Dezesseis governadores, entre eles, o de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), divulgaram nota pública nesta segunda-feira (1º) em que contestam uma publicação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nas redes sociais, no final de semana.
Na postagem, o presidente listou valores repassados pelo governo federal a cada Estado em 2020 para combate à pandemia da covid-19. Segundo os governadores, os dados são distorcidos, representam um ataque e podem gerar interpretações equivocadas sobre a transferência de recursos da União.
Os governadores manifestam preocupação em face da utilização, pelo governo federal, de instrumentos de comunicação oficial, custeados por dinheiro público, a fim de produzir informação distorcida, gerar interpretações equivocadas e atacar governos locais.Trecho da carta assinada por governadores em resposta a Jair Bolsonaro
Na carta, os governadores destacaram que o governo federal deveria focar em políticas para conter aglomerações por conta do avanço dos casos de covid-19. “Em meio a uma pandemia de proporção talvez inédita na história, agravada por uma contundente crise econômica e social, o governo federal parece priorizar a criação de confrontos, a construção de imagens maniqueístas e o enfraquecimento da cooperação federativa essencial aos interesses da população”, diz trecho do texto assinado pelos gestores.
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Os governadores ressaltaram que parte dos impostos federais, como o Imposto de Renda, tem como destino obrigatório os Estados e municípios, da mesma forma que os estaduais, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), devem ir para os cofres dos municípios. "Em nenhum desses casos a distribuição tributária se deve a um favor dos ocupantes dos cargos de chefe do respectivo Poder Executivo, e sim a expresso mandamento constitucional".
Em sua publicação, Bolsonaro aponta a transferência de R$ 42 bilhões a Pernambuco. A informação foi rebatida pelo secretário da Fazenda do Estado, Décio Padilha. "Se Pernambuco tivesse recebido R$ 42 bilhões face ao covid-19, não estaríamos no Brasil e sim nos Estados Unidos, que aprovou um pacote de ajuda de US$ 1,3 trilhão. Toda a Receita Corrente Líquida (RCL) de Pernambuco no ano de 2020 foi R$ 27 bilhões, já com todas as ajudas do SUS (Sistema Único de Saúde), da Lei 173 e do governo federal incluídas", destacou o secretário.
"Precisamos separar em dois eixos. Um eixo é o das transferências obrigatórias constitucionais, que funcionam de forma concentrada, muitos tributos compartilhados vão para a União e voltam para Estados e municípios, isso é um arcabouço constitucional, é assim há mais de 32 anos, não é ação específica de um governo federal, são obrigações. Você tem FPE, FPM, recursos compartilhados. Mas não pode ser confundido com o segundo eixo, a ajuda da covid-19, que o governo suspendeu divida com bancos, o governo fez a Lei 173, com ajuda do Congresso, que Estados e municípios receberam recursos, são ajudas específicas. Neste caso, Pernambuco recebeu R$ 2,4 bilhões de ajuda, e ajudou, agradecemos, mas do ponto de vista dos R$ 42 bilhões que se colocou, é impossível. Está se confundindo com repasses que existem de forma centralizada, que vão para União e voltam. O valor ajudou bastante, mas não se confunde com os R$ 42 bilhões, que são todos os recursos nacionais que circulam, de acordo com o centralismo (da Constituição) de 1988. É a mesma coisa no Piauí, São Paulo, Bahia, Alagoas, é impossível a União ter do orçamento dela os recursos todos, isso é recurso compartilhado", explicou Décio Padilha.
Veja a publicação de Bolsonaro:
“Adotando o padrão de comportamento do presidente da República, caberia aos Estados esclarecer à população que o total dos impostos federais pagos pelos cidadãos e pelas empresas de todos estados, em 2020, somou R$ 1,479 trilhão. Se os valores totais, conforme postado hoje, somam R$ 837,4 bilhões, pergunta-se: onde foram parar os outros R$ 642 bilhões que cidadãos de cada cidade e cada estado brasileiro pagaram à União em 2020?”, questionaram.
Auxílio emergencial
Em evento no Ceará, na sexta-feira (26), o presidente Jair Bolsonaro criticou a decisão de governadores em adotarem medidas restritivas contra a covid-19, com o fechamento de comércios e a suspensão de circulação em determinados horários, como ocorre em Pernambuco. E afirmou que “governador que destrói emprego, deve bancar o auxílio emergencial”.
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“O auxílio emergencial vem por mais alguns meses e, daqui pra frente, o governador que fechar o seu Estado, o governador que destrói emprego, ele é que deve bancar o auxílio emergencial. Não pode continuar fazendo política e jogar para o colo do presidente da República essa responsabilidade”, disse o Bolsonaro.
Na carta, é explicado que suspensões de pagamentos de dívida federal por acordos e decisões judiciais anteriores à covid-19, e em nada relacionadas à pandemia, foram listadas pelo presidente. "Já as reposições das perdas de arrecadação estadual e municipal, iniciativas lideradas pelo Congresso Nacional, foram amplamente praticadas em outros países, pelo simples fato de que apenas o Governo Federal apresenta meios de extensão extraordinária de seu orçamento pela via da dívida pública ou dos mecanismos monetários e, sem esses suportes, as atividades corriqueiras dos Estados e Municípios (como educação, segurança, estruturas de atendimento da saúde, justiça, entre outras) ficariam inviabilizadas".
Aglomerações
Sobre a pandemia do coronavírus, os governadores dizem que a contenção de aglomerações é o que deveria ser praticado de forma coordenada pela União. No entanto, segundo o secretário de Saúde de Pernambuco, André Longo, afirmou na manhã desta segunda-feira (1º), que o governo Jair Bolsonaro tem tomado outro rumo e não realiza a coordenação nacional necessária.
"É difícil um lockdown nacional sem apoio do governo federal, a coordenação de um processo como esse deveria ter Forças Armadas. Mas o governo federal não tem esse intento, o presidente deu sinais de ser contra isolamento, contra o uso de máscara e isso dificulta o processo de união nacional para um lockdown. Fazemos esforços a nível estadual", destacou o secretário.
A nota foi assinada pelos governadores Renan Filho (Alagoas), Waldez Góes (Amapá), Camilo Santana (Ceará), Renato Casagrande (Espírito Santo), Ronaldo Caiado (Goiás), Flávio Dino (Maranhão), Helder Barbalho (Pará), João Azevêdo (Paraíba), Ratinho Junior (Paraná), Paulo Câmara (Pernambuco), Wellington Dias (Piauí), Cláudio Castro (Rio de Janeiro), Fátima Bezerra (Rio Grande do Norte), Eduardo Leite (Rio Grande do Sul), João Doria (São Paulo) e Belivaldo Chagas (Sergipe). O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, não assinou o documento.
Confira a carta dos governadores: