sem que houvesse necessidade de exame de DNA, por exemplo, o que retardaria a liberação e complicaria o processo, como alega o Estado. Isso não está acontecendo. Não tem corpos retidos. E todos estão sendo liberados com nome, idade e endereço. O que há é uma pressão muito grande sobre os profissionais para que não informem nem o nome nem a localização das vítimas”, denuncia o mesmo profissional.

A estratégia não seria a subnotificação das vítimas - segundo esse mesmo profissional, até porque as famílias clamam por seus mortos -, mas evitar um maior ônus político para o PSB no Recife, que lidera o ranking das vítimas, às vésperas de uma eleição. A Prefeitura do Recife, entretanto, tem divulgado a quantidade de mortos com domicílio na cidade, embora não informe os nomes nem os bairros.

FALTA DE TRANSPARÊNCIA

Enquanto os profissionais de saúde precisam falar no anonimato por medo de represálias, quem milita nos direitos humanos coloca a cara e não poupa críticas. “É um absurdo o que o governo de Pernambuco está fazendo com essas pessoas. E isso só está acontecendo porque estamos falando de pessoas pobres. O Gajop é firme na visão de que essas pessoas não são apenas dados, estatísticas. Elas têm nome, sobrenome, têm pais, têm família. E se as famílias não se opõem à divulgação, esses nomes precisam ser informados para que a sociedade possa ir fazendo as cobranças necessárias”, afirma Edna Jatobá, coordenadora executiva do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop).

A coordenadora pondera, ainda, que a omissão em relação aos nomes das vítimas tem uma consequência ainda mais séria no atendimento pós-tragédia para essas famílias. Dificulta toda a cadeia de assistência a essas pessoas e estimula o jogo de empurra empurra.

“Essa falta de transparência se reflete no limite de atuação do poder público. Sem os nomes e a localidade dessas vítimas fica mais difícil saber de qual prefeitura, por exemplo, é a responsabilidade. Que é o que acontece em Jardim Monte Verde, por exemplo. As famílias não sabem se recorrem ao Recife ou a Jaboatão e ficam sendo jogadas de um lado para o outro”, reforça.

Buscas por corpos em Jardim Monte Verde - Welington lima/JC Imagem

O Gajop, inclusive, está acionando o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) para que cobre das prefeituras do Recife e de Jaboatão dos Guararapes um entendimento em relação à assistência das famílias do Jardim Monte Verde, que é limítrofe entre as duas cidades.

O governo de Pernambuco, mais uma vez, explicou que todas as informações ainda estão sendo levantadas e checadas. E que serão divulgadas oportunamente, quando estiverem consolidadas e cruzadas pelos diversos órgãos envolvidos. Mas que a identificação das vítimas não será divulgada em razão da Lei de Proteção de Dados (LGPD).

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