Foi dado o primeiro passo para o fim do “cemitério” de imóveis abandonados na capital pernambucana, embora especialistas considerem que ainda haja um longo caminho pela frente para mudar essa realidade. Isso porque a Prefeitura do Recife enviou na última semana à Câmara Municipal o projeto de lei que regulamenta instrumentos urbanísticos que obriga proprietários a dar uso às construções na cidade, sob pena de perda do patrimônio pessoal.
O Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios (PEUC), IPTU Progressivo e Desapropriação-Sanção, que funcionam como “fases” do instrumento, já eram previstos pelo Estatuto da Cidade, de 2001, e desde 1991 pela legislação do Recife, mas só agora estão sendo regulamentados pelo poder público.
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A PEUC obriga proprietários de imóveis urbanos vazios, subutilizados ou não utilizados a parcelar, edificar ou utilizar seu imóvel, fixando um prazo para que isso aconteça. Caso esse período estipulado não seja observado, é então iniciada a cobrança do IPTU Progressivo, podendo chegar ao que se chama de ”desapropriação-sanção” do imóvel. Tudo isso com o objetivo de induzir o uso adequado dos bens não edificados ou subutilizados, principalmente em regiões que contam com boa infraestrutura urbana.
No anúncio do envio do PL, o prefeito João Campos (PSB) informou, ainda, que ele será aplicado inicialmente na área central da cidade, por meio do Programa Recentro. “Vamos começar no centro da cidade, podendo fazer todo esse mapeamento, avaliando nosso patrimônio e, com esse instrumento, avançando tanto na preservação, como na utilização e função social desses imóveis que precisam ser preservados”, disse o gestor.
Inicialmente, este e outros instrumentos urbanísticos aprovados neste ano - como a Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) e a Transferência do Direito de Construir (TDC) - deveriam ter sido enviados junto ao projeto do Plano Diretor Municipal, aprovado no final de 2020. Mas, até então, foram pleiteados apenas cinco dos 14 instrumentos previstos. (Confira lista no final da matéria)
O arquiteto e urbanista Vitor Araripe, integrante do Conselho da Cidade, explica que o instrumento é importante e um “primeiro passo”, mas que sozinho não resolve o problema de abandono de edificações da cidade - e, principalmente, não a curto prazo. Além disso, para que funcione, precisa que haja um comprometimento da gestão, que deve mapear e notificar os imóveis atualmente sem uso na capital.
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“Primeiro identifica, depois notifica, depois dá tempo para fazer reformas, depois passa a cobrar IPTU progressivo e só depois há a desapropriação. Entre o tempo da notificação e o de tornar o imóvel aproveitável são muitos anos; é um instrumento muito lento. Se não for feita uma notificação massiva, vão desapropriar poucos imóveis por ano, algo que nem tem escala enquanto política pública, sem expressão para a demanda que existe, como no Centro, principalmente”, afirmou.
O consultor urbanístico da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Pernambuco (Ademi), Sandro Guedes, explica que o instrumento pode contribuir para evitar que proprietários guardem áreas para aguardar pela valorização dessas, e que, caso usado de forma estratégia “pode ter um potencial de mudança”. Isso porque os proprietários perdem dinheiro ao serem pagos com pagamento de dívida pública, já que é “baseado no valor venal do imóvel” - que é estipulado pelo próprio poder público.
“Agora é esperar a Câmara tramitar e continuar vigilante, pressionando o governo municipal para que o instrumento seja usado de maneira estratégica e cirúrgica, não só ed forma arrecadatória, para propiciar a real utilização de áreas que não cumprem a função social, beneficiando a população como um todo. Assim, a cidade cresce de maneira equilibrada e sustentável.
Uma série de reportagens neste JC já tratou de imóveis abandonados no Recife. A Rua Imperial, no Bairro de São José, por exemplo, concentra dezenas nessas condições. Outro recentemente abordado foi a antiga Escola Normal Pinto Júnior, no Bairro da Boa Vista, cujo proprietário foi autuado pela má preservação do imóvel.
Quais são as regras para a aplicação da PEUC?
A PEUC pode ser aplicada em imóvel não edificado em terreno com área superior a 500m² sem área construída existente, não consideradas portarias e edificações transitórias. Ainda, em imóvel subutilizado em terreno com área superior a 500m², cuja área construída existente corresponda a coeficiente de aproveitamento - quantidade de m² que podem ser construídos em um local - inferior ao mínimo definido para a zona ou ainda os que tenham a partir de 60% (sessenta por cento) de sua área construída desocupada por mais de 2 anos ininterruptos.
Ele não pode ser aplicado nos casos de imóvel com atividades voltadas à prestação de serviços públicos e imóvel utilizado para o desenvolvimento de atividade permitida em lei para a zona ou setor em que estiver inserido, independentemente do coeficiente de aproveitamento utilizado. Além disso, também não será aplicado no caso de indisponibilidade jurídica do imóvel, tais como pendência judicial impeditiva da edificação ou utilização do imóvel ou declaração de utilidade pública ou interesse social para fins de desapropriação.
A Desapropriação-Sanção poderá ser aplicada caso, decorridos 5 anos de cobrança do IPTU Progressivo, o proprietário não tenha cumprido a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar o imóvel, conforme o caso. Nessas situações, o Poder Executivo Municipal poderá proceder à desapropriação do imóvel, cujo valor terá como referência seu valor venal utilizado como base de cálculo para IPTU, com pagamento em títulos da dívida pública.
Quais instrumentos ainda faltam ser regulamentados?
Dos 14 instrumentos previstos no Plano Diretor, só cinco foram regulamentados ou enviados para regulamentação até agora: Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios (PEUC); Imposto Predial e Territorial Urbano Progressivo no Tempo (IPTU-P); Desapropriação com Pagamentos da Dívida Pública; VI - Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) e Transferência do Direito de Construir (TDC).
Faltam:
- Arrecadação de Bens Abandonados
- Consórcio Imobiliário
- Operação Urbana Consorciada (OUC)
- Projetos Especiais
- Projeto de Reordenamento Urbano
- Direito de Preempção
- Direito de Superfície
- Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV)
- Cota de solidariedade