Os cofres públicos do Recife tiveram um prejuízo de R$ 2,4 milhões para reparar ou substituir o patrimônio público vandalizado, depredado ou furtado em 2022.
O valor, segundo a Prefeitura da cidade, seria suficiente para construir uma nova creche, escola, ou Upinha, requalificar quatro unidades de saúde da família, requalificar 24 escadarias com corrimão ou implantar 1700 pontos de iluminação em LED.
A Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb) afirmou ter feito mais de 150 boletins de ocorrência referentes a casos dessa natureza, para que os atos criminosos sejam investigados e punidos.
Segundo a Polícia Civil de Pernambuco (PCPE), alguns desses já tiveram inquéritos concluídos e remetidos à justiça. Outros estão com as diligências em andamento e, por isso, detalhes não podem ser repassados para não atrapalhar o curso das investigações.
Entre os principais alvos do vandalismo estão itens como monumentos, estátuas, pontes, banheiros públicos, iluminação, bombas d´água, fontes luminosas, mobiliário urbano e brinquedos.
Um exemplo foi o furto do busto de Frei Caneca, que fica na praça que ganhou o nome dele, no Bairro de São José, no Centro, em agosto do último ano.
Ainda, a escultura O Mascate (Avenida Dantas Barreto), o brasão do Monumento a Sacadura Cabral (praça 17, Santo Antônio), o brasão da Ponte Maurício de Nassau, que liga os bairros do Recife a Santo Antônio, algumas peças da escultura Maracatu (nas imediações do Forte das Cinco Pontas), além de letras que compõem a obra central cravada no solo do Marco Zero, no coração do Bairro do Recife.
Na área de iluminação pública, foram 11 quilômetros de fiação furtados, 286 equipamentos como refletores e luminárias vandalizados e 15 postes danificados.
Além de provocar a interrupção do serviço e trazer insegurança para os moradores das localidades prejudicadas, causaram gastos de quase R$ 500 mil.
“Nem mesmo as obras que valorizam a nossa cultura foram poupadas. Nove monumentos e diversos brasões, principalmente nas pontes e no Bairro do Recife, também sofreram ações de depredação e furtos, somando um prejuízo de quase R$ 400 mil, que só não foi maior porque algumas peças foram resgatadas”, afirma a secretária municipal de Infraestrutura e presidente da Emlurb, Marília Dantas.
Outra ação comum, a pichação também trouxe custos que chegaram a quase R$ 250 mil. Já a destruição de itens pertencentes às vias públicas, como 72 tampões e 17 grelhas de ferro, custou R$ 267 mil.
O mobiliário urbano e os espaços de uso comum também sofreram com a depredação. Lixeiras, papeleiras, brinquedos e equipamentos foram constantemente danificados nas praças e parques, resultando no dispêndio de R$ 590 mil. A recuperação de banheiros públicos, como os situados na orla, custou R$ 250 mil.
“Até a pavimentação é alvo do vandalismo. Durante o processo de cura, as placas de concreto e os passeios públicos sofrem danos propositais, mesmo com a sinalização das obras. O prejuízo nesses casos foi de R$ 80 mil”, complementa Marília.
A gestão municipal pede o apoio da população na manutenção do patrimônio público. Para denúncias e sugestões, a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb), disponibiliza o número 156.
Parque das Esculturas em reconstrução
O Parque das Esculturas, assinado pelo artista plástico Francisco Brennand, foi alvo de furtos em dezembro de 2020, lesando um dos cartões postais mais famosos da capital pernambucana. Ao todo, 64 das 74 peças originais foram levadas.
Atualmente, o patrimônio está em reconstrução. As obras de restauro das peças foram iniciadas no final do ano de 2021 e são realizadas pelo também artista plástico e coautor do projeto do espaço, Jobson Figueiredo, com investimento de R$ 5,5 milhões do município.
A reforma do espaço se divide em duas etapas. A primeira é o restauro e reprodução das peças em si, que tinham previsão de serem finalizadas até dezembro de 2022 - mas, até então, 70% delas tinham sido concluídas, de acordo com a Prefeitura. A segunda etapa é a de requalificação do local.
A entrega completa do espaço será feita em maio de 2023, segundo a gestão municipal.
Por que o vandalismo acontece?
Em estudo de 2018, a pesquisadora Maria João Correia da Cruz trouxe que alguns autores acreditam que o ato tem objetivo de desafiar as regras estabelecidas e outros que acham que é provocado por condições psicológicas. Mais linhas de pensamento seguem a ideia que são resultados de problemas sociais profundos ou de características do ambiente físico.
Pesquisadores da Universidade de Groningen, da Holanda, mostraram que as motivações para a prática do vandalismo também têm origem na falta de cuidado e de movimento de pessoas no espaço público. O artigo foi publicado na revista Science, em 2009.
O grupo fez experimentos de campo em que observaram o comportamento de indivíduos em cenários com ausência e presença de vandalismo. Nas duas situações, as pessoas não sabiam que estavam sendo observadas.
Ainda, indicou que a desordem urbana facilita as ocorrências. Os pesquisadores colocaram um folheto de propaganda em cada bicicleta com o objetivo de observar se as pessoas iriam jogá-lo no chão ou levá-lo até uma lixeira mais distante.
Das 77 pessoas observadas em cada situação, 69% jogaram o folheto no chão no cenário com as paredes pichadas. Quando as paredes estavam limpas, apenas 33% cometeram a mesma infração.
"Os espaços mais afetados pelo problema são vandalizados pela sua natureza física propensa a essa atividade, pela dificuldade de vigilância, pela aparência degradante do espaço ou do edifício, e pelo condicionamento social consequentemente criado, como o desinteresse pelos espaços e equipamentos e o receio pela integridade física", pontuou Correia da Cruz.
Falta de regulamentação de ferros-velhos facilita prática
No Grande Recife, é comum que atos do tipo aconteçam para que peças sejam vendidas em ferros-velhos, por exemplo. Foi o caso do Parque das Esculturas - um patrimônio que foi derretido e vendido a baixo custo nestes estabelecimentos.
A ação é facilitada pela falta de regulamentação da lei que desde 2008 estabelece que comprador e vendedor de quaisquer transações em ferros-velhos sejam identificados, sob pena de multa e apreensão, além de que seja feito cadastro de compra, venda ou troca de cabo de cobre, alumínio, baterias e transformadores para reciclagem.
Sem a regulamentação, as irregularidades são identificadas somente quando denúncias são feitas. Assim, objetos muitas vezes pertencentes ao patrimônio público e privado seguem sendo repassados às escuras, o que prejudica a sociedade e até mesmo os estabelecimentos que escolhem funcionar legalmente.
A reportagem do JC denunciou a falta de regulamentação no início do ano. Até agora, no entanto, o Governo de Pernambuco não tem um prazo para que seja feita.
Comentários